os caminhos estreitos

Nestes últimos tempos, andámos muito ocupados a tratar dos temas que têm de se passear por veredas e caminhos estreitos, como é o caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esta discussão mostrou como em 10 anos mudou o discurso social e cultural relativamente às orientações sexuais e também que não mudaram as cautelas das galinhas gordas que ocupam os poleiros do poder, da oportunidade, o oportunismo de quem não encara direitos se estes estiverem fora da sua agenda cor de rosa.

Os caminhos estreitos que percorri um dia destes levavam-me até uma escola do 1º ciclo. Manhã cedo, os pais e as mães sobem pelo carreiro com as crianças pela mão até ao grande portão fechado. E ali ficam numa esquina inóspita até que alguém abre o portão por onde entram as crianças para a escola. Dei por mim a pensar como vai ser num dia de frio e chuva. Não há forma de escapar à chuva fria para os que sobem a ladeira até àquele portão.

Pela tarde, voltei à escola para uma reunião. Depois de muito tocar campaínhas, lá consegui entrar por uma porta estreita depois de a adivinhar. Lá entrar, entrei. Mas à medida que outras pessoas iam chegando para a reunião descobri que se não tinha sido fácil entrar, o difícil agora era sair já que não podia abrir a porta para os que queriam entrar.

Enquanto esperava, bem tentei encontrar um abrigo ou um simples banco onde um pai ou uma mãe pudesse sossegar na espera das crianças. Nem com a ajuda da imaginação consegui o banco e o abrigo. Não podia imaginar-me sentado naquelas escadas em dia húmido de chuva. E posso garantir que o mais fácil para qualquer responsável é reconhecer que não há o mínimo conforto naquelas salas para o trabalho produtivo de professores e estudo das crianças.

Dei por mim a pensar que muitas escolas são assim e que muitas há com muito menos condições que esta. De certo modo, não há lugar para pais e mães a não ser na compreensão humana dos professores que os recebem e, de certo modo, não há lugar para as crianças que precisam de respeitar regras de trabalho e de trabalhar. Nem há lugar para as crianças que precisam de brincar.

Não há forma de escapar a esta sensação de chuva fria nos ossos despejada dos beirais do desprezo pelas crianças. O desprezo faz da vida um caminho estreito.


[o aveiro.16/10/2008]

2 comentários:

Aurelio Fernandes disse...

São estas situações dramáticas e tantas elas são pelo país fora que me fazem revoltar com as quantias exorbitantes para obras faraónicas em algumas escolas secundárias! Quem foi o idiota que disse ser o bom senso a virtude mais difundida entre os seres "ó manos" ?

aureliof

a Arrábida aqui tão perto disse...

Olá Arsélio,
sou a Ana,casada com o Jorge da ListaX, é muito duro ver a dimensão deste texto.
A falta de respeito pela condição humana está na moda, não se ouve, não se vê. Parodiando, os magalhães chegam mais depressa que os bancos para sentar alguém que precise, as portas estão realmente a ficarem mais estreitas, sente-se, mas poucos vêm, é estranho.
O mar não tem portas,é bom ouvi-lo.

Gostei muito da sua reflexão, beijs
Ana Ramalho