assalto ao prazer do riso

os ministros do meu país

já não soletram disparates
preferem disparar dislates

pelos dois canos serrados do nariz.


O sistema

Ansiamos a despedida definitiva deste governo de Santana Lopes. Ansiamos mesmo. Há algo de pestilento num governo como este. O mau cheiro não vem do desacordo que sempre tivemos e teremos das políticas de partidos com o Social Democrata ou o Popular. E nem terá a ver essencialmente com esta ou aquela medida de grande política, já que não houve tempo senão para a baixa política.
O que provoca a pestilência é um mundo de pequenas coisas, qual delas a mais ridícula ou a mais triste e perigosa. Um ministro que diz que não disse o que disse, outro que gasta à tripa forra ao mesmo tempo que debita postas de pescada para emagrecer o estado e matar o estado providência, outro que mostra cicatrizes de facadas enquanto esfaqueia um amigo qualquer, o que freta aviões para aviar um passeio oficioso, o que nos faz pagar um kit para a sua emergência médica, etc. Festival pimba!
Com a dissolução da Assembleia da República, Jorge Sampaio devolveu-nos a ilusão de podermos escolher outros deputados e, por essa via, escolhermos outro governo. Mas mal nos deixa viver a ilusão, porque sempre vai dizendo, entredentes, que é a política do centro que salva o país e que é preciso até arranjar leis eleitorais que facilitem maiorias, sendo que na sua cabeça só pode o governar o país um dos partidos siameses - socialista ou social democrata - que coincidem em muitos detalhes e genericamente em tudo o que de importante se pode dizer para Portugal e para a Europa.
Já os ouvimos dizer como usurpam o estado para os interesses dos grupos e das pessoas que vivem como suas borboletas. E que as pessoas sérias desses partidos aceitam a corrupção como doença da democracia e uma factura a pagar para que o país progrida em liberdade.
Para fora, defendem que não pode haver estado providência para os pobres e desvalidos. Sem quererem admitir que há um estado providência para demolir - o deles mesmos e das gamelas legais onde a legião do centro come o dinheiro que tem de ser tirado da boca dos pobres.
Não admira que Pulido Valente, cronista ex-deputado do PSD, diga que o problema não está na falta de maiorias para governar. O problema está nos partidos que obtêm as maiorias, no que eles são em sua essência. Não tendo feito favor ao PSD, Santana Lopes fez um favor ao centrão. Pode mesmo haver quem vote no PS para derrotar o PSD. Para quê?


[o aveiro; 13/01/2005]

quando passamos por lá


Quando não passamos perto ficamos sem saber como é passarmos lá
Mas falamos dessa passagem apertada e escura com displicência

Para sermos admirados pelos pobres de pedir não há melhor ciência
Do que ser a forma do bolo com as velas apagadas pela experiência
Essa que nunca vivemos por já a termos lido sem sair de cá

Passamos pela morte perdendo tudo: rimas ritmos cadência.

a lã do tempo

O que eu queria era o casaco de lã
Que deitei fora entre a viela e o largo da infância
Num dia em que o sol o rompeu e à manhã
E eu suei as estopinhas atrás da bola das minhas meias

A falta que ele me faz
Nestes dias em que os glaciares deslizam
Sobre a minha cabeça e os pingos do nariz vermelho
Congelam no ar acima do chão dos becos da cidade

A falta que ele me faz
O casaco ... e a ágilidade de quando era rapaz

na soleira

Senta-te meu amor aqui nesta soleira
E deixa que a luz grave na palma da minha mão
De ti uma imagem que sejas tu na escuridão

Que não sei se é tua a ausência ou minha a cegueira.

Pingo de vergonha

Há uns dias, uma página de um Diário da República de 14 de Outubro chegava-me anexada a uma mensagem que chamava a atenção para um Despacho da Presidência do Conselho de Ministros a nomear uma jovem professora para Vice-Presidente do Instituto do Consumidor. O Despacho descreve funções do Instituto e considera que a nomeada "reúne capacidades pessoais e técnicas, a que associa qualificada formação e experiência, decorrente do desempenho, ao longo da sua carreira, de funções técnicas e de formação, coordenação e organização de recursos, nomeadamente no sector cooperativo, que permitem concluir pelo seu adequado perfil para o exercício do cargo".
O currículo da nomeada, também vem na página do Diário da República, desmente vergonhosamente esse parágrafo. Esclarece que a nomeada foi professora de Filosofia e, na falta de melhor, acrescenta em linhas autónomas que esta elaborou e corrigiu provas (membro da elaboração - escreveu ela!), ou que frequentou acções de formação (na área da educação e conhecimento, escreveu ela!). Não é o que fazem os professores? Como cereja no bolo das suas competências para o cargo, diz-se que foi da direcção da MoviJovem. Tropeça até na escrita do seu currículo - insignificante até para professora!
No dia 4 de Janeiro, em artigo do Público, o mandante da nomeação declara que está bem justificada a nomeação pelo que se pode ler no despacho e a nomeada ainda joga ao ataque, achando que foi bem nomeada e que se fosse a levar em conta os currículos ela não teria oportunidade de mostrar o que vale. E que bem que ela mostra o que vale! Já várias vezes falei das duas faces das nomeações destes governos. Criminoso é quem nomeia sem critérios de competência - prejudicando e desacreditando a administração pública. De baixo estofo é quem aceita sabendo que não tem condições para o exercício e que não pode merecer qualquer respeito de subordinados e parceiros.
Este caso não é o único, é só mais um caso público que diz tudo sobre este governo. E sobre outros governos que assim procederam. E diz tudo sobre a nomeada que vai ter no seu currículo uma passagem como Vice-Presidente do Instituto do Consumidor para não parar de subir na vida fácil. O mesmo aconteceu com Ministros, Secretários de Estado, etc.
São formas de vida. Vende-se de tudo: corpo, alma, honra, dignidade. Sem pingo ... de vergonha.


[o aveiro; 6/1/2005]

E fora eu esperar-te

A vida inteira

Fora eu esperar-te
Em carne viva numa esquina de ruas
E como uma carícia aérea visses
A ternura do meu desejo ao olhar-te

A vida inteira

Estenderas a mão até quase tocar-me
E não te afastaras mais que dois dedos
Para que a vida pudesse parar nesse instante
Da ansiedade em teu olhar ao desejar-me

A vida inteira

Fora o instante mais que perfeito
Ou imperfeito mas que se recordasse

A vida inteira.

O caso notável de um debate

Um prego no sapato continuou uma discussão que tinha passado por mim. Não me interessa minimamente a toleima - Filomena Mónica e os "filhos de Rousseau - que anima a luta de correntes sociológicas e de ciências da educação e de matemáticos. Não me convencem. A teoria de uma conspiração de algumas ciências da educação ou cientistas da educação dominantes que estaria a dominar tudo e teria levado o ensino a um desastre é coisa que só pode defender quem não ensina crianças e adolescentes na "escola para todos". Nós sabemos que a realidade nunca tem a ver com o que se escreve e até sabemos que quem ganha na prática são o autoritarismo e o paleio do senso comum básico - e que infelizmente tem um efeito devastador na escola para todos. Vivo num mundo em que os dois lados da toleima teimam em entrar-me pelos ouvidos como se estivessem mais interessados em levar-me à surdez que em resolver qualquer problema. De vez em quando, frente a frente chego a acordo com cada um dos lados para ver o contrário do que se disse ser repetido logo ali ao lado para outro público... que espera a novidade e o sossego da consciência com alguma atribuição de culpa a outros.

Mas afinal quem ensina e certifica a imensa maioria dos professores de matemática? Qual é a corrente dominante na formação de professsores de matemática em Portugal? Quem fala mais alto nisto afinal? Se há uma conspiração vencedora, qual é a facção que venceu e não assume a responsabilidade do falhanço?


O que me interessa disto tudo é mesmo a utilização das propriedades das operações e a ilustração geométrica para as igualdades algébricas no básico. A figura ora vale mais que mil palavras ora abafa todas as palavras do futuro.... No ensino da matemática, qual o papel das figuras?

as caras mais a cara do burro feliz