os dias miudinhos

Gosto de chuva miudinha nos dias em que me viro para o lado da tristeza simples. Olho para o que acontece e se o que vejo acontecer ou me vem à memória não dá nem para grandes alegrias nem para grandes tristezas dá-me uma vontade de chuva miudinha que me feche num asilo de melancolia. Deixo-me abandonado. E deixo que os olhos vão lá para fora jogar às escondidas com a chuva triste e miudinha. A água anda por aí no ar como se ar fosse. E é como se me fechasse numa bolha onde só pudesse respirar a humidade, uma asfixia lenta.

Vagamente chegam-me farrapos de um debate sobre pontes e cidades gémeas, região multipolar, rodovia, ferrovia, aerovia, etc. Vêm de ontem os farrapos. Surgem-me as palavras embrulhadas em neblina, como fantasmas futuros rompem a chuva miudinha.

Leio que o Tribunal Constitucional ditou para o passado do concurso dos professores titulares um defeito, uma inconstitucionalidade, uma violação da igualdade no direito de acesso. Mais uma declaração de defeito, entre tantas outras. São os erros que se repetem mais vezes? Ou há mais gente a ver os erros de conveniência? Será que há erros plantados para serem vistos na floresta dos pequenos enganos e grandes engulhos?

E leio, seguindo um julgamento de coisa antiga, a humilhação de uma praxe em que uma jovem pode ser barrada com bosta e pode ter a cabeça mergulhada em penicos numa quinta de propriedade da escola agrária, afastada do centro da cidade.... E basta ler o riso das bestas e a descrição das coisas em que pensam para percebermos que alguma coisa funciona mal. Pior ainda se nos lembrarmos que ainda há quem ache normal soltar a besta desde que ela more nas universidades.

E passamos dos actos às palavras, dos actos aos atos, dos factos aos fatos, das palavras mais pesadas que os actos, das palavras sopesadas pelos que discutem acordos e desacordos orográfica e ortograficamente falando de coisa nenhuma. Em vez das palavras, a baba das palavras. E uma flor de calor poisada na língua brasileira. E a pérola nos dentes que colam as palavras que nós antes separámos. E os nós de nós na segunda pessoa do plural. Vejo chegar a discussão como se um príncipe da língua odiasse a língua da princesa, estrangeira só até às descobertas.

Há dias assim que se soltam do ar para dentro da vida como chuva miudinha. Sentimo-nos levemente tristes, desassobiamos, esquecemos as chaves de casa, deixamos que as palavras mais caras nos caiam das mãos e se partam. E damos por nós a colar, com a pastosa chuva miudinha, palavras partidas, noites fendidas por faíscas luminosas, cacos.

[o aveiro;10/04/2008]

encontro empolgante, precisa-se!

As sociedades modernas ou desenvolvidas científica e tecnologicamente precisam de trabalhadores científicos. A Europa precisa deles aos milhares. Portugal corre riscos sérios se não participar desse movimento de criação de empregos científicos produtivos. Todos sabemos isso, conhecemos as metas a alcançar e os prazos apertados.

Muitos dos empregos científicos dependem da matemática. Sabe-se que uma grande parte dos empregos científicos e técnicos exigem fina especialização em matemática, mesmo considerando que uma parte do trabalho produtivo trata da manutenção dos sistemas e que o essencial da coisa terá de ser assegurado por equipas multi-disciplinares, cada um dos cientistas e técnicos carece de formação matemática de elevado nível.

Há vários anos que os melhores estudantes de matemática do ensino secundário estão a ser atraídos para especialidades científicas, como medicina, arquitectura ou até enfermagem, e não vão para os cursos que mobilizam matemática ao nível mais elevado.

Perceber-se o desespero dos profissionais de matemática (em geral, professores do ensino superior nos departamentos de matemática e faculdades de ciências a leccionar cursos superiores de matemática e engenharia) que só excepcionalmente estão a receber jovens de alto rendimento em matemática e têm dificuldade em transformar a segunda escolha que lhes coube em sorte em estudantes capazes para o nível superior de proficiência matemática que se espera de candidatos a emprego em áreas dependentes da matemática a nível elevado, incluindo professores de matemática.

Já não se percebe que os trabalhadores científicos deixem de exercer pressão contra a degradação das profissões científicas dependentes da matemática que as tornou pouco
atractivas e, em vez de contrariarem essa fraqueza, antes procurem um bode expiatório no ensino secundário geral que, em si mesmo, tem de dar resposta social ao nível da cultura científica e da formação genérica dos cidadãos e não pode ser substituída por resposta parcelar exclusiva em necessidades da comunidade científica, que, sendo verdadeiras, não são mais que uma parte do problema.

Quem se preocupar com o trabalho científico, lutará contra a degradação das instituições de investigação científica e a debilidade do emprego científico. E estará livre para ajudar a melhoria de todo o ensino sem fazer dele o que ele não pode ser e, muito menos, bode expiatório de passa-culpas no atraso científico.

As profissões científicas têm de ser reconhecidas e têm de mostrar resultados empolgantes capazes de mobilizar os jovens, também em Portugal e não só em (neuro)cirurgia.

[o aveiro; 03/04/2008]