bater do coração

entram na sala e a sala enche-se deles de sons de palavras soltas umas pelas outras palavra puxa palavra pairam palavras por toda a sala de palavras. só uns momentos... até que dêem pela falta das minhas palavras e os olhares comecem a substituir as palavras que se vão sumindo sem que outras tomem o seu lugar. até à sala vazia de sons até que o silêncio seja cal: e eles ouçam o bater compassado do meu coração: e eu possa enfim abrir os olhos para falar.

de certo modo, velho em santiago

o homem cumprimenta-me na rua como se casualmente
me reconhecesse a cara de cabisbaixo cheio de mágoa
hesita por momentos e acaba por falar em ira calmamente
sobre o caso da vizinha idosa a quem cortaram a água

o homem fala como se desdobrasse uma ruga da fala
e pergunta como tornámos as pessoas abertas em fechadas
cada uma como um apartamento de si presa ao sofá da sala
lábios secos presos a torneiras de dor secas e caladas

e pergunta repetidamente quem secou as fontes as nascentes
dos caminhos e dos bairros onde só bebe dos contadores
quem tem moedas para metros cúbicos de banhos quentes
a cantar nas canalizações lá fora por alheios corredores

e pergunta se não posso pedir uma fonte para santiago
que a fonte dos amores não é longe mas feita monumento
às portas da cidade sem água à vista diabo que carago
de cidade onde ainda lavar-se a sede pode ser tormento

eu não sei que diga mas vou adiantando que a junta pode
resolver o problema pode lá ser que possa não saber
da freguesa sem pão e água com essa é que me fode
diz o homem enquanto retoma o caminho sem me ver

pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui