desenho, logo existe

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o ouvido do ovo

Foge. Se correres na direcção certa ainda vais a tempo de fugir da chuva que aí vem. Qual é a direcção certa? - perguntei eu. A da chuva - disse a chuva. Queres é molhar-me! pensei eu. E fiquei calado. A chuva percebeu o que eu estava a pensar e disse: Para não te molhares deves também correr no mesmo sentido que eu.
Para não te encontrar devo correr na tua direcção e no teu sentido?
Pois, está bem, está!

Nos últimos dias perguntaram-me opinião sobre vários assuntos. Refiro dois:

Uma vez sobre o orçamento de estado. Para onde deve ir o dinheiro? Na mesma direcção e no mesmo sentido que a educação prossegue? Na direcção da cultura e no sentido da ciência, para que os homens sejam tratados pelo nome e não pelo número. Mas se eu caminhar na direcção favorável à cultura e em sentido favorável à ciência não vou a fugir da educação? Vais, claro que vais! Foges da má educação.

Outra sobre a fraca matemática dos estudantes de engenharia. Não é de cultura científica que falam, mas antes da fraca preparação dos estudantes de engenhara e dos jovens engenheiros. O engraçado é que atribuem esse defeito ao ensino secundário. Esquecem-se que a formação secundária é forçosamente tão diversa quantos os desejos de futuro e que às portas de engenharia nada há que impeça a entrada de estudantes com fraca formação matemática. Ao contrário, há convites a todos quantos queiram entrar enquanto forem precisos, mesmo mal formados, para ocupar a instalação. Os melhores alunos de matemática podem não querer frequentar os cursos que mais precisam de matemática, podem não querer frequentar engenharia e até pode acontecer que uma parte dos alunos de engenharia nem tenha pensado nela a não ser como mal menor. O que quer dizer que o sistema de escolhas da universidade não tem quaisquer critérios de qualidade e nem os jovens cuidam de segurar as suas primeiras preferências.

No que ao acesso do ensino superior respeita, tiradas as honradas e numerosas excepções, ficamos com a ideia de que os jovens ao correrem pelo acesso ao ensino superior correm na mesma direcção e no mesmo sentido em que corre a educação científica e é, por isso, natural que não haja encontro entre os jovens, a educação e a cultura científicas.

O ensino secundário só é culpado na medida em que é deste mundo. Como tudo.

[o aveiro; 9/10/2008]

a linha da mão e a mão que nos embala

Nas palmas das minhas mãos cruzam-se linhas de tudo: a linha da vida, a linha do coração, etc. Cada uma dessas linhas conta uma história: que a vida acabará abruptamente; que o amor chega tarde, tanto tarda a intersecção da linha do coração com a linha da vida; que um pequeno acidente está previsto pela pequena gelha que se esforça para ser vista quase a desaguar na linha do coração.
Ninguém me tinha falado na linha da mão propriamente dita, mas duas médicas juntaram-se para me garantir que a vida das minhas mãos, tal como a conheço, está em risco e que eu devo confiar menos em mim e nas minhas mãos e mais num cirurgião. Fiquei preocupado com as minhas mãos incapazes de prever o seu próprio colapso aos 60 anos de vida, logo elas! que mostram (a quem quiser ver) a cartografia da vida, do amor, da riqueza, da saúde, .... até ao detalhe mais absurdo.

Há quem chame mão invisível ao capital financeiro e lhe atribua o papel de mola real da vida. Nem sempre foi assim, mas, hoje, não há culpados entre os jogadores da alta finança (que pouco arriscam de seu e tudo arriscam das poupanças de todos os outros). Os poderosos deste mundo enriquecem sabendo que muito do dinheiro em movimento não incorpora qualquer trabalho produtivo e transformador e cresce sem correspondente em trocas de mercadorias e bens que aumentam de valor à medida que vão integrando matéria e força de trabalho transformadora. Especulam e atribuem, em bolsa, valores ao movimento real ou inventado, fazendo da especulação uma mercadoria. Neste mercado, a um dado momento já só se transacciona o que não é. O inexistente toma valores independentes da realidade e da imaginação criadora, é especulação sobre a especulação.

Cada geração de especuladores toma os Estados como fontes de financiamento ou retardadores da explosão das insttituições e lojas do mercado de capitais, enriquecendo um pouco mais, enquanto milhões de trabalhadores, cujas mãos não guardaram lugar para a especulação de outros, sofrem o impacto da explosão.

Nestes jogos, os que sofrem não conhecem os carrascos. Estes já começaram a soprar para a próxima bomba bolsista - nos salvados da explosão de hoje, compram barato os activos da próxima.

Sobre as linhas das minhas mãos, que nada me dizem, gosto de especular sobre as linhas da mão invisível. Se desenharmos as linhas, passamos a ver a mão? Que faremos depois?


[o aveiro; 2/9/2008]