nota póstuma

Não o lia há uns tempos. Mas ele escreve recados pela madrugada. De ontem para hoje mudou a hora, mas mesmo assim podemos cheirar a madrugada numa conversa lenta com os amigos. Ouvimo-nos uns aos outros, como se a manhã pingasse.

Rui Bebiano escreveu em sous les pavés, la plage

{duas da manhã e uma r.e.m.-cantiga}


You're on your ear, the ocean's near
The light has started to fade
Your high is timed, you found the climb
It's hard to focus on more than what's in front of you
Electron Blue
Adventure rings with a page and
When it dawns on you,
It sings blue
Your buzz beginning to wane.



Não tem coisa alguma a ver com as canções do r.e.m. que o rui nos lembra; só tem a ver com a minha madrugada e não é mais do que uma prova de vida a nota póstuma que escrevi como comentário.


muda a hora. às duas de qual manhã?

às duas por três, numa catedral aberta,
visito mortalhas em fila de espera
e só ouço o silêncio frio
de um amigo que ressona

sem saber que morreu uma hora mais cedo.




Já agora também gostei muito de ler por lá, citado de cor, Robin Williams: O bom rebelde . No filme - O bom rebelde -, há uma cena magnífica sobre os matemáticos... e eu também costumo citar de cor, mas aqui tenho vergonha. Penso que se trata de perguntar num bar se alguém conhece Theodore Kaczynski. Ninguém conhece o matemático. Depois pergunta-se se alguém conhece o Unabomber. E ....

amalgamar.

Gosto mesmo da entrada caligráfica de amalgamar. E gosto da filosofia de família dos blogs em volta. Obrigado ao Moacyr, que me dá a honra de uma ou outra visita, e que escreve no babel. Este é o primeiro laço deste lado esquerdo com o Brasil, pela mão de Moacyr - o não escritor.

Os meus outros laços com o Brasil estão todos feitos e dados nos arames em que trefilámos o aço da família inemigrada.

Javardos.

João Cândido Silva escreve na sua crónica do Espaço Público um texto que aqui se transcreve e que devia ser motivo de reflexão para todos os responsáveis das universidades públicas e privadas portuguesas.

Javardos
"Diogo está esquecido no WC, junto aos lavatórios. As palavras saíam-lhe dos lábios, sem cor, em sussurros. Quando os olhos dele se enevoaram, como os de um afogado, alguém decidiu chamar a ambulância. No trajecto para o hospital, "Arrepio" ouve as versões dos outros sobre o que se teria passado: "Disseram-me que ele tinha sido praxado, que fizera umas 70 flexões. Pensei: 'Ele se calhar fez alguma e foi castigado.' Mas não liguei as coisas. Os mais velhos falavam de indigestão." Certo e seguro, porque há registos indesmentíveis, é a hora a que Diogo deu entrada no Hospital de Famalicão, a uns metros da universidade, em coma profundo. Eram exactamente 22h51."

Este é um dos detalhes da história trágica e repugnante de um homicídio impune levado a cabo na Universidade Lusíada de Famalicão e relatado pela revista "Grande Reportagem" numa das suas edições mais recentes. A história merece ser lida, sobretudo pelo retrato que dá de um mundo sinistro e mafioso que se esconde por detrás das tradições académicas e da instituição das tunas. Em poucas palavras, os factos indiciam que um jovem aluno de Arquitectura foi espancado até à morte, por razões tão ferozmente frívolas como a circunstância de aparentemente pretender abandonar a sua ligação à tuna daquele estabelecimento de ensino, vontade mal aceite, como se verificou, pelos sicários que integravam a hierarquia da organização.

A violência gratuita provocou uma morte absurda para a qual as autoridades policiais não conseguiram encontrar responsáveis que fossem levados perante os tribunais. E o principal obstáculo para o apuramento da verdade foi precisamente o facto de ninguém, entre os que presenciaram a arrepiante cena, se ter disposto a revelar aquilo que sabe, numa teia de cumplicidades destinada a encobrir um crime grave. Uma universidade é suposta ser um local em que os alunos completam a sua formação literária e humana e de onde sairão preparados para assumir plenamente os deveres, obrigações e direitos decorrentes da sua integração numa sociedade necessitada de quem ajude a zelar pelos valores essenciais que a enquadram. Mas há algo que parece falhar redondamente neste campo.

As tunas, com os seus rituais de praxe, são escolas adequadas para o desenvolvimento de um autoritarismo cobarde, onde vence a mentalidade sórdida dos medíocres, perante a passividade generalizada de quem tem sobre os ombros a tarefa de assegurar a boa qualidade do ambiente em que os estudantes vivem o seu quotidiano. O caso de Diogo será o mais trágico mas não é o único que testemunha os mais diversos géneros de humilhações impostos aos seus pares por tribos que, embora floresçam um pouco por tudo o que são instituições do ensino superior, parecem viver ainda orgulhosamente nos tempos dos homens das cavernas. Pergunta-se: será que ninguém, das reitorias ao Governo, será capaz de colocar um ponto final na livre actuação desta gente que pouco mais merece do que o epíteto de javardos.


Na minha mais que humilde opinião, e, com a sensação de impotência que me assalta no que a isto diz respeito (uma luta aparentemente ganha antes do 25 de Abril e depois perdida em pequenas derrotas todos os anos), proponho que se sentem nos bancos dos réus todos os reitores, professores e outros responsáveis (incluindo os administradores das cervejeiras) cúmplices do crime nas universidades e sejam acusados dos homicídios cometidos pelos javardos que muitas vezes chegam a patrocinar.

E faça-se justiça:
Sejam presos, de preferência em celas onde possam conviver intimamente com alguns desses javardos.

o engano do jorge

não votei em durão barroso, nem no psd e muito menos no cds,
mas reconhecia o db como primeiro ministro do meu país.
não sendo eleito sequer para governar portugal, santana lopes pode assinar uma constituição europeia?

pode. por s.jorge!

em nome do pai

a história:
em nome de portugal e da europa, santana lopes assinou a constituição europeia.

liberdade

sinto que nunca estive nesse lugar onde me dizem que estou.

Quad quartet

Saímos pela noite para o outro lado dos espelhos do navio dos espelhos e, enquanto ainda estamos desse lado, podemos dizer que nos sentimos felizes (bem e mal) quando vemos e ouvimos os quatro saxofones que nos habituámos a querer ouvir em conversas familiares ora calmas como para embalar, ora ideias repetidas por todas as vozes até ser inquietação, ora verdes anos ou tempos de verão ou tango gingão e safado com navalhas faíscando.

Assim, a sempre diferente eterna formação que ouvimos hoje - Soprano João Figueiredo, Alto Fernando Ramos, Tenor Henrique Portovedo e Barítono Romeu Costa - sob o nome Quad Quartet
atacou-nos com os clássicos Bozza e Desenclos (se é que há clássicos para saxofones) e com Carlos Paredes e Astor Piazzola.

Gosto do clássico dos clássicos Piazzola. O que haverá de mais clássico que uns tangos ao meu gosto?

Podem dizer-lhes que venham tocar tangos para a .... minha rua.

sobre o lado esquerdo

Encontrei a citação exacta:

(...) o homem que não dorme pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração».



Foi isto que escreveu o Carlos de Oliveira em sobre o lado esquerdo sob o título sobre o lado esquerdo. Tanto tempo a ler e a reler e sempre com a ideia de não ter encontrado. Deixei passar a noite e passeei de novo os olhos vigilantes pelo trabalho poético, já sem esperança. E li o que sempre li, mas... encontrando. Aqui deixo a exacta (ex)citação.

Lightenings

Já várias vezes disse que 'o lado esquerdo' é nome sugerido por um texto do Carlos de Oliveira, eu creio, em que ele escreve o desejo de "deitar-se sobre o lado esquerdo na esperança (vã?) de poder esmagar o coração". Ontem e hoje, folheei os trabalhos poéticos de Carlos de Oliveira e não encontro a minha citação exacta. Também procurei uns outros textos de Jorge de Sena em busca disso (memórias vagas...).

Não encontrei o que procurava, mas encontrei muitas outras coisas, a começar pelo Carlos de Oliveira.

Mas aqui deixo um reencontro com Seamus Heaney (na reescrita de Vasco Graça Moura) no que eu dele mais gosto (hoje):

VIII.
Dizem os anais: quando os monges de Clonmacnoise
estavam todos em prece no oratório
surgiu um barco no ar por cima deles.

A âncora desceu tão fundo que ficou presa
ao parapeito do altar e então, quando
o baloiçar do grande casco se imobilizou,

um dos tripulantes desceu agarrado à corda
e tentou libertá-la. Mas em vão. "Este homem não pode
aguentar a nossa vida aqui e vai afogar-se".

disse o abade, "a não ser que o ajudemos". Assim
fizeram, o barco solto partiu, e o homem lá trepou
para fora do maravilhoso mundo como o tinha conhecido.

o frio céu

antes neve e gelo em teu banho de espuma
que o frio no céu


da minha boca ...

asa delta

a fita que se soltou do teu chapéu
chamou-me pelo nome pronta para voar

e eu hesitei no teu decote o meu olhar
antes de ir com ela para o mais alto céu.


de tão longe ver-te como um ponto final,
quando tanto te desejei em cada pormenor,
não vejo pior
mal.

pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui