por vezes, revejo-me: para quê?

Em Junho de 2010 escrevi (e foi publicado no APMi#095) um texto de reflexão intitulado Reflexão - Das ideias à acção dos professores.



Se fosse hoje o que escreveria? - pergunto a mim mesmo.



Das ideias à acção dos professores.

A acção profissional dos professores está cercada de palavras.
Por um lado, parece que a acção é substituída por palavras, por fichas, por grelhas, por relatórios... Sem sentido, há documentos pobres que aparecem como substitutos da acção. E muitas vezes é o que sobra para memória futura. Da acção profissional, por mais rica que ela seja, pode sobrar uma mão cheia de folhas incapazes dos detalhes da riqueza da acção e cheias de declarações genéricas que nada dizem ao futuro. Como se os professores aceitassem como senso comum a sua acção mais verdadeira.
Vista por outros, parece que os professores não existem como força independente capaz das grandes realizações que o quotidiano das escolas bem exige e que as realizações fora da escola bem mostram à saciedade. Há mesmo quem diga que, desta escola e destes professores, nada sobra em quantidade e muito menos em qualidade. Mesmo quando são os outros que se apropriam, como ideia e como acção vital, desta ou daquela realização baseada na acção dos professores.
Diz-se que as escolas e os professores de Matemática nada fazem pelo cálculo mental nem pelo raciocínio. E tratam-se os grandes acontecimentos, nos vários campos, dos espectáculos finalistas como sendo independentes da acção dos professores nas escolas e talvez fruto de elocubrações sonhadoras. Convém dizer que não somos todos iguais e uns são melhores que outros, como em qualquer outra profissão. Mas alguém pode imaginar mais de 100 mil jovens mobilizados para o campeonato SuperTmatik, de que se mostram os campeões em competição final, sem o empenhamento de professores e escolas um pouco por todo o país? Não, não pode ser burocracia o trabalho destes professores e a este empenhamento só pode corresponder uma verdadeira preocupação em prolongar para lá das aulas, tantas vezes sem condições, o trabalho com o cálculo mental que, para ser desenvolvido a níveis mais elevados, precisa de mais tempo e espaço mental do que aquele que os professores têm para o ensino dos números, das operações e das suas propriedades. De certo modo, uma realização como a final do SuperTmatik tem mão dos professores preparados para jogar, animar a jogar, animar a compreender regras, animados a serem árbitros insubstituíveis nas relações entre os jovens competidores.
O mesmo se passa com o Campeonato Nacional de Jogos Matemáticos que são disputados numa final nacional, depois de terem sido vividos por largos meses em estudos, treinos e disputas moderadas por professores que se organizam para isso nas suas escolas. Não, não pode tratar-se de uma burocrática decisão para pôr em acção uma ideia de outro. A participação nestes espectáculos só pode basear-se numa compreensão profunda (intelectual também) do interesse dos jogos matemáticos para a matemática que se aprende e que, não cabendo na sala de aula, é feita de pura animação matemática independente. Mais independente aparece à luz de quem pensa nestes fenómenos sabendo da realidade e dos poucos alentos recebidos nas escolas reais que não dão valor curricular a esta animação nem podem considerá-la para qualquer carreira que se prende cada vez mais, aos olhos dos decisores, com a aula formal e os resultados em provas e exames feitos sobre um programa bem determinado.
Acreditar na acção independente dos professores implica acreditar numa decisão de participar pela importância destes jogos para os jovens e para a matemática. Porque não há outras razões, porque não recebem outros benefícios destas suas acções. Em alguns casos, os professores têm de suportar incompreensões quando não censuras.
E podíamos continuar a listar o conjunto das coisas boas - Olimpíadas, Encontros, etc - que todos louvam por acontecerem enquanto desmerecem a formação, a sabedoria profissional e a independência dos professores nas suas interpretações dos currículos que, felizmente para eles, não são mais que planos para acção, abertos e necessitados do mundo que não cabe na sala de aula.
Muitos dos que louvam estas iniciativas como contributos certos para o que é preciso fazer devem saber que há uma mole imensa de professores que as tornam possíveis. Tal não se pode esconder, muito menos em Portugal, onde tudo o que acontece depende de decisões dos professores nas suas escolas. Nestas, como noutras questões, fora das escolas é o deserto de acções, embora haja um oásis frenético de ideias e de queixumes.
Temos muito para andar. Mas andamos. Os que andam têm pouco tempo de quietude e há a dificuldade óbvia de falar e escrever em andamento...

Arsélio Martins

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as caras mais a cara do burro feliz