Recomendações de hoje

O "Público" de hoje traz vários artigos que recomendo vivamente:

- um sobre as fugas ao fisco, seu descontrole e incapacidade dos tribunais - O Sr Vitor Santos -, editorial de Eduardo Dâmaso;

- de Teresa Sousa, O País das senhas ;

- de José Vitor Malheiros, Contra o aborto ;

- de Eduardo Prado Coelho, Para que servem as universidades? ;

- e, finalmente, de Vital Moreira, A Democracia Incompleta .

duplicidade


mar e céu nossos


ensimesmar

O Alexandre Monteiro , do - no arame - visitou o "lado esquerdo" e fez um comentário sobre este céu e este mar, pedindo que não esquecesse o sal :-). O sal desta imagem de, por enquanto, nossos mar e céu da barra, não é o que anda por aí perdido como achado sobre a incúria pela futura arqueologia. De facto o sal da coisa esteve na notícia do chumbo da marina da barra. Devia ter explicado. Se houver marina, tudo vai ser diferente - o sal, o céu, o mar e principalmente a forma de lá chegar. Quem sabe?
Pelo meu lado sempre fiquei a conhecer o "no arame", por onde me passeei devagar, com prazer.

O Natal do pequenino

No passado dia 15 de Dezembro, a Universidade de Aveiro comemorou os seus trinta anos. De entre os diversos actos académicos e culturais, destacaram-se os doutoramentos “Honoris Causa” de António Damásio e Daciano Costa.
A consagração académica de António Damásio cabe dentro da concepção universitária dominante, já que consagra o trabalho de investigação científica nos domínios das ciências exactas e experimentais, reforçado pela divulgação e discussão dos resultados reconhecidos e suas aplicações. O reconhecimento internacional de António Damásio acrescenta, pensava eu, trivialidade à sua consagração académica.
O caso de Daciano Costa, chamado pai do “design” português, é uma consagração de outro tipo, porque a actividade do consagrado não se enquadra em nenhum dos domínios reconhecidos como clássicos pelas universidades – não vem das classificadas intervenções científicas, literárias ou sequer das belas artes. Dito isto, o doutoramento “Honoris Causa” de Daciano Costa tem um significado que ultrapassa a personagem em si, para ser o reconhecimento e a consagração dentro da Universidade de uma nova área de acção e de saber. Há cursos na Universidade de Aveiro que relevam dessas novas áreas, autonomizadas em espaços próprios de intervenção social até se afirmarem em necessidades de formação inicial superior. Esta consagração de Daciano Costa é menos trivial, academicamente falando e, por isso, é mais notícia.
Não estava à espera que as redacções das televisões resistissem à tentação de centrar o seu pacote informativo em António Damásio, já que este vem rodeado de fama (evidente e merecida) aumentada pelo facto de ser um cientista português reconhecido e a trabalhar na “América do Norte”.
Mas a televisão pública passou dois blocos com António Damásio, acrescentados de uma intervenção de Marques Mendes, mais ou menos bacoca (e reverente, no seu pior) aos portugueses no estrangeiro. A notícia fez escassa referencia à Universidade de Aveiro. E escondeu Daciano Costa e o “design” académico.

[Ficámos a saber também que Marques Mendes veio a Aveiro fazer o seu papel de politico pequenino, estrela polar que anuncia o pólo norte da Universidade de Aveiro, antes de o detalhar aos órgãos autónomos da universidade autónoma. ]

A este respeito, a RTP fez um mau trabalho, para não dizer que fez um frete ao poder politico. Pela mão da RTP, as significativas celebrações académicas do aniversário da Universidade de Aveiro reduziram-se à festa de Natal do pequenino.


[o aveiro; 24/12/2003]

aviso à navegação


Pode encontrar estes sinais no Museu Marítimo de Ílhavo.
Mas o que queremos é aconselhar vivamente uma visita ao Museu de Ílhavo.

A aranha idosa

Ele sobe ao poder. Apoiado em aliados poderosos que dele precisam para fazer guerra a outros poderes na altura adversários dos seus aliados. Depois, o poder sobe-lhe à cabeça e vai-se cercando de tudo o que o poder pode dar: dólares, tesouros, palácios, etc. Embebeda-se de poder até jogar o jogo da vida, fome e morte do seu povo. O seu povo tem nada e ele nada em dólares e fausto. Está cego e não pode nem quer parar a escalada do terror. Para ser o mais poderoso entre os poderosos, decide ser profeta e até fazer guerra a alguns dos seus vizinhos. Sem reservas dos seus aliados, vai recebendo o apoio dos negociantes, em particular, de armamento.

Até que um dia entra em rota de colisão com os interesses dos seus antigos aliados – em ouro negro e dólares. É então que os ex-aliados declaram aberta a caça ao tesouro e do dono do tesouro. E despejam arsenais de loucura na caçada, transformando um país numa coutada. Açulam cães e furões com promessas de prémios de muitos milhares de dólares pela cabeça de raposas famosas como cartas de um baralho do jogo da guerra. E açulam países com promessas de contratos milionários na reconstrução do pais que ajudaram a destruir ao apoiar e, mais ainda, ao apear o ditador.

Um dia da semana passada, depois de meses de surtidas infrutíferas no que respeita a armas de destruição maciça, com caça de troféus menores e muitas baixas em acidentes de caça, lá apanharam o ás de espadas. Bem precisavam! Ainda sem conseguir apanhar o cobiçado troféu taliban, podem mostrar ao mundo o velho ditador enfiado num buraco coberto de lixo, na companhia de duas metralhadoras e centenas de milhares de dólares.

Virtuosos caçadores, poderosos do mundo, fazem biquinhos de doçura sobre o acontecimento. Até a voz lhes treme nas declarações sobre a importância da captura do símbolo do terror e da opressão. Nesse caminho que fez de caçador a caçado pelo poder, Saddam perdeu todo o brilho e aparece como um indigente cheio de dólares que já não servem para comprar o que quer e quem quer que seja.

Os políticos que têm a ilusão do poder eterno bem podem ver Saddam como a imagem que o espelho do poder lhes devolve quando se demoram a espreitar por ele. Tudo começa e acaba em dólares que deixam de ser baba para linhas de seda dos palácios da aranha ascendente e parecem ser o que são – podridão no túmulo da aranha idosa.


[o aveiro; 18/12/2003]

As mulheres, os fantasmas

A respeiito do julgamento das mulheres de Aveiro acusadas de terem interrompido voluntariamente a gravidez, recomendo a leitura do artigo de Leonete Botelho, Os fantasmas fora do armário , do Público de 11/12/2003.
Acaba assim:


O debate está lançado. No banco dos réus, em Aveiro, há 17 pessoas cabisbaixas, em silêncio. Mas à sua volta tocam sirenes e dançam fantasmas. No país agitado pela pedofilia, toca-se a rebate pelo direito das crianças, mesmo que não passem de um punhado de células. Voltará a discutir-se o que fazer com os embriões congelados nos laboratórios. Voltará a discutir-se quando começa a vida.

Para se declarar a morte, o conceito medicamente assumido é o da morte cerebral, e não a paragem cardíaco-respiratória. Por uma questão de coerência, porque não usar o mesmo critério para estabelecer o início da vida?

Monstros


Desenhamos os monstros que andam à solta para os vermos

Os dias das leis infelizes.

No próximo dia 16 de Dezembro, em Aveiro, realiza-se mais uma sessão de um julgamento que junta sete mulheres no banco das rés, acusadas de terem interrompido voluntariamente a gravidez. Para além das mulheres são réus um médico e pessoal do consultório e, pela primeira vez, ao lado das sete mulheres estão sete homens (maridos e namorados) acusados como cúmplices.
É bem possível que a próxima sessão salte da sala de julgamento até à contestação pública da lei infeliz que tais julgamentos permite e pede. O tribunal do direito torna-se casa da injustiça, embrulhado na teia de uma lei estúpida que ganhou vida como doença de uma moral social destemperada.
Já ninguém acredita que uma mulher que se obrigue (ou seja obrigada) a interromper a sua gravidez seja outra coisa que não uma vítima a merecer ( e precisar de) solidariedade, apoio e compreensão, discrição. A lei infeliz, que a diz criminosa, faz dela vítima de uma nova (ainda que legal) atrocidade.
A sociedade portuguesa pode estar dividida a respeito da lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. Mas recusamo-nos a acreditar que haja alguém capaz de condenar como criminosa uma mulher que tenha abortado. Podemos lamentar o aborto (e respeitamos mesmo quem chore a morte de um embrião) mas não nos passa pela cabeça acrescentar sofrimento ao sofrimento de quem sofreu uma amputação (física e, quantas vezes!, espiritual).
Sobre a solidariedade devida a estas mulheres e sobre a contestação que a lei merece, não temos quaisquer dúvidas. E é, por isso que, como cidadãos, escrevemos a exigir a alteração da lei infeliz que acrescenta infelicidade a todos as pessoas de bem (a favor ou contra o aborto).

Manifestamo-nos contra todos os políticos que prometeram (para não cumprir) medidas de planeamento familiar e prevenção no quadro do serviço nacional de saúde com novos apoios às mulheres (mais ou menos jovens). Manifestamo-nos contra a hipocrisia de manter a ignomínia em forma de lei que esta criminalização das mulheres representa. Sabemos que as mulheres que vão a julgamento não são criminosas. Já o mesmo não podemos dizer de quem tanto mentiu, deixando aberta uma janela de lei para violar a vida privada das mulheres em dificuldades.

Há dias para sermos infelizes por via da lei.

[o aveiro; 11/12/2003]

O Aveirense exigente.

Hoje decidi ficar por casa. Lembro-me muito bem do que era a cidade de Aveiro nos anos 50 ou no início da década de 80. Lembro-me do pequeno comércio (tão poucas livrarias e casas de discos), dos teatros e cinemas (Aveirense e Avenida até ao 2000 e Oita).

Para quem tem memória da cidade que fomos e agora somos, a mudança traz em si uma espécie de mistério. De onde vêm as pessoas? As grandes superfícies operaram alterações profundas. Reconhecemos que a elas se deve a criação de novos públicos para o consumo de bens de cultura também. Há um grande número de salas ou salinhas de cinema, há mais livrarias e casas de discos. Apesar da venda feita nas grandes superfícies. E apesar dos novos meios de difusão: a televisão, o vídeo, o dvd… há público para muitas salas.

Estou a falar disto agora, por estarmos no fim do ano que nos mostrou o fim de algumas obras lentas e lamacentas, o fim dos tapumes que nos escondiam uns dos outros e nos escondiam do que sempre tínhamos visto. Parecia que Santa Engrácia tinha vindo para Aveiro e começávamos a desesperar. Quando a poeira foi varrida e pudemos pass(e)ar pela Praça Marquês de Pombal ou ver a Capitania nem nos lembrámos de tecer criticas ao que nos foi dado ver.

Não imaginam o conforto que foi voltar ao Teatro Aveirense para assistir a concertos. Até me esqueci de me irritar com os defeitos do que estava a ver. E se os há! Mas hoje só quero falar do conforto dos passeios livres e limpos, do teatro que se acrescenta à cidade e nos acrescenta em graça e sabedoria. Reparei que não lhe falta público nas iniciativas inaugurais.

À tempestade das obras longas e imperfeitas sucedeu-se a bonança das programações perfeitas, das obras corrigidas nas suas inacessibilidades? Não! Os responsáveis puderam ver que havia um público com sede de novas actividades culturais. Isso não lhes dá sossego algum! Porque se não responderem com novas qualidades, se não perceberem que as novidades colocam tudo num novo patamar de exigência, serão abandonados à sua sorte de trapos do passado. Não se podem queixar! O Aveirense (con)venceu em dias de bons filmes nas grandes superfícies e até em dia de inauguração do estádio de futebol. Ora isto só pode ter acontecido porque há por aí públicos que sonham as cidades por dentro delas.



[o aveiro; 4/12/2003]

vem dezembro e o ano vai

Há anos horríveis. Os noticiários de 2003 abriram com futebol, guerras, abusos sexuais, corrupção, … e outras maldições. E a cidade de Aveiro andou em obras que chegaram ao seu termo, depois de terem ocupado todo o espaço desde anos antes. Mergulharam-nos em poeira e lama, atravancaram-nos os olhos o com tapumes … de tal modo que, quando destapam, somos incapazes de ver defeitos… mesmo quando as praças que sobram abertas estão tão despidas e lisas em seus chãos de pedra que nos cegam nos dias de sol e nos devolvem a um abandono absoluto nos dias de temporal.
Inventaram as pedras lisas e pequenos obstáculos e armadilhas para quem distraia os sentidos … ou não os possa usar na sua plenitude. Em todas as obras da cidade destapada, vejo marcas desse desprezo. Também vejo os repuxos que foram ocupando as praças de pedra pelas cidades. A mesma instalação é a marca de água das praças das cidades portuguesas - não foi só o deserto de pedra polida a tomar conta da cópia absurda.


Praça Marquês de Pombal



as caras mais a cara do burro feliz