excelente

Os nossos governantes actuais que são muitos dos mesmos do passado andam a dizer que é preocupante o actual sistema de avaliação dos professores porque não distingue os bons profissionais dos menos bons e nem sequer dos maus profissionais. Eu inclino-me para pensar que eles têm razão quando falam. Mas não acredito neles. Porquê?

É fácil adivinhar. Fui dirigente de uma escola durante muitos anos. E, sem trair a lealdade a que me obrigo como funcionário público, posso garantir que um ministro atribuíu a classificação de excelente professor do ensino secundário a um funcionário público que não era professor do ensino secundário nos termos que a lei exigia para ser considerado excelente professor do ensino secundário. Prerrogativa de ministro? Talvez legal. Legítima? Eticamente reprovável, digo eu, até porque desautorizou os pareceres necessários dos dirigentes, sem dar cavaco às tropas. [Um ex-ministro socialista diz que a ética é a lei (que ele fez e ele a ele aplica....)]

É fácil adivinhar poque é que eu não posso confiar nos melhores de entre eles.

Há quem faça greve como luta. Há quem faça greve por luto. Há quem faça greve por nojo. Por nojo, mesmo.

passado no topo

Estou cansado de estar no topo da minha carreira de docente.
Há vários anos que por ali ando. Não posso dizer que seja a penar, por que sempre fui professor e o que faço é de professor de ensino básico e secundário. É, para além de tudo o resto, um exercício físico exigente. Sempre cansado é certo, mas sem falhas graves de saúde e com o assobio intacto para improvisar bailes mandados. Com assiduidade.

Para chegar ao topo da minha carrreira, fiz de todas as funções docentes um pouco e um muito e fiz tudo o que foi preciso fazer, formação contínua e exame, relatórios, etc. Pelo sim e pelo não até entreguei os relatórios quando me disseram que, por ser dirigente da escola, não precisava de fazer e entregar relatório para apreciação. Entreguei-o mesmo assim para ter prova e há ofício da administração a devolver o dito.
Fiz a minha carreira como qualquer outro profssional. E não posso aceitar que digam o contrário; quando dizem generalidades os governantes dizem que estou no topo porque tenho idade para isso, porque envelheci simplesmente. Quando falam, os responsáveis pelo estado a que isto chegou cansam-me demais. Até porque foram eles que inventaram este sistema fantástico que lhes permite mentir hoje sobre a sua acção passada e travestirem-se de salvadores em cada nova aparição.

Em greve, para não diminuir o passado!

a greve

Todos sabemos que os estatutos das carreiras dos profissionais da administração pública foram aprovados pelos partidos socialista e social democrata. Não houve outros responsáveis. O estatuto da carreira docente de que se fala muito nos dias de hoje é um desses estatutos encavacados, pré-socráticos ou mesmo socráticos. E, como é óbvio, o estatuto definiu escalões ou patamares e formas de progressão ou de passagem de um para outro escalão e isso não foi mais que definir a avaliação dos professores.
Ninguém consegue aceitar ou sequer perceber as faltas de memória destes eternos governantes (alguns deles nunca foram outra coisa senão deputados e governantes por turnos). Não é possível que se tenham esquecido do que andaram a fazer com a avaliação de professores e outros funcionários, contribuindo ao nível da minúcia do abandalhamento do sistema. De cada professor pode ser dito que tentou passar de um escalão para outro com o mínimo esforço e talvez para ajudar a que o mesmo acontecesse aos seus amigos e colegas. Não acreditando na desmemória dos políticos, o que eles nos dizem hoje é que transformaram em sistema o que não devia ter passado de tentativa falhada deste ou daquele professor menos honesto. Podemos saber que todas as instâncias da administração procederam no sentido de deixar passar a uma progressiva fraude toda a avaliação até porque estes governantes encharcaram a administração pública, em particular, a administração da educação, com criaturas que nada tinham a ver com a coisa pública bem educada. Alguns secretários de estado, directores gerais, directores de serviços, ... destas andanças dos partidos no governo apresentaram-se como gestores da educação que nunca tiveram. Se a tivessem, nunca teriam aceitado a máxima humilhação de aceitarem cargos, como quem aceita pagamento excessivo para ser burro de carga... perigosa e leve.
Os governantes dizem-nos que a avaliação dos professores (aquela que eles decidiram ontem) não existe hoje e que é preciso fazer outra para amanhã. Eles dizem-nos tudo sobre o que eles foram, e, não havendo confissão nem propósito firme de emenda, estão no mesmo passo a dizer-nos quem são e quem serão enquanto puderem engolir.
A greve é uma porta estreita, uma excepção. Nela entramos de lado, olhando de soslaio todos os que se governam tanto quanto nos diz a memória que nos resta.

[o aveiro; 19/10/2006]

nem existir


nem existir, não existir, não existir, não existir, não existir, não ser.
nem restos mortais, nenhuma pompa nem campa sequer, ..., nenhum sinal em memória de mim, nada, mesmo nada.
ter existido e ter sido um dever cumprido... e ter cumprido como um dever o erro de existir já é erro bastante.
reclamar o direito a não existir é existir demais. saber isso e não poder apagar todos os rastos pode ser ...o pior de tudo.
não existir, não existir, não existir, não existir, não existir, não existir, nem existir.

cara...cter

cara...cter

chá

lá fora, a vida

Ouço os gritos lá fora. Não sei de onde, eles chegam até mim voando. Alguns são guinchos entre palavras de ordem. Percebo que os guinchos e os grunhidos fazem parte da integração na universidade, são o santo e a senha ou o código que abre a porta da horda. Está tudo como dantes. No meu tempo de estudante, assim eu levantasse a voz tímida contra qualquer dos poderes estabelecidos, as forças da ordem apareciam para me calar como quem esmaga uma voz. No meu tempo de estudante, havia estudantes que gritavam obscenidades e bebedeiras pelas ruas e as forças da ordem apareciam para os aplaudir, porque a ordem então imposta era a obscenidade de um regime fascista. Continuo sem compreender como é que esta ordem democrática aceita as agressões ao vento que passa de uma turba que se dá ao luxo de gastar semanas e semanas de aulas e trabalho a impedir os novos estudantes de começar a estudar. Os governos do país e das universidades riscam estas semanas do calendário; até parece que quando marcam o início das actividades estão a marcar o início destas actividades performativas que enchem ruas da cidade de jovens pintados, borrados, encharcados e manchados, a marchar ao ritmo marcado por estupidantes e depois, educados para boas maneiras ao chá, para a boçalidade e para a classificação rasca que o rendimento escolar lhes atribui, ao tempo em que prende a realidade, a mesma na mesma, e, como sempre mergulhada no mar dos discursos dos piores do costume a clamar por melhores dias. Fingem mesmo que as actividades performativas degradantes são boas e não perigosas, fingindo acreditar que os meninos só usam produtos antialérgicos, que os humilhados até gostam de ser humilhados quando se defendem não atacando, que as agressões psicológicas não deixam marcas físicas. Eles são doidos. Eles são doidos. E só acordam para a parvoíce quando alguma bebedeira corre mal ou quando o terrorismo faz vítimas que não cabem no armário do costume e do esquecimento. Começo a seguir a teoria da conspiração: o poder político e económico, com seu material genético a dar provas de incapacidade e estupidez criminosas, deixa a coisa andar por estas veredas para que tudo se reproduza da forma mais conveniente e as suas crias, ainda não geneticamente melhoradas, não tenham de enfrentar a concorrência de uma inteligência popular qualquer que se levantasse para os pegar de cernelha, pelas orelhas, pelos cornos, pelo norte magnético. Se eles podem permitir estes luxos asiáticos aos estudantes subsidiados para isso mesmo, ao mesmo tempo que reclamam resultados do sistema educativo, eu posso acreditar numa conspiração, qualquer que ela seja. Eles são doidos! Que me perdoem os doidos verdadeiros que, num acesso de lucidez, fugiram deste filme e berram ainda mais alto para não ouvir o eco disparado para as nuvens. Nestes dias, falha-me a paciência mesmo para o tempo que voa: agarro-o pelo pescoço e sopro com toda a força até que este rebente e se estilhace no ar. Eu quero ouvir a chuva grossa lá fora, um chão que abafe os passos destes batalhões incapazes que brincam como quem dá provas de vida ao sistema (tão tímido a fazer saber que a vida é outra coisa e outro lugar) para que este as subsidie nem que para isso corte nos subsídios à vida produtiva. Todos somos cúmplices deste intervalo oco. Por ser oco? Por não ser oco.
Ouço os gritos lá fora.

[o aveiro; 12/10/2006]

a alma

se não existir a alma, tenho de inventar-lhe
um molde

uma forma que lhe dou
é a do pesadelo que se casa

com o meu coração destroçado

a gota de mágoa

Fulano partia todos os dias, manhã cedo,
para um trabalho a tempo inteiro

e só à terça lhe sobrava uma hora
para fazer o que estou a escrever agora.

Ao domingo comia com o vidro do tinteiro
o rio de tinta por onde no barco, que metia medo
em vez de água,
havia de remar a partir de segunda

desde a foz até à gota de mágoa
uma demanda fecunda

da nascente

da indústria pesada

A última semana de alguns é a primeira semana de outros, sendo que uns e outros podem ser os mesmos enquanto afirmam a diferença que farão no futuro relativamente ao que foram no passado próximo. Para muitos estas diferenças têm sido negativas ou dão resultado negativo, porque os da primeira semana de futuro têm uma última semana de passadão e de passivo.
Os noticiários alertaram-me para a novidade do novo dirigente da indústria não vir de qualquer clube de industriais. Em nenhum pormenor do cenário da cerimónia transmitida em directo consegui vislumbrar razões para o alerta. Aliás, todos os figurões e até os figurantes pareceram-me caras conhecidas do mesmo clube. Percebo pouco de indústria, mas tenho de confessar que me senti a assistir a uma celebração do clube central do país. De que clube falavam os comentadores? Ainda estou para descobrir.
No discurso, muitas frases do ex-secretário presidente começavam por "Comigo,..." para parecerem ora uma ameaça ao porvir ora uma promessa de diferença relativamente ao passado ali omnipresente e, diga-se, omnipotente e omnipatente de major para cima. Queria ele dizer-nos que nunca tinha estado naquele mundo e eu sem ter imaginação que chegue para o ver fora daquele mundo. E gostei de o ver ex-secretário a falar ao secretário do respeito sagrado que a indústria pede e merece e de como exigirá isto, aquilo e transparência nos números das relações da indústria com o estado das secretárias polidas até à transparência. Como terá sido ao tempo em que foi secretário o ex-secretário do estado a que isto chegou? Não tenho memória. Sei que foi transparente até passar de secretário de estado a estado maior da indústria. E dou graças a deus por não ter estado presente quando se mostraram transparentes (e certamente medonhos).
O mais medonho foi quando, sem passar procuração, o ex-secretário começou a transferir as nódoas dos fatos dos industriais da sua liga de metais raros para as togas das justiças interna e externa à indústria. É uma piada bem portuguesa.
Com mais um peso pesado na direcção da indústria, Aveiro arrisca-se a precisar de tratamento... por excesso de peso político.

[o aveiro;5/10/2006]