nem posso dizer

nem posso dizer que a minha vitória
é a tua derrota
porque hei-de ser eu a limpar-te o pó
e a chorar contigo a tua dor ao perder-


-me.

salve-se quem puder!



o meio docente

exactamente
ao meio,
aproximadamente
a meio

As paredes lavadas

A chuva veio e lavou o ar. Gosto de dar a face ao ar lavado da manhã enquanto caminho entre alas de notícias armadas até aos dentes.

Procuro o lado da paz em Timor Leste e procuro distinguir algum lado da disputa que dispense as tribulações da gente. Procuro desesperadamente um lugar onde uma verdade mesmo que desinteressante paire. Sei bem que a paz não se encontra seguindo as pegadas dos interesses dos deuses, porque o seu descanso é o desassossego dos homens de fé. Sei bem como é difícil esperar por sinais, porque os sinais estão todos misturados e há quem agite os seus fantasmas e os misture aos sinais do outro mundo. Chegam-nos de novo imagens de homens que afiam catanas ociosas em campos de batalha adiada. Se me fosse dado ver as catanas que desbravam caminhos nas matas para semear, plantar e colher as novidades estaria a ver os campos da paz.

Procuro o lado da paz na Palestina e procuro distinguir algum lugar na disputa que dispense as tribulações da gente. Que dispense as humilhações, as aflições, a morte, o desamparo que é a eternidade feita em pó por conflitos sem fim. Sei bem que a paz não se encontra seguindo as pegadas dos interesses dos deuses, porque o seu descanso é o desassossego dos homens de fé. Onde a falta de tudo se respira no pó que se vê em vez do ar, vimos as metralhadoras a tricotar os dias e as noites e a destruição de edifícios a sangrar o tempo. De onde vem o cimento que nos arranha a garganta? De que nadas se fazem milhares de balas?

Procuro o lado da paz. Vasculho os caixotes de lixo atómico em Israel, Irão, Paquistão, .... Vasculho os lugares das pilhagens no Iraque ou no Afeganistão, para levantar, até à altura dos olhos da humanidade, fantasmas da nossa comum civilização que se soltem do seu passado e amaldiçoem a estupidez humana. E, em vez disso, há professores engravatados a explicar-me a inevitabilidade de um jogo de guerra em que a estupidez vence como mal menor. Está na moda, como gravata. o nó corredio da forca.

Procuro afincadamente um lugar livre. Chegam-me pequenos farrapos da guerra e da paz, como se nem existissem num dilema de hoje. Porque o dia inteiro é dedicado ao outro mundo, ... e à nossa pátria de olhos perdidos em outra pátria... expatriada para a Alemanha.

As notícias ganham pernas. Há quem diga que um pontapé certeiro pode parar o mundo. Em volta da terra parada, o abismo engole-nos a todos.

[o aveiro; 15/06/2006]

quanto mais olho

de olho em ti

olho para ti
olho por ti
olho em redor

olho por olho

quanto mais olho menos vejo.


escolhos
trambolhos
repolhos
aos molhos

quanto mais olhos menos

azul




em roma, somos romanos?

o cálice de calma

Dos últimos dias recordo sucessivas bebedeiras de chá. Para esquecer os dias demasiado claros. Para sobreviver à molenguice dos jovens que se encostam mais às paredes que à vida e ao trabalho. Contra as dores nas costas, nas cruzes.

Quando saio de casa, fico mergulhado numa amargura quente. Posso andar de um lado para o outro, saindo de uma rua para entrar noutra, com a sensação de passear por corredores de um forno onde estou a arder lenta, mas seguramente. Só os corredores da escola me refrescam a alma. Se me sentar? Não me sento pelo sim e pelo não.

Para esquecer os dias demasiado claros, fecho-me descendo todas as persianas da casa e fingindo, sempre que possível, que cá dentro o dia não é vida e que a noite não tardará a substituir a tarde. Tento trabalhar de pé, tento escrever de pé com o computador elevado sobre um cavalete.

O pior disto tudo é que as folhas rabiscadas por dezenas de estudantes esperam dedos ágeis e laboriosos que cumpram as ordens de uma cabeça que veja as dores pelas costas. Parece que acontece o menos provável ou que não acontece e é a cabeça doente quem inventa tudo. Logo agora que nem tempo há, dores nas costas?

O mais entusiasmante ainda foi o fisioterapeuta que, na manhã de segunda, soltou expressões de júbilo quando eu obedeci, sem saber como, a alguma das suas ordens com um movimento de um milímetro que existiu sem que dele eu tomasse conhecimento. Ali se fazem perguntas sem resposta à vista, porque não sabemos bem se é dor ou outra coisa o que sentimos Naquele mundo, cada movimento infinitesimal é saudado com expressões combativas como "bravo!". O que é verdade é que mal saí desse combate, ainda antes de chegar à escola procurava um novo analgésico pelo caminho, antes de voltar a assumir o meu ar mais empertigado e feliz.

Na terça de manhã, saudei cada pequeno esforço dos jovens estudantes espapaçados com expressões de entusiasmo típicas de um fisioterapeuta treinador e aceitei uma soma irritante de pequenas falhas de disciplina individual com uma surpreendente calma. Sem compreender tanta canseira que, pouco depois das oito da manhã, abranda os movimentos juvenis à entrada para a sala de aula. Terão dores nas costas? Nâo.

Sou eu que tenho as costas largas!



[o aveiro; 8/06/2006]

sábado, domingo e segunda...

... sem poder sentar-me por mais que uns momentos e, por obrigação, ficar sentado algumas horas de sábado e uma hora e meia na segunda
mergulham-me na maior vergonha:

por andar de pé e ninguém dar por isso;
por me ter vergado até ficar sentado, sem poder.


sem poder?
como sempre, sem poder.

são os doidos de aveiro que

Quem terá marcado para as
16 horas do próximo domingo
no AVEIRENSE
o espectáculo MAL VISTOS do FITEI
que é para maiores de 16 anos...

FITEI? AVEIRENSE?
O que é que acontece para que isto tenha acontecido?


são os doidos de aveiro
que nos fazem sentir mal

MAL VISTOS em Aveiro




Visões Úteis
XXIX FITEI - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
Mal vistos de Gemma Rodríguez -
Prémio Maria Teresa Léon 2002

Aveiro - 4 de Junho - 16 horas -Teatro Aveirense



"A globalização é claustrofóbica. A deslocalização não sai do mesmo sítio. O mundo é uma exclusão. A democracia é apertada. As empresas são sorvedouros. A vida é uma tristeza. Quem ler a peça de Gemma Rodriguez arrisca-se a isto mesmo: a encontrar personagens medíocres porque banais, situações absurdas porque verdadeiras, acontecimentos parados que são como são. É a vida, dizia um personagem de uma outra peça."
Francisco Louçã
in Prefácio à edição de Mal Vistos

somos, fomos, somos, seremos