esconder para esquecer

Aproveito uma aberta entre dois temporais para escrever uma clareira, para escrever uma "branca". Nós escrevemos uma "branca" quando não nos lembramos de coisa alguma que interesse escrever. Por enquanto, a "branca" ainda é de outros.

Na semana passada, foi lançado o livro "Desastre no ensino da Matemática: como recuperar o tempo perdido". O livro reuniu intervenções de notáveis sobre o passado e foi lançado numa conferência de outros notáveis sobre o futuro do ensino da Matemática. Esta conferência reuniu vários ex-ministros da educação e conselheiros que são representativos de todos os os governos e partidos com pastas da educação desde o 25 de Abril.

Houve desastre e ficamos a saber que responsáveis pelas políticas da educação dos últimos 30 anos estão de saúde e, apesar do desastre, estão bem na vida e continuam capazes de dizer ao país do futuro o que deve ser feito para recuperar o tempo perdido por eles, com eles, apesar deles, ...

[Porque o empreendimento da educação correu mal, todos os educadores e professores são condenados, com pouco direito a defesa, todos os dias. Destes se diz que progrediram até ao topo das suas carreiras, sem qualquer avaliação. Ao contrário, os coitados dos ministros do tempo perdido foram avaliados e, por isso, voaram tão mais alto quanto mais contribuíram para o êxito do desastre ou para o fracasso da educação.]

Nos intervalos das aulas de matemática do dia seguinte à conferência, tentei descortinar o que teriam dito aqueles ministros do tempo perdido do título do livro. Aos ouvidos chegaram-me as banalidades com que os passa-culpas palitam os dentes e coçam a consciência. Dei por mim a pensar que mais valia comprar e ler o livro logo que pudesse, para saber mais.

E só à noite percebi o vazio que acontecera, quando um dos responsáveis da coisa disse, para quem o quis ouvir, que não lhes interessara o passado e que tinham combinado só falar do futuro. Estão a ver a maravilha?

Para os efeitos, o passado é um desastre. Para parte das causas, o passado é uma branca.

Dia a dia, dou por mim mais velho e incapaz. Fico feliz por conseguir reconhecer os erros passados e corrigir, quando dou por eles, os erros de hoje. Peço a Deus que não me deixe cair na tentação da irresponsabilidade e prefiro, apesar dos erros, pensar que o passado não foi uma completa bronca, e desejar que não venha a ser... a grande "branca".

[o aveiro;2/11/2006]

a privada

A semana entusiasmou-se com o êxito em bolsa de uma nova energia, aquela maravilhosa energia limpa soprada para dentro de milhares de balões coloridos (a uma só cor adequada, diga-se!). Nós devemos ficar contentes com os encaixes dos governos e devemos entusiasmar-nos com os desfiles dos dentes mais brancos e afiados acabadinhos de sair de um governo para as administrações das empresas. Essas empresas são ou foram públicas no todo ou em parte até que a parte pública se torna interessante como privada e a iniciativa pública se desvela em zelos para tornar privado o que era público. Quando vejo ex e actuais ministros, ex e actuais administradores nestas festas bolsistas, chego a pensar que há uma unidade de missão para meter o país na privada.
A semana pública entusiasmou-se com a semana privada. Os balões laranja nem chegam para as encomendas.

Do governo vieram todas as indicações e leis que obrigariam a mexidas nos preços da electricidade. Mas o instante da divulgação pública da coisa calhou em má altura, logo em cima de negociações salariais que o não são e em cima da apresentação do orçamento, etc. Ministros, secretários e outros escribas das leis que obrigaram ao aumento lançam-se em declarações contraditórias. Com tal bagunça, acabámos a assistir a um debate sobre custos e preços da energia eléctrica e sobre a política energética do país. Na primeira parte, ouvimos esclarecimentos sobre custos e preços praticados e sobre a composição do preço que os consumidores pagam. Na segunda parte, ouvimos falar de políticas energéticas, numa discussão que uniu o conjunto dos interessados no actual sistema de produção da energia, incluindo as renováveis, contra o nuclear. Mas interessante mesmo foi ver os ministros e secretários do estado de ontem a apresentarem-se hoje como presidentes de empresas dos sectores que tutelaram. E aparecem tão independentes, tão defensores do interesse público até à ânsia de não vender a energia que vendem.

São eles que afagam a lâmpada para receber o soldo devido ao génio.



[o aveiro; 26/10/2006]

excelente

Os nossos governantes actuais que são muitos dos mesmos do passado andam a dizer que é preocupante o actual sistema de avaliação dos professores porque não distingue os bons profissionais dos menos bons e nem sequer dos maus profissionais. Eu inclino-me para pensar que eles têm razão quando falam. Mas não acredito neles. Porquê?

É fácil adivinhar. Fui dirigente de uma escola durante muitos anos. E, sem trair a lealdade a que me obrigo como funcionário público, posso garantir que um ministro atribuíu a classificação de excelente professor do ensino secundário a um funcionário público que não era professor do ensino secundário nos termos que a lei exigia para ser considerado excelente professor do ensino secundário. Prerrogativa de ministro? Talvez legal. Legítima? Eticamente reprovável, digo eu, até porque desautorizou os pareceres necessários dos dirigentes, sem dar cavaco às tropas. [Um ex-ministro socialista diz que a ética é a lei (que ele fez e ele a ele aplica....)]

É fácil adivinhar poque é que eu não posso confiar nos melhores de entre eles.

Há quem faça greve como luta. Há quem faça greve por luto. Há quem faça greve por nojo. Por nojo, mesmo.

passado no topo

Estou cansado de estar no topo da minha carreira de docente.
Há vários anos que por ali ando. Não posso dizer que seja a penar, por que sempre fui professor e o que faço é de professor de ensino básico e secundário. É, para além de tudo o resto, um exercício físico exigente. Sempre cansado é certo, mas sem falhas graves de saúde e com o assobio intacto para improvisar bailes mandados. Com assiduidade.

Para chegar ao topo da minha carrreira, fiz de todas as funções docentes um pouco e um muito e fiz tudo o que foi preciso fazer, formação contínua e exame, relatórios, etc. Pelo sim e pelo não até entreguei os relatórios quando me disseram que, por ser dirigente da escola, não precisava de fazer e entregar relatório para apreciação. Entreguei-o mesmo assim para ter prova e há ofício da administração a devolver o dito.
Fiz a minha carreira como qualquer outro profssional. E não posso aceitar que digam o contrário; quando dizem generalidades os governantes dizem que estou no topo porque tenho idade para isso, porque envelheci simplesmente. Quando falam, os responsáveis pelo estado a que isto chegou cansam-me demais. Até porque foram eles que inventaram este sistema fantástico que lhes permite mentir hoje sobre a sua acção passada e travestirem-se de salvadores em cada nova aparição.

Em greve, para não diminuir o passado!

a greve

Todos sabemos que os estatutos das carreiras dos profissionais da administração pública foram aprovados pelos partidos socialista e social democrata. Não houve outros responsáveis. O estatuto da carreira docente de que se fala muito nos dias de hoje é um desses estatutos encavacados, pré-socráticos ou mesmo socráticos. E, como é óbvio, o estatuto definiu escalões ou patamares e formas de progressão ou de passagem de um para outro escalão e isso não foi mais que definir a avaliação dos professores.
Ninguém consegue aceitar ou sequer perceber as faltas de memória destes eternos governantes (alguns deles nunca foram outra coisa senão deputados e governantes por turnos). Não é possível que se tenham esquecido do que andaram a fazer com a avaliação de professores e outros funcionários, contribuindo ao nível da minúcia do abandalhamento do sistema. De cada professor pode ser dito que tentou passar de um escalão para outro com o mínimo esforço e talvez para ajudar a que o mesmo acontecesse aos seus amigos e colegas. Não acreditando na desmemória dos políticos, o que eles nos dizem hoje é que transformaram em sistema o que não devia ter passado de tentativa falhada deste ou daquele professor menos honesto. Podemos saber que todas as instâncias da administração procederam no sentido de deixar passar a uma progressiva fraude toda a avaliação até porque estes governantes encharcaram a administração pública, em particular, a administração da educação, com criaturas que nada tinham a ver com a coisa pública bem educada. Alguns secretários de estado, directores gerais, directores de serviços, ... destas andanças dos partidos no governo apresentaram-se como gestores da educação que nunca tiveram. Se a tivessem, nunca teriam aceitado a máxima humilhação de aceitarem cargos, como quem aceita pagamento excessivo para ser burro de carga... perigosa e leve.
Os governantes dizem-nos que a avaliação dos professores (aquela que eles decidiram ontem) não existe hoje e que é preciso fazer outra para amanhã. Eles dizem-nos tudo sobre o que eles foram, e, não havendo confissão nem propósito firme de emenda, estão no mesmo passo a dizer-nos quem são e quem serão enquanto puderem engolir.
A greve é uma porta estreita, uma excepção. Nela entramos de lado, olhando de soslaio todos os que se governam tanto quanto nos diz a memória que nos resta.

[o aveiro; 19/10/2006]

pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui