o caracol não tem pernas para andar



e não sente a subida
nem sabe ser comida
de bico voador
ou de ser esmagado
pelo chinelo da dona
do jardim

no instante
extravagante
e crocante
do seu fim.

O colarinho branco do processo.


As primeiras páginas do processo liam-se penosamente. Só quem sofresse de alguma curiosidade patológica podia interessar-se na sucessão de nomes completos
de todos os arguidos e eram mais de cento e cinquenta,
de todas as testemunhas de defesa e eram mais de dez por cada arguido,
de todas as testemunhas de acusação e eram de duas, em média, por cada arguido.
Eu ainda passei os olhos pela primeira página de frases feitas para processos e pela seguintes para confirmar que parte dos arguidos eram nomes cor de rosa e outra parte eram nomes cor de laranja.
Só na página sessenta e dois consegui ler uma referência aos vários crimes do processo, sendo que
uma parte eram crimes cor de rosa,
outra eram crimes cor de laranja e associados, com uma pequena nota sobre crimes ouro sobre azul e
misturas de crimes que eram descritos como rosas cor de laranja ou laranjas cor de rosa.
Também fiquei a saber que os advogados que representavam arguidos se apresentariam com gravatas coloridas de forma consistente com as cores criminosas.
Desisti antes da página trezentos e quarenta e sete, convencido que, para garantir a transparência, estes documentos do processo tinham sido lavrados em folhas finíssimas tipo segunda via já que
a primeira via era a dos crimes verdadeiros com palavras correntes e grosseiras que toda a gente entenderia
mas seriam inapropriadas para classificar atos de pessoas que, como toda a gente compreenderá, não poderiam ter agido de forma grosseira nem compreenderiam o sentido das palavras que os descreveriam e aos seus crimes, esses que os não são
ou porque estão prestes a prescrever
ou porque não foi desvendada qualquer prova irrefutável, que é o mesmo que dizer irrefutável para a sociedade de advogados em serviço (que escreveram as leis que tornam atos criminosos em atos legais ainda que os possam aceitar como reprováveis ou mesmo ilícitos),
ou porque transitar em julgado pode significar transitar num campo minado de recurso em recurso.

E a ética é lei feita à medida de cada pescoço. Convém tomar nota sobre os pescoços dos advogados que escrevem leis para governos e representam ex-governantes quando estes passam a suspeitos e arguidos.
E boa nota se deve tomar dos honorários destas sociedades quando prestam serviços de apoio ao estudo antes da pergunta sacrificial:
como pode cada arguido pagar honorários por anos e anos de serviço prestados por tais associações de advogados?  

nós, as formigas



se viu o filme, percebeu
que fomos filmados
de um ponto de vista
longínquo de nós
por alguém que
não quis conhecer-nos
muito menos quis
entender-nos
talvez um atirador
que se diverte
a ver-nos:

ou talvez seja eu
a ver de perto
muito perto
formigas.

Os portugueses...


... trabalharam os últimos cinco meses só para pagar os impostos. Os próximos sete meses de trabalho podem ser usados para pagar o que for preciso para sobreviver aos 12 meses que o ano dura. Para o ano vai ser pior, dizem-nos. Felizmente há um dia, amanhã, livre de impostos.

pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui