Outra vida toda a vida.

“Quando dei por ela, já tudo aconteceu. Não sei quando começou, nem como e muito menos porquê. Como se às escondidas do tempo, um pequeno senão de coisa nenhuma tivesse aparecido não se sabe de onde e por ter tropeçado no pequeníssimo e desconhecido obstáculo tivesse desenrolado outra passadeira de descer escadas até aos altos céus. E o que é certo é que quando procurei olhar para trás para ver o tropeço, o tal pequeno senão, não havia nada para ver.  Quando falo disto, não há nada para dizer em minha defesa e já estou cercado por  tantas dúvidas que mais vale acreditar  quando me dizem que ainda sou professor.

Apareceu alguém a dar-me a mão a puxar-me de um passeio para o outro lado da rua por onde nem pensava ir, e eu dei por mim a agradecer a passadeira estendida só para mim e mudei de passeio, de professor ao espelho, para professor do outro lado do espelho.

Como é que é possível que eu não tenha percebido quando deixei de ser professor? Não dei aulas nos últimos 20 anos e sou professor? O que é que me aconteceu, durante os últimos 20 anos, para ocupar um cargo na administração pública da educação? Sem qualquer concurso e  seleccionado por ser obediente militante de um partido do poder, deixei-me estar até me deixar sobressaltar por uma piada sobre o inominável. Quem me suspendeu também se diz professor e anda pela administração pública ou sindicatos, por outros partidos. Também não deu por nada?
Quem é que me fez assim funcionário deste modo desmemoriado da vida até que tenha deixado de ver o ridículo da situação? A piada é que sou  professor sem exercício. Foi acontecendo. Às tantas, já respirei tanto gás ridicularizante que perdi o norte. Eu e os outros como eu.”




Professores de quê? Educadores? Que doença ataca os partidos que transformam  pessoas até elas se convencerem a ser o que não são e, para serem alguma coisa,  dizem-se professores de uma vida inteira  sem escolas, sem aulas e sem alunos. 

Sem espanto algum, damos pelo disparate. Nos últimos trinta anos alguns deuses menores e portugueses andaram a criar  um mundo paralelo e só deles, como contra-exemplo, para desmentir tudo o que disseram, dizem e dirão. 

No nosso mundo, ouve-se uma campaínha de alarme. Na escola real, o professor dá corda aos sapatos, com o livro de ponto na mão, toma o seu lugar no corredor cheio de crianças e jovens. Nas próximas horas, a profissão toma conta de tudo o que dá sentido ao título de professor. Pode ser fácil. Pode ser muito difícil. Tem de ser. E tem muita força.

[o aveiro; 24/05/2007]

2 comentários:

Manuel Carvalho disse...

Caríssimo Arsélio
E quando essa gente se vê ao espelho? Será que vêem um professor?
Disseste tudo!
Um abraço

adealmeida disse...

Pois é! O problema não é só da responsabilidade dos governos e dos partidos. Há também um problema em quem faz vida disso! Não é?

as caras mais a cara do burro feliz