aqui nesta soleira de luz

senta-te meu amor aqui nesta soleira
e deixa que luz grave na palma da minha mão
de  ti uma imagem que sejas tu na escuridão

que não saiba eu se é tua a ausência ou minha a cegueira

más caras

os ministros

à ordem de fogo os ministros do meu país
já não soletram o costume dos disparates:
disparam  da sua ordem mais unida rajadas  de dislates
em sequências de porcaria  pelos canos serrados do nariz.

a vida inteira

a vida inteira
fora eu a esperar-te
em carne viva numa esquina de ruas
como uma carícia aérea  fossem só tuas
a ternura  e a febre de olhar-te
a vida inteira
estendesses a mão até quase tocar-me
sem te afastares mais que um dedo
para que a tua vida virasse o segredo
da ansiedade do teu olhar a desejar-me
a vida inteira
fosse só o instante mais que perfeito
que se recordasse mesmo no imperfeito
a vida inteira

escola interior

olhava-te jardim de uma escola interior
o que via era só uma flor de ferro em brasa
chama quente de me sentir em minha casa

sabendo desde ontem que podia ter sido bem pior

cegueira

neste caso não fui eu quem te fez o altar
que já lá estavas quando ceguei à luz armada

a teus pés de joelhos tremendo humilhada
a minha alma suicida sem saber  a quem rezar

a noite

a noite divide-se em ruas
aliás também a manhã e a tarde e as luas
ou como a vida onde ainda moras
e por onde passo a passo passam as horas

e há instantes em que acontece
visitar-te como quem vem  desaparecer
feito esquina que em teu tempo arrefece
ou gutural canto à falta de palavras por dizer

as caras mais a cara do burro feliz