Há desenhos que ficam perdidos. A folha está lá, mas deixámos de a ver
como uma falha de sentido. Até que um dia ela sustém o vôo até ser vista.
Então, como verso na folha, escrevemos nome e morada. E colamos-lhe um valor
para a viagem. Nervosos, enfiamos a frente e o verso na fenda escura do futuro.
Para que ela vá pelo rio do esquecimento acima e fecunde o longe até ser perto.
perdido como folha de caderno
o soco no estomago
Marinamos a vida normal na calda dos nossos brandos costumes. A violência extrema faz parte do noticiário estrangeiro, de um filme alheio. O desprezo absoluto pela vida do outro vem como notícia de tempestade ou calamidade ou praga de outro continente que nos faz benzer e dar graças. Admitimos pequenas trovoadas, derrocadas e acidentes de trabalho.
Nós, por cá, todos bem. Ou, no pior dos cenários, assim assim. Andamos confiantes e distraídos até ao dia em que nos informam que um grupo de miúdos de escola, portugueses numa cidade a menos de uma hora de comboio, persegue até assassinar um homem de 45 anos. E perturbamo-nos enquanto explicamos o que se poderá ter passado nas nossas costas, mesmo à nossa frente, em nossas casas, nas nossas escolas. E assobiamos aos melros, quando cercamos o acontecimento com o arame farpado das circunstâncias do lugar, da natureza da escola e da experiência de vida dos miúdos, da vida específica do adulto morto até tudo ser estranho e estrangeiro em casa. Até tudo ser passado de uma cave da nossa casa que mandámos emparedar.
As nossas famílias, igrejas e escolas, os nossos pais, padres e professores não podem prever todos os comportamentos, favorecendo uns e prevenindo outros. Cada vez menos, na medida em que o desenvolvimento da sociedade se faz acompanhar pela inexorável criação de franjas de excluídos da casa e causa comum em valores e bens essenciais. Os sistemas dizem que desejam a inclusão enquanto gritam pela segurança e constroem muros altos para separar.
O soco no estômago dos últimos dias obrigou à discussão das escolas, das escolas especiais de acolhimento, orfanatos e reformatórios, em particular. Ainda que falsamente, desculpabilizar e desresponsabilizar as crianças e os jovens foi palavra de ordem, desde a educação familiar e escolar até ao direito. Face à perda da inocência e, ainda que aceitando que há meninos que nunca o foram, há políticos a favor de tratamento adulto para os criminosos juvenis. Este é o outro soco no estômago. Esperávamos por ele. Mas ainda dói mais. Ele, por si só, é nada quando quer parecer tudo.
[o aveiro; 02/03/2006]
Nós, por cá, todos bem. Ou, no pior dos cenários, assim assim. Andamos confiantes e distraídos até ao dia em que nos informam que um grupo de miúdos de escola, portugueses numa cidade a menos de uma hora de comboio, persegue até assassinar um homem de 45 anos. E perturbamo-nos enquanto explicamos o que se poderá ter passado nas nossas costas, mesmo à nossa frente, em nossas casas, nas nossas escolas. E assobiamos aos melros, quando cercamos o acontecimento com o arame farpado das circunstâncias do lugar, da natureza da escola e da experiência de vida dos miúdos, da vida específica do adulto morto até tudo ser estranho e estrangeiro em casa. Até tudo ser passado de uma cave da nossa casa que mandámos emparedar.
As nossas famílias, igrejas e escolas, os nossos pais, padres e professores não podem prever todos os comportamentos, favorecendo uns e prevenindo outros. Cada vez menos, na medida em que o desenvolvimento da sociedade se faz acompanhar pela inexorável criação de franjas de excluídos da casa e causa comum em valores e bens essenciais. Os sistemas dizem que desejam a inclusão enquanto gritam pela segurança e constroem muros altos para separar.
O soco no estômago dos últimos dias obrigou à discussão das escolas, das escolas especiais de acolhimento, orfanatos e reformatórios, em particular. Ainda que falsamente, desculpabilizar e desresponsabilizar as crianças e os jovens foi palavra de ordem, desde a educação familiar e escolar até ao direito. Face à perda da inocência e, ainda que aceitando que há meninos que nunca o foram, há políticos a favor de tratamento adulto para os criminosos juvenis. Este é o outro soco no estômago. Esperávamos por ele. Mas ainda dói mais. Ele, por si só, é nada quando quer parecer tudo.
[o aveiro; 02/03/2006]
Subscrever:
Mensagens (Atom)
-
Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
-
se ensinas uma teoria sem teoremas não tens que dominar a arte e a técnica da demonstração podes ver que os teus aprendizes crescem cont...