falar disto e disso e não falar

Os assuntos assumem mais ou menos importância para os cidadãos conforme são mais ou menos falados.
Quando os políticos no poder deixam fora dos seus programas e das suas preocupações um determinado sector, há logo quem pense que esse sector perdeu importância aos olhos da governação e pode sair prejudicado por falta de visibilidade e de medidas viradas para o seu desenvolvimento.
Penso que os cidadãos que actualmente se manifestam contra as mudanças na rede nacional de saúde preferiam que a saúde não tivesse merecido tanta atenção da parte do poder político, já que está a fechar serviços locais de cuidados de saúde. Para o governo, trata-se de garantir os cuidados de saúde com qualidade e ao mesmo tempo garantir a sustentabilidade futura do sistema nacional de saúde. E a atenção centrada no sector faz de cada facto que, noutras ocasiões, não seria notícia e é agora prova disto ou daquilo conforme os interesses em disputa.
Também o sector da educação, que clama e reclama uma atenção especial do conjunto da sociedade, não deixa de reclamar contra as medidas do governo para o sector. Com razão, os professores reclamam melhores condições de vida e de trabalho para um melhor desempenho a traduzir-se em melhores resultados na educação das crianças e jovens. Com apreensão, verificam que as medidas do governo se concentram na organização do trabalho das escolas e nos professores, fazendo crer que os resultados do sistema podem melhorar por simples alterações à organização do trabalho ou do sistema de avaliação dos professores. E cada pequeno facto da vida escolar ganha uma importância extraordinária.

Temos razão quando desconfiamos que, para as medidas governativas actuais, muito contribuíram critérios estranhos à melhoria da saúde ou da educação. E o governo até reconhece que pode estar a explicar mal as suas acções ou sem conseguir encontrar a bondade das ditas.

Já nas discussões locais sobre plano e orçamento para o município, a saúde e a educação ganharam novos sentidos. Pode acontecer que a saúde seja um pau de dois bicos e um parque escolar seja sinónimo de parque de estacionamento. A educação para a saúde da educação ainda vai ser disciplina localmente útil.

[o aveiro; 10/01/2008]

plano e orçamento

plano e orçamento

plano e orçamento

plano e orçamento

sem fim

leva-me para onde fores e chegados lá
conta-me uma história sem final feliz

que eu só aceito destino para a viagem
se a ternura que me deres não tiver fim

A desordem vem de onde se espera

O fim do ano que passou estava cheio de surpresas que o não eram.

Os administradores e gestores do maior banco privado português tinham brincado de faz de conta que o dinheiro dos accionistas era dinheiro dos administradores ou gestores. Emprestavam milhões a amigos e familiares e depois davam por incobráveis essas dívidas sem que nada acontecesse. Sabemos que estão na prisão pessoas que roubaram a milionésima parte dos desvios que ouvimos mencionar neste baile de banqueiros. No labirinto do jogo de faz de conta dos banqueiros e amigos, vimos como eles se deixam filmar em desfiles de pouca vergonha como se nenhum crime houvesse. Há quem diga que, nos casos em estudo, o roubo foi feito de acordo com a lei. E a pouca vergonha que se lhes vê na cara talvez lhes venha de terem acreditado no grande educador cuja ética reside na lei.

Há muito tempo que se vem espalhando a fama das virtudes da iniciativa privada e mais fama ainda têm os gestores privados que passam pelo poder político e até fazem leis convenientes para serem a ética conveniente na troca de favores e aos corredores criados para ir do público ao privado.

Quando a crise se instala no privado, saltam gestores do público para gerir o privado, saltam nomes de conhecidos políticos a querer atribuir a si e aos seus a virtude da boa administração dos bens privados e públicos.

Não, não é a política que dirige a economia. Alguns políticos descobriram que a melhor e mais mesquinha forma de defender os seus interesses mais privados e inconfessáveis é ser político de serviço até passar a gestor privado e depois público e depois privado.

Nunca as viagens entre os sectores público e privado tinham parecido tão privadas. Já nem têm vergonha de vir exigir o quinhão deste ou daquele partido, como se fosse natural dividir a economia pelos partidos que disputam o poder político.

Como pode ser bom o ano que aí vem?

Há alguma irracionalidade no exercício de alguns poderes. Só podemos esperar que a razão e a justiça possam ocupar discretos lugares de onde se deixem ver e ouvir como rigorosos exercícios de liberdade e democracia e não como maus espectáculos sem fim à vista.

Que desordem habita o lugar dos poderosos?

[o aveiro; 04/01/2007]

mudamos de um ano para o outro...



mudamos de um ano para o outro sem sentir essa dor suavíssima das árvores quando perdem as folhas o amarelo e o ouro na suave largada para o fértil chão preparado por tempestades nas noites e neblinas densas nas manhãs.
esperamos ver as folhas verdes nas mesmas árvores e ainda depois as mesmas amarelas ou douradas.

já não há quem chore por imaginar como a vida vai e vem e bem podemos descer encosta abaixo que nem um nenhum soluço estará solto suspenso no ar quieto deste inverno.
nem as vacas nem as vacas para murmurar no prado que nós vimos como elas passeavam entre os anos pachorrentas estrada abaixo
e o carro parado enquanto elas desciam de ano
tenso para subir estradinha acima como quem sopra uma ilusão e vê como voa.

esperamos voltar para ver as folhas verdes nas mesmas árvores dispostas a fazer fronteira entre dois lados do mundo dois mundos.
sabemos em qual dos lados do mundo os amigos plantaram a sua sede.

e bebemos a água roubada à fundura da serra a boa colheita o bom ano.

as caras mais a cara do burro feliz