raqueu zangado?


como sou visto pela raquel?

a mão esboçada

a disciplina do regime

No âmbito das comemorações da passagem dos 40 anos sobre Maio de 1968, para uso escolar, realizou-se uma sessão em que se relatavam acontecimentos históricos da década de 60 (do século passado!) e, relativamente a algumas questões, os jovens apresentadores questionavam pessoas presentes que representavam papéis previamente distribuídos. A mim, cabia-me o papel de dirigente associativo ou estudantil e devia responder, nessa qualidade, com uma opinião sobre a repressão policial da época.
Pareceu-me que esperavam de mim que falasse da PIDE, das prisões e torturas de militantes políticos, da tropa de choque e da violência policial contra manifestantes e activistas, contra grevistas, etc...
Eu tinha aceite esse encargo. De facto, parece-me muito educativo, para os jovens que a não conheceram, (d)enunciar os aspectos da violência policial do antigo regime contra todo o tipo de iniciativa popular que escapasse ao seu controle e o pusesse em causa. E isso acabei por fazer, pelo menos em parte, denunciando a proibição e a repressão das movimentações populares, atropelos a liberdades e elementares direitos de associação e manifestação, com descrição breve da situação do movimento estudantil de Lisboa, Coimbra e Porto.
Mas acabei, sem que tal fizesse parte das minhas intenções iniciais, a diminuir a importância da repressão policial do regime fascista, exercida com particular violência contra militantes e activistas que com ela contavam, para dar toda a importância à mobilização forçada de todos os mancebos para a guerra colonial. Reclamei uma importância especial para essa violência que tocava todas as famílias portuguesas mesmo que não tomassem acção, nem manifestassem qualquer desamor ao regime. A guerra mais suja é aquela que se dirige indiscriminadamente contra todos os que, de um lado ou de outro, se tornam parte activa quando percebem, longe de todos os seus, que é matar ou morrer. Sem querer matar e sem querer morrer, sem saber matar e sem saber morrer, de cada uma das famílias portuguesas de cada uma das mais pequenas localidades, vimos partir jovens que regressavam velhos vivos, estropiados mental e fisicamente, ou mortos para sempre jovens. De Angola, da Guiné, de Moçambique. Sem querer matar ou morrer, outros partiam para o estrangeiro sem esperança de regresso.

Dei por bem gasta a minha voz contra a guerra colonial que o regime colonial travou também (e principalmente) contra o povo português.
Abril e Maio cheiram a liberdade. E eu gosto.

[o aveiro; 29/05/2008]

obra de escola


detalhe de obra de estudante da escola josé estêvão, em exposição de maio 2008

obra de escola


detalhe de obra de estudantes da josé estêvão, em exposição de maio de 2008

a primavera das escolas

Esta é a semana em que entramos sorrateiros na nossa escola dos outros.

Trabalhamos por ali todos os dias da nossa vida, mas conhecemos uma pequena parte da escola. Vivemos uma atrapalhação, no dia a dia, cheia de pequenas coisas que não funcionam a pedir-nos irritações e grandes exaltações em vitórias sobre pequenas coisas ou em alegrias partilhadas pelos olhares de quem se junta com vontade de ensinar ou aprender a tentar resolver problemas comuns. Trabalhamos ali todos os dias, mas raramente damos pelo que cada parte faz.

Até que alguém aparece a mostrar aos outros o que fazemos da nossa vida. E é na escola dos outros, que não conhecíamos e estava ali à mão de semear, que encontramos a razão para acertarmos o passo com a nossa vida que vale a pena. Corremos atrás da experiência dos outros, das pinturas dos outros, dos poemas e dos contos dos outros, dos prémios que os estudantes ganharam e merecem, ... da vida escolar a mostrar-se em todo o esplendor. Há quem diga que tudo isso pode ser nada, que é alguma coisa podendo ser outra muito melhor, que isso não compensa os dias de desamor e desencontro que a escola pode ser e é. Mas, para mim, estes dias valem tudo o que podemos valer e nós só mostramos o que de mais luminoso temos para mostrar. Muitas outras coisas que valem a pena não cabem nestes dias de luz, isso sei eu, contra mim falo, que tenho grande experiência no jogo das escondidas escolares.

Uma parte do que vemos em volta do dia da Escola José Estêvão tem a ver com comemorações dos 20 anos passados sobre o Maio de 68. Mas tem a ver com exposições dos alunos de artes e com apresentações públicas dos produtos da Área de Projecto de alunos do ensino básico e do ensino secundário. Há alguma coisa de prodigioso em cada um dos pequenos acontecimentos que aparecem ao virar de cada esquina. Nós que, dia após dia de labor, vasculhamos para determinar avanços ao nível dos conhecimentos adquiridos e demonstrados em provas e afins, espantamo-nos agora perante a escola das competências em acção, essa escola que é um salto, uma soma de pequenas invisibilidades a recortar-se em detalhes destes dias de luz. E transbordam em animação.

Esta animação, que acontece em cada escola, é o ânimo de que cada escola precisa para se continuar, para se confirmar como uma parte criativa e activa da comunidade. Engenho e arte, afinal.

[o aveiro; 22/05/2008]

obra de escola


detalhe de obra de estudantes da escola josé estêvão, maio de 2008

desenho, logo existe

desenho, logo existe

viagens como presentes

Estou cansado demais para algumas viagens que a vida me reserva. Mas tenho de reconhecer que o mundo está mais pequeno e que me sinto muito confortável quando tenho de me deslocar ao Porto e a Lisboa. A experiência tem demonstrado que posso confiar nos horários dos comboios nessas deslocações e a minha velhice dá graças por isso. Na última semana tive de ir a Lisboa a uma conferência sobre o ensino da matemática em Portugal e devo agradecer a quem teve a paciência de me levar até lá e de me devolver a casa no fim da coisa.

Nem tudo foi assim tão fácil e lá tive de me levantar na madrugada de sábado para ir até ao Alentejo para onde me guiei o melhor que soube. Levei-me como professor com cabeça para o Alentejo e voltei agarrado a um pão com cabeça. Trocas vantajosas, penso eu.

Nos outros dias da semana, viajei entre a escola e a livraria da Universidade onde, por uns dias, esteve em visita a Exposição ‘Experimentar a Matemática’. Três peregrinações a pé, pela manhã de Aveiro, pelos passeios bordados de árvores entre a Escola José Estêvão e a Universidade. Ida e volta, em boa companhia. Alguma marcha forçada temperada pelo convívio, alguma desconfiança natural até à alegria das experiências e das descobertas a exigir a imposição do regresso inadiável. Coisas simples que ajudam a Matemática e a Ciência. Uma experiência significativa, realizada com êxito, vale mais que mil orações de sapiência. Não me canso de lembrar que os novos meios criados no nosso tempo e expostos para serem experimentados são do domínio dos prodígios para as pessoas da minha idade e do domínio da necessidade que precisamos de entusiasmar nestes dias. Tenho tanta pena de não saber nem poder realizar todas as viagens que é preciso fazer com os jovens.

Reconhecemos (e agradecemos) aos professores e monitores, que ajudaram os jovens na sua viagem experimental, a virtude magnífica da alegria científica de quem gosta da viagem. E a quem não viveu em visita a experiência matemática recomendamos a visita virtual em http://www.experiencingmaths.org. e a http://www.atractor.pt ou às exposições da Associação Atractor, no Porto, ou no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa. A Matemática também mora em viagens que não cansam.


[o aveiro; 15/05/2008]

a ponte

do que não existe como detonador

Pelos nossos jornais, ficamos a saber que um furacão devastou a Birmânia e sabemos que ninguém sabe a dimensão da tragédia, quantos são os milhares de mortos ou os milhares de desaparecidos. Pensamos mesmo que não houve quem, a mando da ditadura militar, se tenha dado ao trabalho de contar. Qualquer número serve. Se formos a um mapa deste tempo, nem encontramos a Birmânia. As pessoas do meu tempo lembram-se da palavra e é por isso que os jornais portugueses falam da Birmânia e não de Myanmar. Algumas pessoas podem ter ouvido falar de uma frágil mulher birmanesa que lidera a resistência contra o regime militar. Se o país que já nem é o mesmo nome, não tem birmaneses que possam ser vítimas de um furacão. Como chamaremos hoje aos que nomeávamos como birmaneses? Não sei. Onde fica Rangum? O que pode ter sobrado como desolação? Quem, sendo de longe, viu de perto o que aconteceu, disse que nem bombeiros, nem exército, nem quaisquer autoridades apareceram para socorrer quem pediu socorro, como se houvesse a ausência de estado a somar à desolação. Que podemos esperar de uma ditadura militar omnipresente para a opressão?

Um outro furacão está a varrer o planeta, todo o planeta. A subida dos preços no sector da alimentação mundial é o furacão, a maior tempestade. A subida dos preços do petróleo tornou apetecíveis (lucrativos, diga-se) muitos produtos alimentares tornados matérias primas para a produção de combustíveis. E todos demoram eternidade a decidir se os estados devem intervir na regulação forçada do mercado ou se devem deixar o mercado dos especuladores funcionar, que é o mesmo que espalhar a fome a nível mundial, a devastar florestas, a acelerar mudanças na produção agro-alimentar que já não alimenta bocas humanas e se tornou em mais uma prova da voracidade da besta que não hesita em devorar a humanidade. A besta está a devorar florestas e a assistir às marchas de esfomeados e desempregados com a satisfação de quem vê entrar homens nas bolsas de disponíveis para o trabalho escravo, em troca da côdea, sem lhes ver o crispado coração, o punho cerrado.

Cada um dos constituintes da besta garante que não é parte da besta. Ninguém é o que parece. Estamos em Maio, mês do furacão. Aos poderosos, recomendamos uma visita de estudo ao museu de história natural das devastações. Saibam que tão temíveis são os que nem existem como os que resistem.

[o aveiro; 08/05/2008]

eu nunca fui a santiago

eu nunca fui eu mesmo.
eu nunca fui.

eu nunca caí em mim mesmo.
eu nunca caí.

eu nunca fui a minha casa.
eu nunca fui a casa.
eu nunca fui casa.
eu nunca fui.

eu nunca fui a santiago.
pelo meu pé
a minha mãe levou-me a fátima
com ela e com santo andré
contando quilómetros
pelas contas do rosário.

para voltarmos ao mesmo lugar
que já não era o mesmo lugar
eu tinha deitado fora uma a uma
as contas do meu rosário


e não era preciso porque o regresso
foi um sonho solto numa camioneta

estação do tgv - quem foi que disse?

como chuva na face

o homem planta uma árvore
bem presa por raízes à terra

e por cada árvore do homem deus

é uma árvore de água
ansiosa por ser nuvem
e deixar-se cair nos braços
da árvore do homem.

frágeis muito frágeis
são as raízes nos céus

as caras mais a cara do burro feliz