Calado e triste. Nunca?

Muitas vezes corre um vento que vem de não sei onde
e levanta-me as saias
e levanta-me os olhos
e levanta-me
e me leva o chapéu com ele
porque eu não quero chapéu
e nem tenho chapéu
e não tiro o chapéu a quem quer que seja


Mas também há dias em que corre um vento que eu não sinto
e não me levanta nem me deita
nem me dá vontade de rir
nem de chorar digo eu
para que ninguém saiba que choro como um homem
de saias
foi destes dias os dias de antes de ontem e de ontem
e ainda de hoje
e eu não sabia o que fazer agora e antes e nem depois


Dou por mim sentado
a tentar levantar-me
a tentar levantar os olhos e a cabeça
que não me faltaram ao tempo em que cantávamos
a melodia mais grave que cantámos
cheia de nomes
de camaradas nossos e brasileiros que eles eram
assassinados numa noite de chacais nas ruas

e um refrão que não esqueci e ainda me martela os cornos

Brasil irmão
teu povo vencerá
para vingar a tua dor
teu sangue em flor
renascerá


talvez porque morremos um pouco quando a realidade nos apouca
e nós começamos a pensar que até valeu a pena
mas tudo pode recomeçar
como uma dor danada
como se a nossa alma merecesse ser condenada
mais do que uma vez em vida

e resistisse a verdade de haver futuro
apesar de tudo

mesmo quando a merda se espalha pela terra
tentando convencer-nos que é só depois da morte
que a alma descansa


embora saibamos que alma não se cansa
nem morre
nem existe

para além da brisa da nossa passagem por aqui
onde o mundo não é nosso
e só o susto de ouvirmos as gargalhadas de crianças
a tentar saltar à nossa morte macaca
nos pode devolver o riso

que nos leva para o vento como nos levou
para os furacões que valiam a pena e as penas que fomos perdendo
à medida que tínhamos dúvidas sobre se tivemos algum dia
asas para os tais voos

os gritos
os gritos
o bater das botas nos caminhos
nas calçadas
para que as orelhas voadoras, quando
quase surdos e mudos,
nos levantávamos a cada passo deste ou daquele camarada
que deixáramos de ver,
antes de termos a certeza de nunca mais virmos a vê-los,
para receber a lufada de ar que cada passo e cada canção
ou cada cantiga nos devolvia a arma mais antiga
de todas
para voltarmos à vida
até depois da morte.

abate

fortes que nós somos, vamos fingir que todos os abates são invisíveis

até que chegue a nossa hora de pegas

a 4 de Dezembro de 2013 escrevia:


em 22 de Julho de 2013 escrevi à mão.....

......uma promessa a mim mesmo que esqueci um pouco mais tarde como provei umas páginas adiante do mesmo caderno que vou deitar fora


Vou começar a marcar as datas em que me sento para escrever.
Durante estes últimos anos deixei de marcar datas por pensar que nunca me esqueceria  ou porque haveria algum marco a avivar-me a memória.

Agora perdi toda a esperança nas minhas memórias. Ainda não me deixei esquecer algumas poucas datas. E seria ridículo tentar apontar datas que outros me indicassem porque não seriam as minhas.
Tenho de descansar.


De então para cá esqueci-me das datas e também deste caderno que abri por acaso (ao escolher cadernos para abate) e  onde encontrei muita geometria e outras deambulações de que me não lembrava.

A tapar alguns do meus disparates geométricos  nos estudos então tentados, li o seguinte borrão da mesma  mão que escrevera os disparates:

Nada me parece igual
embora nada tenha mudado de lugar
nem de hora

só um pequeno senão
que não vejo é bastante 
para que tudo pareça diferente.

E não sei o que é 
diferente

ou só parece diferente.

ou
só pareço indiferente.....

................

Vamos à baixa ouvir as gaitas

Não podemos esperar ver as gaitas

Só podemos olhar a escuridão 
reflectida na água

Nem um som se vê

Só podemos saber que andam 
à  solta no vento.


somos, fomos, somos, seremos