curvado

cada dia, um dia. quando chegamos ao fim do dia, podemos dizer uma de duas coisas: este já cá canta e eu sobrevivo para mais um dia melhor que este e há quem não tenha chegado ao fim deste dia e as esperanças que tinha evaporaram-se ou já canta mais um dia de vida vivida com sentido certo de que amanhã posso apreciar a vida com os sentidos todos despertos. de qualquer modo, ganhamos um dia ao futuro de que fazemos parte. adormecemos cansados por tudo e por nada. escolhemos viver o dia seguinte ou desistir do dia seguinte. escolhemos, de qualquer modo, escolhemos reatar uma caminhada para algum lugar vazio ou cheio. vazio porque não reconhecemos as coisas em seu lugar ou porque o nosso lugar foi roubado e não somos mais que o abismo que aceitamos sem querer. cheio, ainda que esvaziado pela usura dos outros e do tempo, porque nos reconhecemos em tudo quanto somos ainda que perdidos dos outros e pelos outros, porque nos reconhecemos noutro início de luta, porque reconhecemos a nossa respiração, a nossa forma de andar no passo que sucede ao anterior. curvados, ainda que curvados... contra o vento, levados na tempestade enquanto fumamos o nosso último cigarro.

3 comentários:

Anónimo disse...

Para um Homem cuja coluna vertebral não está nada curvada, permita-me felicitá-lo pela sua magnífica intervenção no Prós e Contras, pois falou com sabedoria e emoção. Eu também concordo que estamos a ir para lado algum, com este desnorte legislativo que nada resolve de fundo. Estamos cada vez mais cansados e descontentes, por vezes quase esquecendo os alunos.
Depois desta noite, em que assistimos em directo a uma memorável sublevação colectiva, algo será diferente.

Unknown disse...

Boa noite Arsélio. Escolhi este seu artigo para comentar por ter sido o seu último (até ao momento). O meu objectivo é enviar-lhe uma mensagem de apreço (e não comentar o "curvado" em particular).

Como “coleccionador de estudos da alma" acabei de adicioná-lo à minha colecção, e fi-lo porque é sempre gratificante (re)conhecer alguém que se orienta por convicções sem perder a liberdade de pensamento e que, apesar de algumas vezes curvado, consegue harmonizar essa geometria não rectilínea com as cegas rectas que o rodeiam.

Da leitura, curvada e diagonal, que fiz do seu blog, pressenti algum do seu desalento com o mundo, mas também um apetite intenso de o tornar mais animado, processo com o qual me identifiquei.

Por isso quero dizer-lhe que, para além de não estar só, me fez sentir mais acompanhado, e o mínimo que a minha consciência me permitiu fazer foi escrever-lhe para agradecer.



Paulo Sobral

jorgeferrorosa disse...

Olá Arsélio! Texto interessante, conduz aos formatos da reflexão, um dia, dois dias e venham tantos outros e outros mais; perdemo-nos no tempo entre o vento a sua possibilidade, desbravando situações e interpretado em acordo com os estados de espírito. Curvo-me perante tão belo trabalho.
Parabéns!
Abraço
Fronteiras

pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui