O que é bom e o que não é

Considero muito positivas todas as discussões públicas de política educativa. Do lado de dentro da esfera de influência das medidas da política governamental, consideramos que, por ser aberta ao público, a opinião dos professores se dissolve e não se forma como opinião técnica insubstituível. De certo modo, arrogamos para os professores um papel especial, subestimamos a nossa opinião como parte da opinião pública. E desvalorizamos a opinião pública sempre que ela se mostra contrária ás nossas razões. Participar em muitos debates sobre as medidas em discussão pública diminui em muito a minha participação individual. Em alguns casos, deixo de exprimir as minhas próprias ideias por elas terem sido prejudicadas em debates dos quais se fazem resumos consensuais.Para não criar incompreensão relativamente a um patamar do debate, pode acontecer que empobreça muito a participação pública. Se é verdade que não devo presumir muito sobre a bondade absoluta das minhas ideias que perdem e se vão desgastando em sucessivos debates, também é verdade que só uma parte dos participantes nas discussões teve acesso a esses pequenos senões. Minúcias? Talvez. Mas como saber que elas se perderam por terem sido apresentadas num sítio, quando podiam ter ganho outro relevo noutro lugar do tempo?
Está em discussão pública o regime jurídico de autonomia, administração e gestão das escolas. Aparentemente, esta questão tem estado na praça pública e não há quem não tenha ouvido cobras e lagartos da parte das organizações representativas dos professores, particularmente, dos sindicatos. Tais manifestações de disputa política reclama a atenção do público, mas pode desviar a discussão dos diversos aspectos, até porque os promotores das manifestações criam a ilusão de que um aspecto é a única coisa importante para esconder todas as outras. Acontece muitas vezes que a praça pública nos leva a recusar globalmente a mudança que podia interessar-nos só por termos concentrado a vontade em rejeitar um aspecto da mudança. O pior disto tudo é que enfraquecemos muito a discussão pública se a trocarmos pela praça pública e isso pode significar que prejudicamos a razão que devia ser dominante para servir de apoio a decisões. Preciso é que todos nos sintamos capazes de tomar decisões conscientes e razoáveis que, pela via da razão, obriguemos a mudar as propostas de decisão ou nos obriguemos a respeitar uma decisão que pudemos discutir livremente e apreciámos as razões que a assistem.
Um abaixo assinado, do qual consta o meu nome, pede o alargamento do tempo para a discussão. Perguntaram-me qual é a minha opinião sobre a proposta em discussão, se tem aspectos positivos, ... Assinamos a petição para dar tempo a quem sente que o não teve. Só para isso e para que tomemos a decisão que pratiquemos como a nossa decisão.

[o aveiro; 31/01/2008]

a escola olha-se ao espelho para ver o quê?

Como estudante e como professor, participei e assisti a muitos confrontos. Não estou a falar só de confrontos políticos que opõem jovens e professores a governos e às autoridades. Assisti a confrontos entre jovens, entre professores, e os que opõem jovens aos seus professores ou que opõem professores aos seus alunos no contexto da escola e da sala de aula. Em todos os ambientes de trabalho (ou de estudo, claro), haja ou não exercício de autoridade de umas pessoas sobre outras, há confrontos e conflitos. Não há professor e não há aluno que não tenha vivido alguma situação de conflito e não tenha sido marcado por boas e más resoluções de conflitos. Naturais são os conflitos na escola, e também o são nas famílias. E, no que toca às relações humanas, todos sabemos que faltam as receitas para os resolver. Uma parte da experiência docente vive dos conflitos que educam.
A profissão docente integra conflitos e resoluções, a um certo nível. Muitos conflitos são educativos para todas as partes e constituem-se imprescindíveis patamares de amadurecimento, de crescimento saudável e de conhecimento de si mesmo na relação com os outros. Um conflito na escola é um problema que pede e espera resolução.

O problema que não tem solução à vista é a ausência de conflito onde parece haver uma agitação parecida com uma guerra sem sentido, travada por crianças e jovens que se movimentam descoordenados, agredindo-se e insultando-se de forma gratuita, traindo regras minuto a minuto como personagens amorais de um video-jogo em que só o movimento doentio conta. Muitos deles esgotam-se num delírio qualquer como se prolongassem uma insónia indisciplinada por uma consola de jogo electrónico montado por outros disciplinadíssimos jovens que, em algum lugar do mundo, se concentram em gestos precisos de que depende a ração diária de arroz.

Não haverá um problema de saúde pública nestas infantis atitudes de desprezo pelas regras que vai até ao desconhecimento dos outros? Parece-me fácil explicar que há. A cura está na escola? Só quando o despertador infantil se afogar em dramas é que vamos discutir a demolição de cada dia? Que nos diz o espelho?

[o aviero; 25/01/2008]