reunião de desenhos




arte postal




Arranquei uma folha de papel
manteiga do meu livrinho diário.
No verso, colei um selo de 30 cêntimos
depois de escrever um nome e seu lugar,
como endereço possível.
Para saber se os melhores
correios do mundo entregam a folha
sã e salva, espero.
Ela espera sem saber.

reunião de desenhos




reunião de desenhos




a reunião reunião começou ainda a tarde era uma criança luminosa.
quando acabou já o dia se tinha perdido numa escuridão outonal
e eu, abandonado, perdera a mão em luta num postal quase ilustrado.

olha




olha como o céu vela por ti:
como um véu sombrio te esconde
dos inimigos vizinhos e mesmo de ti
bem podes perguntar porque estás aí ou onde

sabes que subiste para lugar nenhum
e aí ficaste sentada do lado direito
do mais simples espírito e estreito
bocal que entoa três vozes sendo um

Banca!

Os discursos políticos falam de crise geral. A solução para todos os males está na redução do défice e na criação de incentivos ou benefícios atractivos para o investimento e para os empresários. Dizem-nos que se não adoptamos novas empresas, não resolvemos os problemas de emprego. Há empresários sem empresa. Esperam lucros de negócios e não razoáveis retornos de uma empresa saudável, desempregados que aceitem trabalho sem estabilidade e com salários baixos, que não se cobrem os impostos devidos, que subsidiemos a implantação do negócio e que não haja castigo quando, apesar de todas as ofertas, abandonarem a mão de obra desesperada por novo noivado. Na aldeia global, a elevada rotação dos produtos e serviços afluem a uma arena de comércio que não se esgota na satisfação das necessidades por acesso aos bens essenciais e cria necessidades artificiais.

A esta situação económica desequilibrada, difícil e em crise - trabalho e necessidade, salário e produto - ou propiciada por ela, opõe-se o florescimento das movimentações financeiras, optimistas, em delírio por não corresponderem, na sua imensa maioria, a quaisquer equivalentes em produtos verdadeiros. Nunca houve tantas operações financeiras como actualmente e nunca os bancos e similares deram tanto lucro. Muitos dos empreendimentos produtivos foram abandonados e trocados por deambulações e orgias financeiras. O dinheiro, que antes crescia pela troca de mercadorias, cresce agora mesmo quando não há quaisquer mercadorias, bens culturais ou trabalho incorporados na troca. Mesmo quando nada mais há além de dinheiro nesta virtual riqueza das nações.

Apesar dos lucros astronómicos, os bancos requerem privilégios fiscais e mesmo dispensas de pagamento de algumas taxas. E o governo dá. Quando a cupidez é muita e saltam fora da legalidade já de si tão favorável, alguma alma os há-de informar da eventualidade da busca de ponta de crimeada. Até o Banco de Portugal, que controla suspeitas movimentações de capitais, não dá por nada. Olha como mudo, denuncia calado.

Não é português um banco (ou instituição financeira) sem antigo ministro, secretário de estado ou similar na sua administração. Mesmo banco estrangeiro, com negócios ligados ao estado ou coisas públicas, não escapa a administrador político luso. Ética legal em acção!

[o aveiro; 27/10/2005]

os outros




de ti tu sabes tudo pensas tu de ti tudo ou nada de ti é o que parece de ti:
é como tudo na vida de ti tu de ti sobram nenhuns outros, estes.

no oriente

No Oriente, a matemática está na sua pátria.
Na Europa, degenerou em simples técnica.

Novalis

A culpa dos simples

Olho as tuas mãos enquanto lês. Vejo nítidos os tendões dos dedos que batem furiosos as teclas do piano sensível da mesa. E até há pouco a mesa parecia a lisa praia em que as tuas mãos descansavam. Sei que tentas reconhecer a voz de quem escreve o que agora lês. Vejo-te incrédulo, enquanto tentas controlar uma revolta que os dedos nervosos não escondem.

O que te perturba é sentires-te parte do grupo dos simples que, sabendo da imperfeição das pessoas, não deixam de se revoltar contra os erros, as injustiças, a corrupção, ... O que te perturba é leres o que os teus amigos não se cansam de escrever, acusando-te do crime de denunciar uma crise geral de valores do ponto de vista da moral, da ética e da justiça. Chegam mesmo a ameaçar-te com a possibilidade de se virarem contra ti os teus escrúpulos morais e éticos, já que estão convencidos que não és senão um náufrago mais entre outros em cruzeiro pelo mar da lama num barco de luxo. Tu estás perplexo porque eles pensam isso de ti. Será que, por não aceitares as manobras dos crimes financeiros e a contabilidade imaginativa, virás a ser um criminoso de colarinho branco? Será que, por usares colarinhos brancos, vais acabar por lucrar com algum negócio menos limpo ou com acesso ilegítimo a cargos ou favores?

E começas a rever o filme do passado da tua vida para descortinar alguma coisa menos correcta ou mesmo reprovável que tenhas feito sem pensar e que eles dirão que é da mesma natureza e gravidade de actos criminosos.

Estás a sentir que alguns dos teus amigos estão quase a convencer-te a não criticar a acção política do ponto de vista da moral e dos bons costumes, dizendo-te que sabem que tu sabes não ser perfeito.

Os dedos tensos batem na mesa. Quando a batida dos teus dedos se torna solta, sei que venceste a batalha interior contra quem usa a tua imperfeição simples e a ignorância do futuro como argumento para desculpar os crimes deste passado presente..

Há adeptos que gritam. Mais pelas derrotas dos clubes que não podem nem sabem perder do que pelas vitórias dos que nem sonham ganhar. Descansarão quando degolarem algum bode expiatório. E tu?

Escrevo por ti e por mim. Sobre futebol? Ou sobre política?


[o aveiro; 21/10/2005]

as caras mais a cara do burro feliz