o saco de gatos

Sem saber que Neo estava escondido atrás da cortina pesada da sala imensa, mergulhada na penumbra da tarde ao fim de verão, a Mãe fez parar o afogueado Leo. Leo não escondia a agitação. Neo andava a esconder-lhe os números de brincar há muito tempo e agora até mesmo ele tinha decidido desaparecer para não mais ser achado.

A Mãe maquinal sentou Leo no seu colo e tentou sossegá-lo, contando-lhe uma fábula ou história sobre o tempo em que era menina e sonhava que tinha partido em busca da sua irmã Tia. Sem hesitar, contou ela, que caminhou por vários dias (meses ou anos, não sabia dizer) sempre em frente. Passou por perigos extremos nesse caminho estreito que não parava de desenrolar-se à sua frente como o tapete de corredor infinito. Às tantas, em seu sonho, adormeceu extenuada para não ver os olhos dos perigos. Ao acordar no cheiro da manhã, continuou a sua busca e logo reconheceu as árvores e as flores do espírito do lugar onde ela brincava com sua irmã, a Tia. E ali estava ela a brincar com o seu sorriso maroto entre os dedos ágeis. Riram-se a bom rir quando contaram uma à outra os seus sonhos que tinham vindo até ali e ao mesmo tempo, sem se perderem uma à outra.

Sem compreender a história, Leo não sossegava. Já cansada, Mãe levantou-o ao ar e prometeu-lhe outros números iguais de brincar, ainda mais coloridos. Largou-o, enquanto lhe passava as mãos pelo cabelo e desamordaçava a ternura da boca com alguma coisa como "menino mais mimado do mundo!". E afastou-se nos seus passos de silêncio.

Neo, que sempre pensara ser o mais mimado da Mãe e da Tia, saíu em fúria da sua caverna de cortina. Com os olhos lavados pelas lágrimas, rasgava os números de brincar de Leo. Daí a pouco, os dois, Neo e Leo, estavam a gritar um ao outro números de brincar. Atiravam palavras de doer um ao outro. Quando as pessoas voltaram à sala viram, com horror, que Leo e Neo se tinham cegado para não verem os olhos mais mimados do mundo nos olhos do outro. A mãe desmaiou ao entrar com dois conjuntos de números de brincar iguais como iguais eram os olhos dos seus dois gatos siameses.

As pessoas apanharam os números caídos nas suas orelhas voadoras. Os números não são para brincar! - disse a voz do desenho triste. A semana ainda mal começou.

[o aveiro; 29/12/2005]

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