Reparo que o José já entrou por aqui a perguntar se já chegou. Há perguntas mais inteligentes, mas uma pergunta qualquer é melhor que nada. Já podemos ser quatro, a saber: José Carlos Pinto Soares - professor de filosofia, poeta e tudo; Manuel Arcêncio da Silva - professor de latim, murtoseiro e tudo; Delfim Rodrigues - professor de artes, artista plástico e tudo. Desejo do fundo do coração que eles escrevam no lado esquerdo (sobre o qual me deito quando quero esmagar o coração (Carlos de Oliveira?)) se o quiserem fazer. Ou que desenhem, ou que pintem a manta. Eu fico aqui sentado a olhar para o meu computador moribundo e choro.

Hoje não é o dia 11 de Setembro.


A verdadeira mentira
Arsélio Martins

Para os políticos que nos governam quais são os modelos de virtudes, de sociedades, de política, de democracia, de governos? Pelo que eles nos dizem, os modelos que gostam de imitar e seguir são, em primeiro lugar, os dos Estados Unidos da América e do Reino Unido. Não são?

Acontece que, nos últimos tempos, os dirigentes desses governos têm vindo a prestar contas, sendo submetidos a inquéritos sobre as mentiras que serviram de justificação para a invasão e ocupação do Iraque. No Reino Unido, já houve vítimas políticas e até, lamentavelmente, uma vítima mortal. A mentira mata.

O nosso Primeiro Ministro afiançou publicamente ao nosso parlamento e ao nosso povo que tinha visto as provas da existência de armas de destruição maciça no Iraque prontas a ser utilizadas contra a humanidade. Só as pode ter visto pelas mãos de quem não tem sabido mostrá-las aos seus povos e parlamentos. Não mentiu? Pode ser que tenha só sido enganado. Mas não se sente obrigado a comparecer perante o seu parlamento e o seu povo pedindo desculpa?

Em democracia, podemos estar em desacordo total uns com os outros, e tomar decisões contrárias perante os mesmos verdadeiros factos. Mas não podemos criar factos falsos para justificar participações em guerras de invasão e ocupação à margem do direito internacional e contra a Organização das Nações Unidas. Um grave sintoma de doença de uma democracia é o desprezo pela honra e pela verdade. Desde há mais de um mês que desejo ardentemente ver um sinal sério de combate à doença por parte dos órgãos de soberania. E nada! Como eu gostava que, nestas questões, os nossos políticos fossem tão rápidos a seguir os seus modelos como na corrida em apoio das guerras que os seus modelos inventam.

George Bush imaginou e fez guerras contra povos e nações com alguns objectivos tão miseráveis como assassinar ditadores e terroristas e o controle da produção do petróleo. Osama e Sadam são tenebrosas criaturas e, à semelhança de outros, devem ser procurados pela comunidade internacional para serem julgados por crimes contra a humanidade. Inventor de guerras infinitas, Bush tem agora de pedir mais dinheiro, arranjar tropas e quer partilhar os riscos em vidas humanas e os custos da ocupação e reconstrução do Iraque. Procura mesmo convencer as Nações Unidas a participar até militarmente na sua ocupação. Ainda não o conseguiu. Mas já o nosso Ministro da Administração Interna declara que as tropas da nossa Guarda Nacional Republicana podem ir para o Iraque já que vão cumprir objectivos das Nações Unidas. As Nações Unidas não sabem ainda.

Quem me dera viver em paz num país de governantes honrados. Pior do que a vergonha dessa dúvida, é saber que portugueses podem partir para o Iraque e, às ordens de quem?, reprimir manifestações populares contra a ocupação. Em meu nome, não! Não é um chavão vazio: Um povo não é livre quando reprime outros povos. Pensava que nunca mais teria de o repetir.

Com quantas verdadeiras mentiras podemos viver?

[o aveiro, 11/09/2003]

Desenho 6




ola...cheguei??
Por falar em máscaras, aqui deixo uma máscara ou uma má cara.

Desenho 5




Em Aveiro, algumas obras que foram demorando muito mais do que a decência podia suportar estão agora a chegar ao seu termo. Gosto de ver. Para já, apresentou-se a Praça Marquês de Pombal e vai apresentar-se o Teatro Aveirense em breve.

Deixo-vos hoje a capitania inclinada e segura pelos cabelos da nossa veneza antiga. Quando voltar a apresentar-se de pé e ao novo estilo (fachada como máscara veneziana), darei conta da novidade (fotograficamente, claro).

A capitania




Desenho 4 - de uma reunião chique na primavera da esquerda





A madrugada de amanhã leva-me de comboio para Lisboa, onde se realiza uma reunião da esquerda chique (a confiar no que dizem). Nessas reuniões, para não me distrair, ouço e escrevo e desenho. E cheguei a pintar com restos de café. Até que um dia, ao procurar o Miquel do ponto de Miquel (geometria euclideana e não EPC-libidinosa), encontrei o Zoo Imaginário - http://www.miquelaparici.com - de um catalão(?) que faz umas belas "aquaferelas" e ainda mais belas esculturas. Aqui estou eu a presumir que alguém, nem que seja por engano, vai passar pelo lado esquerdo e vai querer visitar o ZI do Miquel Aparici. Eu gosto. Provavelmente não mais aquaférelarei, por vergonha.

Vá lá ver os animais do Zoo Imaginário de Miquel Aparici, se puder.



Desenho 3






Memórias do elefante


Amei-te desmedidamente. O filho que gerámos tem os olhos vesgos, orelhas de elefante e uma tromba potente, sensível e fina de urso formigueiro. Mas é o nosso filho.
E passámos a vida a olhar embebecidos para o nosso filho, fruto do nosso amor. Quando escurecia, o nosso filho abria os olhos e iluminava dois cantos do quarto em que nos escondíamos do mundo. Ceávamos à meia luz que os seus olhos acendiamm cheios de ternura. Quando nos deitávamos, ele fechava os olhos, embalava-nos empurrando o berço com a sua potente tromba e, nas noites de calor, refrescava-nos com o movimento calmo das orelhas. Quando adormecíamos, ele comia os insectos que ousavam incomodar-nos.

Somos felizes. Mais felizes somos porque te amei desmedidamente várias vezes e temos agora um rancho de filhos que olhamos embebecidos, porque têm os olhos vesgos e muito brilhantes, orelhas de elfantes e trombas potentes, sensíveis e finas de ursos formigueiros.
Quando nos mudámos para esta rua, ela era habitada. Pouco depois de nós chegarmos, os vizinhos começaram a ir-se embora. A última a partir foi uma velhota muito pobre de quem nos despedimos com simpatia. Não percebemos porque é que ela nos perguntou se não tínhamos espelhos.

[pretextos, na antiga Rádio Independente de Aveiro]

Desenho 2 - do delírio







A criação da actualidade
Arsélio Martins

Cada um de nós tem uma vida para esquecer e outra para lembrar. Todos os dias tentamos esquecer o que não nos agrada ou não conseguimos resolver. Só nos interessam problemas que tenham solução à vista e façam da nossa vida uma sucessão de vitórias quotidianas ainda que pequenas. Precisamos disso como pão para a boca. Quando acordamos para fracassos diários, procuramos afogar as nossas mágoas num lago de mágoas, primeiro com a esperança que olhem por nós, depois com a tentação de mergulharmos a vida à volta no absimo dos farrapos que somos. O que é humano não me é estranho, mas nada me custa mais do que não saber o que fazer quando os irmãos se embriagam com o fel da vida corrente. Sem poder esquecer, mas incapaz de devolver uma esperança de vida simples, afogo os necessários gestos e as palavras que não sei. Sinto-me doente.

Mais doente me sinto, porque o país inteiro vive a actualidade de conveniência para iludir as complicações (e também a beleza) da vida real. Os jornais e as estações de televisão fazem de pequenos acontecimentos ou de farrapos de vidinhas o sumo de cada dia. Repetem este ou aquele aspecto de coisa nenhuma, mexem e remexem nesta ou naqulea ferida e evitam lancetar outras que bem precisavam de ser drenadas. Ora se colam aos sofrimentos individuais para não falarem das responsabilidades políticas, ora seguem os passos de um juíz ou o contorcionsimo de modelos que se amam a si mesmos e são cabeças de cartaz por terem cabeça com área mas sem volume. Escondem o drama nacional dos incêndios florestais a tratar pelo governo da nação sob uma soma de dramas individuais a pedirem o tratamento da caridade. Criam o tribunal popular de uns costumes para esconder outros crimes e outros costumes. Por vezes, tenho a sensação que a actualidade é uma ficção que se vai criando nos pormenores mais ou menos sórdidos de umas vidinhas para esconder a realidade que, mesmo quando dói, é mesmo a nossa, aquela que vale a pena conhecer e enfrentar, para nos reconhecermos irmãos do bem e do mal. Fugimos de quê? Fugimos de quem? Quem a vida esquece, na morte apodrece.

A respeito do processo de pedofilia (que voltou embrulhado em justa desconfiança!) li os textos mais tristes da minha vida. Um dos textos que li trata todos os intervenientes pelos nomes próprios — polícias, juízes, procuradores, políticos, … — e de tal forma o faz que me senti como que apanhado na teia de uma aranha divina. Há uma teoria da conspiração que liga acontecimentos e os atribui a uma fonte de poder absoluto A prática da conspiração de hoje reside no poder de decidir o que é a actualidade. O que de facto foi o dia de hoje nunca saberei. O que eu imagino que a realidade seja, já há muito deixou de existir e … fico doente por insistir na vida tal como ela é.
Com a dor a dançar em pontas na minha alma, ligo-me à televisão. E adormeço

[o aveiro, 4/09/2003]

Desenho 1

Vou também tentar recuperar alguns desenhos de reuniões antigas que foram enviados a amigos e inimigos e dos quais não guardei mais do que imagens e sombras. Por exemplo:




Pedras

Tento mostrar pedras de aveiro. A qualidade é pobre para que o tempo não se vire contra elas. Gosto de olhar a fachada do museu pela noite dentro. Do mesmo modo, algumas árvores ganham vida diferente à luz da noite. Foi o que aconteceu à árvore do museu que ficará sempre aqui ao nosso lado.




as caras mais a cara do burro feliz