vou sair



Por alguns dias vou sair. Vou até à Covilhã, fazer parte do enxame de professores de Matemática (no ProfMat). Não há melhor conforto.

Silêncio concertante

De vez em quando, lembro-me do Conservatório de Música de Aveiro. Há quem o veja como casa construída e instruída para a música. Mas olhando melhor, a casa da música foi devassada e devastada por uma fúria desconcertante. Da casa instruída para a música sobra um miolo dedicado à música. Lembra-me o conservatório que a música é um assunto incapaz de encher a sua casa, como se fosse a casa a apertar a música até esta se resignar à tacanhez. A surdez cultural é política, obra de políticos, tanto de ministros como de autarcas. Se em geral nos sabemos analfabetos, imaginem o que seria se contássemos a educação e a cultura musicais. A começar pelo primeiro-ministro, sabemos de que barro musical se fazem os responsáveis. Sobra-lhes o voto do espectáculo e esse, para ser notado, pode ser importado e ser pimba e pode até ser só pirotécnico para apagar as estrelas e os murmúrios da noite fecunda.

Nos últimos tempos, estamos preocupados (como é nosso dever!) com as desgraças das colocações dos professores dos ensinos básico e secundário. Mas alguém sabe como são colocados os professores dos conservatórios, se há quadro, que tipos de contratos celebram os professores, em que prazos, como são pagos? Ainda mais do que todos os outros, os músicos e professores de música têm quadros desajustados, contratos de favor ou quase, em completa desarticulação com os restantes segmentos de educação e ensino. Se existe, a vida dos conservatórios é desconcertante.

As escolas profissionais de música e os departamentos especializados no ensino superior não substituem nem sequer menorizam o papel das academias de música locais e os conservatórios regionais. Nada existe em Aveiro que possa substituir o Conservatório no seu papel.
Discutimos muito o ensino artístico e, em especial o sempre marginal ensino da música e formação do gosto, quando discutimos a revisão curricular nos governos de António Guterres. Já tínhamos discutido no tempo de Cavaco Silva e tinham-se dado passos tímidos na articulação geral e de contratações de professores. Não ouvimos falar do assunto nas alterações à revisão curricular. Ou tudo está bem, ou está tão mal que... o doente já não fala e... nem se fala disso.

Está aí alguém?


[o aveiro; 30/09/2004]

crítica improvisada

Fui (ou)ver os improvisos - space2004part#2 - a'o navio dos espelhos. A minha curiosidade ia para a forma em que caberia o sax do João Figueiredo e senti algum desconcerto confortável com a possibilidade de ter identificado monólogos amigáveis ao meu gosto e ter gostado de algumas discussões (improvisadas) a dois e a três. [Nas grandes peças(?), as discussões (entre instrumentos e instrumentistas ou mesmo entre naipes) são as minhas preferidas.] Gostei de ouvir e é verdade que fico convencido pela criação de ambientes sonoros electrónicos a partir de pequenas coisas como as que o João Martins faz. Há alguma delicadeza insegura nos gestos e na pose, entre o que não é e os saxofones que tanto melopeiam carícias de vento como atropelam todo o sossego. Gosto do João Tiago a oscilar entre o afago das peles esticadas e... a violência explosiva e logo contida pela desistência a dar lugar aos sopros e sussurros. Em alguns momentos, impovisamos não estar ali porque passamos ao que so(nha)mos e onde estamos não é mais que uma paragem na passagem para outro lado.


A vida modesta dos experimentadores é provada nestes espaços tipo "intensamente livre" que era o nome da povoação a ver-se por trás dos músicos. Há alguma coisa de mágico nestes pequenos senões e serões. E uma livraria pode mesmo ser uma "livreria", um navio para as viagens que fazemos mesmo aqui para o outro lado dos espelhos que nos reflectem no que vale a pena.

amarei

das patas
da aranha amarei os pêlos na sopa
quando a devolvo à copa
para que a aranha inteira a enriqueça

e eu, enfim, rejuvenesça

até andar de gatas


dos que improvisam no que é de improvisar.

Em Aveiro, na livraria o navio dos espelhos , mesmo ao lado do Teatro Aveirense, há música na próxima sexta feira. Eles esclarecem:


>>>24.Set.sexta. 21h00
Space 2004 # part 2 festival de música experimental e improvisada
Improvisação: João Figueiredo.sax, João Martins.sax, João Tiago.bat
Festival de MÚSICA onde procuramos abordar os novos rumos da música contemporânea, possibilitados quer pela via da experimentação/improvisação quer pelas novas tecnologias digitais. Uma plataforma de ensaio de formas e formações musicais.
Organização: Rock'n'Cave


Encontrei n'o navio dos espelhos alguns dos livros de poesia que tinha deixado de encontrar por aí. E alguns discos também. E encontrei-a aberta numa noite em que tentávamos (sem conseguir) encontrar o teatro aveirense aberto. Não é fantástico?

o lugar que arrefece.

Por aqui, sabemos que o verão está a chegar ao fim quando as escolas abrem as portas para as aulas. Vestimos camisas de manga comprida. Compomos o ar e tomamos fôlego para os pacíficos combates contra a ignorância. Sabemos que nos foi atribuído um mandato de passar para os estudantes alguma sabedoria e competências necessárias para o seu futuro e o nosso futuro colectivo. E preparamo-nos como qualquer profissional. Olhamos para os conhecimentos e competências, em geral e em detalhe, e planificamos os nossos compromissos de dever. Mas como o nosso trabalho é feito com e para os outros, é preciso saber com quem vamos trabalhar, anos de escolaridade dos estudantes, das condições e cultura da escola e dos pais dos estudantes, colegas professores das diversas equipas que vamos completar, etc. Só sabendo isso tudo é que sabemos o que vamos ensinar e como o vamos fazer, que ferramentas escolher. Não são sempre as mesmas e as nossas preferidas podem nem existir na nova escola, porque o nosso trabalho não é, a esse nível, tão rotineiro como o de quem muda de estaleiro e vai assentar tijolo sobre tijolo às ordens de algum capataz que segue instruções e desenhos de engenheiros e arquitectos.

A dignidade de uma profissão é medida pela forma como dominamos o conteúdo funcional e como manejamos adequadamente as ferramentas da profissão para fazer a obra, qualquer que ela seja. Sabemos que a atempada distribuição de serviço pelos trabalhadores de acordo com as suas qualidades e qualificações é fundamental e dela depende a boa condução dos trabalhos e a produtividade. Mais ainda assim será se pensarmos em serviços de educação e ensino. Não é?

Passámos gerações a hesitar e cometemos demasiados erros na definição das políticas educativas e das necessidades, na especialização funcional dos professores, nas formas dos contratos de trabalho docente, etc. Mas, mais do que antes, é a actual sucessão de erros na colocação de professores que projecta a mais crua luz sobre o valor atribuído à dignidade profissional dos professores e à escola pública pelos governantes que têm a "escola toda".

A incompetência dos mandantes poderá matar a dignidade dos professores, se não os contrariarmos com o óbvio - orgulho e dignidade são propriedade privada de cada um de nós.

Quem quer assassinar o ensino público? Os mais altos (ir)responsáveis dos serviços públicos têm feito de tudo para os desacreditar e (ar)rematá-los em leilão a favor de privados negociantes. Arrefecer os ideais de serviço público é feito com fingimento político. Mas é o que parece. E parece o que é: crime público.


[o aveiro; 23/09/2004]

a idade de QUINO.

Perguntaram-me pela idade do QUINO e eu não sabia. Mandei um palpite: 80. Agora já sei. Na biografia, publicada no "site" oficial do QUINO
pode ler-se:
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1932
QUINO, Joaquín Salvador Lavado, is born to Andalucian Spanish immigrants in the city of Mendoza, Argentina on July 17, although in the official records his birthdate is incorrectly registered as August 17. From the time he was born, he was called Quino in order to distinguish him from his uncle, Joaquín Tejón, a painter with whom Quino discovered his own vocation at the age of three.
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o que faz dele um setentinha.

É um lugar bom para ver alguns desenhos com o traço do Quino Lavado.

a velha mafalda

Li hoje na "Pública" que a mafalda (do quino argentino) tem 40 anos. Quantos anos terá o pai da mafalda? E o quino? E eu?

Abertura da época no jornal

Tudo começa às vezes por respeitarmos as pessoas envolvidas no lançamento de um jornal. Mas também pelo tamanho e pelo aspecto (mancha gráfica, tipo de letra,... ). O que é certo é que nos habituamos às coisas. Foi assim com o Público. Nós mudamos. E o Publico também foi mudando. Algumas vezes chegamos a odiar as políticas dos directores que influenciam drasticamente o jornal, mesmo não podendo alterar as opiniões dos cronistas e dos jornalistas. Amor e ódio. E enquanto ele não perder alguma da vitalidade que é garantida pelas opiniões diversas que ainda por lá se apresentam, que não é visível só pelas opiniões dos cronistas mas até pelos editoriais, lá continuamos a procurar o conforto do que já conhecemos. Lemos muitos jornais, mas há sempre um que nos dá mais conforto que outros e isso pode não ter a ver com os conteúdos principalmente. Há dias em que ocmpro o jornal por puro masoquismo ou para fazer alguma cena de ódio fechada na alma.
Da leitura da madrugada deste sábado, ficam-me alguns artigos de opinião que vale a pena ler. Para além de algumas notícias, claro. Não estou de acordo com todas as ideias expressas em qualquer dos que recomendo. Mas têm ideias. Neste sábado de Público há muitos assuntos, desde o nacional ao local, a valer visita. Foi uma colheita feliz. Não escondo os meus interesses óbvios para esta época de caça: o sector público e, em especial, a educação. E é por isso que recomendo vivamente a leitura
de Santos Silva, Onde o Cronista Se Transforma Num Temível Comunicador , que faz um exercício interessante sobre o sector público e a forma como o governo o olha e o trata;
da odiosa(?) Helena Matos, que fala das escolas públicas como sendo As Nossas Queridas Madrassas, criticando governo, pais, sindicatos, professores, ... e fazendo-me lembrar António Barreto, que ontem também zurzia em tudo e todos e até pedia a contratação de coreanos e afins para pôr ordem nisto, já que ele não sabia como é que se resolvia o problema (ele que é sociólogo, académico, fazedor de opinião, ex-governante-dirigente partidário-deputado, etc além de parvo - como toda a gente - quando a cegueira o ataca e ataca muitas vezes quem sente e tentou, pelo poder, a sorte de salvar a pátria e comeu à mesa dos poderosos mais que a sopa dos pobres);
de Santana Castilho, que também escreve sobre A Galeria dos Incapazes , ministro e ministra, e a fabulosa peça que nos pregaram com a colocação de professores. [Santana Castilho também já foi governante - Secretário de Estado do MInistério da Educação num governo do PPD].

Acho que é tudo boa leitura para todos. Como professor da escola pública, recomendo vivamente o Público de hoje. Os ex-maoístas (meus companheiros da luta contra o tempo em que se vivia) que dirigem o jornal agradecem, sem saber, o meu esforço.

E sobre a abertura das escolas, não há melhor opinião e melhor síntese noticiosa, que a de Luís Afonso, como quase sempre: Bartoon deste glorioso sábado, 18 de Setembro.

Pelo meu lado, tenho de voltar ao trabalho escolar, porque hoje é sábado.

das receitas para bem educar

Sob o título "Um mestre de categoria" a máquina de turing divulga algumas das pérolas de João Caupers sobre a arte de bem educar. Não resistimos a aconselhar vivamente a leitura.
Transcrevo um bocadinho do princípo da coisa:


[...] O Professor João Caupers, Director da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, distribuiu aos seus alunos de Direito Administrativo I neste ano lectivo de 2004/2005 uma nota introdutória que merece aqui um destaque.
O Prof. Caupers sublinha o "nível de exigência muito elevado" que se pratica na disciplina. Isso é bom. E avança a prova desse traço: "os elevados níveis de reprovação (entre 33 e 44%) aí estão como testemunho de tal nível de exigência". Lindo! Em qualquer escola decente, esses níveis de reprovação obrigariam o professor a explicar o que é que funcionou mal, exigiriam uma análise à qualidade pedagógica da actividade docente - até se concluir de que lado estaria o defeito. Neste caso, o Prof. Caupers, não contente com gabar-se desses níveis de reprovação, considera que isso é um indicador da exigência da disciplina. Isso quer dizer que as outras disciplinas da mesma faculdade têm um nível de exigência insuficiente, só porque não chumbam tanto? Aliás, o Prof. Caupers tem uma forma fácil de melhorar a avaliação da sua disciplina: reprova mais alunos e está feito. Nem precisa de fazer nenhum esforço para ser melhor professor. Basta reprovar mais alunos. E chega. [...]


O texto é grande. E esta parte pode não ser mais que um aperitivo. Só ganhamos em conhecer o pensamento de um ilustre mestre, comentado por "aquela máquina". Os meus agradecimentos ao Porfírio pela revelação.

A família

Há razões de sobra para estarmos todos felizes. O Ministro das Finanças disse-nos, a respeito de uma conversa sobre dinheiros, que somos todos membros de uma grande família a viver na mesma casa, contribuindo com dinheiro para a casa, que o estado português é a mãe que conta os tostões da família, decidindo as despesas a fazer. Quem não se sente confortado por fazer parte da grande família do Ministro das Finanças?

Alguns familiares andam zangados, e com razão, porque alguns filhos não contribuem para o bolo da família e não é que não possam. Podem e muito. O pior é que, embora não contribuam com a sua quota parte para o bolo, são os que dão as primeiras e maiores dentadas no bolo colectivo.

Mais zangados estão ainda porque a mãe trata uns como filhos e outros como enteados. Raios a partam! dizem alguns, os que não podem aceitar que a mãe desculpe os filhos mais ricos de não cumprirem com as suas obrigações e os trata por igual ou chega mesmo a favorecê-los quando chega a hora da distribuição da comida.

Pior ainda quando a mãe diz que, para alguns serviços essenciais, vai pedir mais contribuições e de acordo com o que cada um já paga, de tal modo que quem não contribuía continuará sem contribuir e quem já contribui ainda vai ter de contribuir mais. Todos os filhos que trabalham por conta de outrém contribuem e são afinal enteados. Os filhos da mãe não. Dizem os mais zangados que a mãe não devia procurar cobrar mais a quem já paga e que, se há falta de dinheiro, deve obrigar todos a cumprir com as suas obrigações.

Esta mãe diz que não dá mama aos filhos esfomeados para não os habituar mal. E deixa-se sugar por aqueles filhos da mãe que já só mamam por puras gula e inveja.

Não há moral nisto. Ou há e talvez seja esta: Mãe que maltrata a maioria dos seus filhos e protege parasitas acabará devorada pelas carraças das suas ideias. Ou esta: Tal mãe, tal filho das finanças.

[o aveiro; 16/9/2004]