decepado

se procuro outros braços que me abracem

os ciúmes

Abandonadas por seus amantes, duas mulheres almoçam sandes, num banco do jardim público. A solidão era tão forte que pensam viver juntas. A que primeiro oferecera a sua casa, ao preparar-se para dormir, sentiu a outra tão atraente que desejou fazê-la adormecer no lado do leito que, habitualmente, ocupava, tomando para si o lado do homem que amava. E ao perceber que olhava para a sua amiga como ele a teria olhado, sofreu com os ciúmes.


Tonino Guerra.

a arte de voar

como desenhar fronteiras
entre dois mundos?

planto laranjeiras
carregadas de frutos e de ninhos
carregados de aves prontas a voar

entre mim e ti e em ti
voam ligeiras as minhas mãos

fáceis alvos para atiradores furtivos
de primeira linha

de fronteira

a arte de voar

Nos ombros da mulher de pedra e pranto
repousam os cabelos da árvore caída

e enquanto a ave de granito
de asas partidas
ensaia o voo de um grito,

da minha mão levanta voo a pedra.

a arte de voar

Filtro os sons da água e a água
e mergulho uma folha rabiscada
para que se dissolva a sagrada
escritura da minha mágoa

e a tinta forme então a pomba
que bate as asas e desenha um voo
como um risco branco contra o céu.