Estrela Rego

Ele deve gostar de saber que eu penso que tenho um amigo, agora e para sempre. Para ele, neste tempo em que morreu para esta vida, começou o tempo de uma outra vida. Ele acreditava nisso e nós, por sabermos dele, acreditamos de outro modo e damos-lhe vida na caixa da memória, essa em que guardamos os instantâneos de encontros felizes. Morreu José Estrela Rego e eu já sinto falta dos "respingos salvíficos do atlântico azórico" com que ele nos brindava nas despedidas.
Há quem se espante com a possibilidade de algum dia termos podido falar um com o outro sem escolher as ideias (para esconder algumas delas das conversas). Um dia estive com ele nas casas da sua vida e guardo a nossa conversa em viagem como "a obra impossível" a que prova como o mundo dos humanos bem podia ser perfeito.




vi(r)agem


Num dia como os outros
solta-se entre as palavras
um fumo enrolado pelos açores

e o brinde tinto lava uma terra inteira:
como uma trave na arquitectura da casa da calheta
a gargalhada comum voa nos corredores

até se enterrar no sagrado chão
onde o chão não existe
porque uma mansa vaca pasta a nossa passagem
pelo mundo.

Num dia como os outros
desistimos de olhar para longe
olhando para dentro.

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a árvore em que tropeçamos