des envolvimento

O que mais me incomoda é a distância feita de desprezo e é, por isso, que muitos dos governantes modernos me parecem selvagens.

Educados para a compaixão real, feita de gestos tão anómimos quanto dirigidos a pessoas reais que se cruzam no nosso caminho, não atinamos com aqueles que falam dos desempregados como se eles não fossem nossos vizinhos e não fossem mais que unidades estatísticas. Não atinamos com políticos que justificam as suas políticas com um futuro radioso para todos os filhos dos que nem vislumbram o pão nosso de cada dia presente e menos ainda o futuro dos seus filhos. Não nos entusiasmam perspectivas de desenvolvimento se elas existirem em detrimento das pessoas reais, sem se fundarem e fundirem com pessoas realmente existentes.

Estes jovens governantes selvagens falam de pessoas em abstracto, livres de qualquer comoção humana perante as dificuldades das pessoas reais, ganharam uma falha de carácter e uma desmemória sobre os cíclicos descalabros da espécie até ao desprezo pelas pessoas reais quando elas são o contra-exemplo para as suas políticas. E enriqueceram.

Depois olhámos esses políticos como parolos a tentar agradar a patrões e a padrões estrangeiros. Habituaram-se a pensar em desenvolvimento e progresso como coisas neutras iguais para todos em todo o mundo e para os quais há uma só receita universal. Parecia-me uma desculpa inventada por tolos. Nunca me passaria pela cabeça que houvesse alguém tão tolo que pudesse impingir esta ou aquela teoria ou tese de uma ciência social como se fosse tese de uma ciência exacta, válida para o exótico e imprevisivel universo humano.

Nesta última semana, fiquei a saber pelas organizações não governamentais a trabalhar no Iraque, que, em nome da democracia, os políticos selvagens fizeram a guerra que lhes permitiu agitar o mercado que, mesmo selvagem, funciona bem até num país transformado num campo de batalha. As ONG não denunciam a falta de interesse dos países da coligação. Não. Dizem que eles estão a sacrificar grandes massas de crianças e adultos de hoje às suas estratégias de desenvolvimento. Fome e penúria mais extrema, ao lado do mercado florescente e, porta com porta, com a riqueza mais obscena.

Os políticos selvagens não reconhecem os seus pares humanos, não se envolvem. Eles são a favor do des envolvimento humano.


[o aveiro; 1/8/2007]

quem a vésper espera


aqui onde aves fazem uma algazarra de família
regressada a casa
ao fim do dia

espero a estrela da tarde
e imagino um sino que dobra um bater de asas

um instante a morte e a vida juntas

o que esconde, mostra-se

mau exemplo, mau é

Ainda na oposição, com os olhos na cadeira do poder, a um povo que se revia grego, Sócrates bradava garantias referendárias para as grandes questões. Também para as questões do tratado que estabelece uma constituição para a Europa. Dar a palavra aos povos tinha chumbado aquele giscardiano texto assinado então, em nome de Portugal, pelo fantástico Lopes de Lisboa. Passados poucos anos, Sócrates é um poderoso primeiro ministro de uma presidência europeia (em) investida contra referendos a uma nova versão de tratado agora destinado a ser votada nos parlamentos. Sócrates vem enaltecer a democracia representativa e lança anátemas aos que, por defenderem os referendos e a participação popular, diminuem a representação democrática e parlamentar. Opinião de sofista. Ninguém melhor que Sócrates para saber que a Assembleia onde o PS tem maioria absoluta foi eleita para defender o referendo. Pretérito mais que perfeito, imperfeito, condicional? Mudam-se os tempos para que futuro? Ninguém melhor que Sócrates para saber que o que apouca a democracia parlamentar são as palavras por cumprir, a falta à palavra dada, a desonra e a pouca vergonha.

Eles têm agora a espinhosa missão para nos convencer que tudo o que fazem colhe o seu valor nos resultados futuros, nos maravilhosos frutos do exercício do seu poder. Os fins, os fins, os fins justificam os meios. Se perdermos tempo a discutir, perdemos eficácia, competitividade, a oportunidade de ouro, etc. E já há quem queira ver assim e ache coisa pouca a participação popular mesmo quando ela foi prometida em troca da maioria cor de rosa. Até porque ela é tão pobre! Não é? Não é tão evidente?

Nestes tempos de comunicações rápidas, para uma parte dos nossos políticos, até a participação (que não se puder dispensar) pode ser representada por figurantes recrutados entre velhinhos da província que aceitem pagar uma excursão à capital com uma hora de bandeirinha em campanha de autarquia de costa ou entre jovens que, bonitos, empenhados e bem comportados pela mão de uma agência de modelos, aceitem vender-se por 30 dinheiros ao serviço da ministra da boa (?) educação tecnológica. A ministra acha que isso é nada quando comparado com o anúncio tecnológico. Mau exemplo, má educação democrática são pequenos nadas, sendo tudo.

Ainda que tenham bom aproveitamento como eficazes figurões tecnocratas, nunca lhes perdoaremos o mau comportamento como democratas.


[o aveiro; 26/07/2007]

Santiago


A ignorância e a tristeza
não olham como eu olho para a beleza.