a quarta porta



As cruzes sobre as portas azuis. Todas as portas daquela casa carregam em suas ombreiras muitas cruzes.
Eu também.

a terceira porta



O interessante já não é a porta da casa, nem o mesmo azul noutra casa fechada a sete chaves. O que importa agora é a nesga entre casas. Nâo dá para passar entre as casas. Mais que o nosso olhar nada cabe.

a segunda porta



Outra porta trancada por fora. E o mesmo azul.

Contra o triunfo dos porcos

Esperámos que o povo nos devolvesse pelo voto um país sério e viável. Assim aconteceu.
Eles tinham começado a pensar que podiam manipular o público como se o país fosse o lugar de passagem dos sem cabeça e o poder como uma banheira cheia da água suja do banho de uma manada de criaturas dependentes de mama alheia. Era preciso que houvesse alguma coisa que abalasse a fé desta manada que começava a achar que todo o povo era feliz a ver como a manada engordava e se mostrava luzidia nos rodeios em sua arena.
Era preciso que acontecesse um abalo. E aconteceu. O povo votou todo o empenho em desmentir que o país estava a transformar-se em "quinta de celebridades". De tal modo o fez que os comentadores e analistas de serviço se apressaram a dizer que estes país não corresponde ao país real deles. Imaginem um país que é real quando se comporta de acordo com o império dos sentados comentadores da televisão e não é um país real quando vota na esquerda. Eles são doidos, mesmo não sendo romanos.
Esperámos que o povo nos devolvesse uma esperança qualquer. E o domingo amanheceu com um povo diferente dos conformados com o desemprego, com a corrupção, com o barulho das luzes da hipocrisia. Levantou-se o povo para mostrar aos amanuenses da tolice patética que nada é seguro para todo o sempre e que, para eles como para toda a gente, a porta por onde entraram é também porta de saída e serventia da casa política.
Esperámos que o povo nos devolvesse uma esperança qualquer. E tudo o que queríamos nos foi dado em dobro: a maioria mais que absoluta à esquerda. Os dirigentes socialistas vão ter de controlar os seus apetites e de cumprir a sua obrigação para resolver a grave crise em que o povo trabalhador foi mergulhado. Esperamos políticas de esquerda? Mais que isso: exigimos políticas de esquerda em que as pessoas sejam mais pessoas e menos unidades estatísticas.
Exigimos cultura. E civilização. Depois do que nos foi dado ver e viver com Santana Lopes, Paulo Portas e seus apaniguados arrogantes, qualquer ?nico? de educação será melhor que o nada que tínhamos. Mas não queremos pouco, queremos tudo a que temos direito e isso é mesmo muito, sendo para cada um e para mim nada mais que honra e trabalho social.


[o aveiro; 24/2/2005]

o dia depois

O dia depois amanheceu claro.

Ao vento frio dou a cara
E o passo em frente

Pendura, em cada gota de gente,
Dos meus sorrisos, o mais raro.

Olhar para eles.

Escrevo ao ritmo da transmissão do grande acontecimento que é a chegada de cinco dos líderes partidários ao único frente a frente geral televisivo desta campanha.

Antes tinha assistido ao espectáculo das transmissões das cerimónias fúnebres da carmelita Lúcia, a que não faltaram estrelas políticas e da quinta das celebridades que entraram sem passar pelas dificuldades dos populares e fiéis. O célebre Castelo Branco da quinta da TVI e sua mulher foram protegidos por alas de agentes da Polícia de Segurança Pública(?) como um fiel ou fã especial. Espantoso foi ouvir familiares de Lúcia queixarem-se que a nossa polícia de segurança pública os impedia de entrarem no local do culto e de homenagem. Quem definiu em que consistia o serviço público a prestar? Quem paga isto? Muitos daqueles a quem dificultaram as entradas. Não é?
E voltemos às transmissões das aparições dos líderes partidários. Uma repórter aparece a entrevistar os aparecidos e iluminados. Alguns deles, à saída dos automóveis são cercados por guarda costas e guarda peitos, um deles de gravata preta. Para além da repórter da RTP, há dezenas de outros fotógrafos a fotografar o movimento. Nunca me tinha interessado pelo movimento das personalidades políticas. Mas têm piada estes movimentos de personalidades nas aparições fulgurantes nos estúdios em contraste com as aparições fulgurantemente discretas nas cerimónias católicas.

Ouço agora os políticos em debate. E estou espantado. O mais extraordinário são as declarações sobre decisões políticas. Para os políticos da coligação do poder as decisões contestadas foram boas quando foram legais. Isto começa a ser recorrente. Uma coisa pode ser legal e miserável ao mesmo tempo. Mas parece que os políticos querem fazer passar a ideia de que tudo o que é legal pode ser feito. Um banco pede uma isenção sobre uma operação e ela pode ser concedida à luz da lei. Deve ser concedida? Não.

Há muitas pequenas coisas que decidem o voto. Os corpos de guarda costas, a mentira, a hipocrisia nas aparições dos políticos e nas suas declarações podem determinar o sentido de voto.

Olho para eles e sei em quem posso votar. Olho para eles e acendem-se alertas na consciência a dizer-me em quem não posso votar.

Dou aqui sentido ao meu voto nos desengravatados. Espero continuar a pagar impostos e que estes não possam ser gastos a pagar segurança a artistas de baixo nível como reverso da insegurança do povo.


[o aveiro; 17/02/2005]