Abril


como eu gosto da chuva que cai por estes dias. até se pode chorar para acrescentar lágrimas à chuva e não para chorar simplesmente.

Abril


às vezes ficamos assim lixados e tristes, sem saber o que dizer. talvez porque damos por nós a querer falar por falar e isso só podemos fazer com quem nos pode ouvir para se desatar a gargalhada que queremos ouvir.

Abril


lembro-me de um tempo em que desenhava cravos vermelhos em paredes abandonadas. já não sei desenhar cravos automaticamente.lembro-me de uma idade em que gritava não silêncio não silêncio não a acompanhar a marcha compassada de uma multidão. da cadência dos batimentos nos empedrados ainda me lembro, mas não guardo de memória o som da cadência não silêncio não silêncio não silêncio que, fila a fila, os sapatos da multidão repetem ao toque do tambor ou das palavras de ordem. vaga a vaga em frente. hoje há uma desordem nos meus passos e pensamentos feitos de uma vontade intensa de que não se possa prever o meu próximo passo. como se tivesse passado a fazer parte da multidão que salta fora da cadência previsível, em vez de ser o que já fui, megafone ou tambor a ordenar uma marcha com destino conhecido.

Abril


sigo um pequeno pássaro que saltita à minha frente. parece distraído, mas não deixa de debicar pequenas coisas que eu não vi e nem sei se existem. sigo-o e estendo as mãos como se fosse apanhá-lo. parece que o apanho e seguro-o de encontro ao meu peito, uma mão firme e fechada a segurá-lo gentilmente e a outra que o acaricia. gestos para um público que nem sei se existe. sigo com passos firmes pela minha rua com um pássaro ao colo. é o que parece. mas eu sei que ele se escapou sob o carro mais próximo e vi-o a voar instantes depois aproveitando o vento que sopra mansamente, tão mansamente como a minha mão o acaricia no gesto de o acalmar no meu colo protetor. um pensamento sobre a carícia e o calor das minhas mãos para o pássaro que voa. nada é melhor que acariciar quem voa.

Abril


Escola José Estêvão

AveiroPolis?


Há vários anos, sobre o programa Polis, escrevi um texto a pedido do semanário "O Aveiro", penso eu. Encontrei-o agora. E veio-me de novo à cabeça a pergunta: De que parte é que os pod(e)res se esquecem quando passam à prática? Da parte participativa da democracia, especialmente. Mas também de levar as coisas a bom termo no que isso significa de fazer a obra toda e não só aquela parte que alimenta empreiteiros e patos bravos (sem ofensa para os patos e patolas). Aqui transcrevo esse texto, então, escrito em representação do Bloco:


Quando o programa Polis foi apresentado ao Parlamento, o Bloco de Esquerda não votou favoravelmente as propostas do Governo, não tanto por se considerar negativos os seus conteúdos, mas por não ter havido concurso publico para a escolha das cidades, de ideias para a selecção dos projectos de intervenção. Mas isso não obstou a que o Bloco tenha viabilizado o Programa Polis.
Algumas condições foram apresentadas pelo Bloco e aceites pelo Governo. Por exemplo, mantêm-se todas as competências municipais em matéria de aprovação dos instrumentos de planeamento e gestão urbanísticas e mantém-se a necessidade de aprovação pelas Assembleias Municipais de todos os planos de urbanização, planos de pormenor ou alterações aos planos directores municipais, para cada uma das Zonas de Intervenção definidas ou a definir no âmbito do Programa Polis. Também houve acordo sobre a dimensão e os formatos da informação e discussão públicas.
As intervenções de requalificação urbana da cidade de Aveiro, que estão previstas para áreas que acompanham braços da ria, podem ser e vão ser positivas na globalidade. Com certeza que alguns aspectos que acompanham a intervenção podem e devem ser seguidos com preocupação. Mas esperamos vir a ter uma nova configuração de cidade amigável desde a lota até ao perto da 109 seguindo o braço que passa pela Capitania, mercado Manuel Firmino, centro cultural e de congressos, etc, assim como esperamos uma recuperação da envolvente do canal de s. roque e para o lado da universidade. O programa Polis devolver-nos-á uma cidade melhor, estamos certos disso.
Esperamos que seja cumprida com dignidade a participação cidadã, suprindo pela via do acompanhamento pela população e seus representantes alguma da falta de transparência que esteve na génese do Programa.


Arsélio Martins
Bloco de Esquerda