sem fim

leva-me para onde fores e chegados lá
conta-me uma história sem final feliz

que eu só aceito destino para a viagem
se a ternura que me deres não tiver fim

A desordem vem de onde se espera

O fim do ano que passou estava cheio de surpresas que o não eram.

Os administradores e gestores do maior banco privado português tinham brincado de faz de conta que o dinheiro dos accionistas era dinheiro dos administradores ou gestores. Emprestavam milhões a amigos e familiares e depois davam por incobráveis essas dívidas sem que nada acontecesse. Sabemos que estão na prisão pessoas que roubaram a milionésima parte dos desvios que ouvimos mencionar neste baile de banqueiros. No labirinto do jogo de faz de conta dos banqueiros e amigos, vimos como eles se deixam filmar em desfiles de pouca vergonha como se nenhum crime houvesse. Há quem diga que, nos casos em estudo, o roubo foi feito de acordo com a lei. E a pouca vergonha que se lhes vê na cara talvez lhes venha de terem acreditado no grande educador cuja ética reside na lei.

Há muito tempo que se vem espalhando a fama das virtudes da iniciativa privada e mais fama ainda têm os gestores privados que passam pelo poder político e até fazem leis convenientes para serem a ética conveniente na troca de favores e aos corredores criados para ir do público ao privado.

Quando a crise se instala no privado, saltam gestores do público para gerir o privado, saltam nomes de conhecidos políticos a querer atribuir a si e aos seus a virtude da boa administração dos bens privados e públicos.

Não, não é a política que dirige a economia. Alguns políticos descobriram que a melhor e mais mesquinha forma de defender os seus interesses mais privados e inconfessáveis é ser político de serviço até passar a gestor privado e depois público e depois privado.

Nunca as viagens entre os sectores público e privado tinham parecido tão privadas. Já nem têm vergonha de vir exigir o quinhão deste ou daquele partido, como se fosse natural dividir a economia pelos partidos que disputam o poder político.

Como pode ser bom o ano que aí vem?

Há alguma irracionalidade no exercício de alguns poderes. Só podemos esperar que a razão e a justiça possam ocupar discretos lugares de onde se deixem ver e ouvir como rigorosos exercícios de liberdade e democracia e não como maus espectáculos sem fim à vista.

Que desordem habita o lugar dos poderosos?

[o aveiro; 04/01/2007]

mudamos de um ano para o outro...



mudamos de um ano para o outro sem sentir essa dor suavíssima das árvores quando perdem as folhas o amarelo e o ouro na suave largada para o fértil chão preparado por tempestades nas noites e neblinas densas nas manhãs.
esperamos ver as folhas verdes nas mesmas árvores e ainda depois as mesmas amarelas ou douradas.

já não há quem chore por imaginar como a vida vai e vem e bem podemos descer encosta abaixo que nem um nenhum soluço estará solto suspenso no ar quieto deste inverno.
nem as vacas nem as vacas para murmurar no prado que nós vimos como elas passeavam entre os anos pachorrentas estrada abaixo
e o carro parado enquanto elas desciam de ano
tenso para subir estradinha acima como quem sopra uma ilusão e vê como voa.

esperamos voltar para ver as folhas verdes nas mesmas árvores dispostas a fazer fronteira entre dois lados do mundo dois mundos.
sabemos em qual dos lados do mundo os amigos plantaram a sua sede.

e bebemos a água roubada à fundura da serra a boa colheita o bom ano.

verdura

de Arsélio Martins, mesmo quando não parece .