O resultado dessa reflexão apresenta-se de seguida.
Prémio Nacional de Professores na idade dos porquês.
Recentemente...
Há uns meses atrás, o Presidente do Conselho Executivo da Escola José Estevão (Aveiro) veio falar-me do Prémio Nacional de Professores e da intenção de apresentar uma candidatura. Pensava ele e pensavam do mesmo modo outros professores das escolas do concelho, que era eu quem estaria em melhores condições para ser apresentado como candidato ao Prémio. Perguntava ele se eu aceitaria o prémio, caso ele apresentasse a candidatura e o júri me escolhesse. Precisava também que eu esclarecesse alguns aspectos da minha vida profissional ou com elas ligados. Andei alguns dias a pensar no assunto e a fazer poucas perguntas em volta. E respondi que sim. O Presidente do Conselho Executivo fez-me perguntas e deve ter vasculhado o meu gordo registo biográfico. Passado pouco tempo, ele deu por concluído o processo. Nunca mais me fez perguntas, nem se falou mais disso. E a vida continuou igual.
Uns dias antes do ProfMat, Daniel Sampaio telefonou a informar-me que o júri do Prémio, por unanimidade, me tinha escolhido para o receber. A 13 de Novembro, na sessão de entrega dos prémios, Daniel Sampaio fez uma conferência sobre os problemas das escolas e sobre o mal-estar docente. Para cada prémio um elemento do júri lia o texto sobre a decisão do júri de atribuição. via-se um filme sobre a actividade do nomeado e recebia-se o prémio. Eu recebi o Prémio que, bem vistas as coisas, tinha aceite há uns meses atrás na minha escola, oferecido por professores de Aveiro. Só isto.
A vida da escola
A proposta das organizações de Aveiro e, em particular, da escola onde trabalho desde os princípios da década de 80 do século passado foi bem passado. De certo modo, escolheu um dos seus professores mais velhos e em exercício para as representar e escolheu um professor com a muita tralha" acumulada na casa, muita dela vinda de fora dela.
Fui membro do Conselho Directivo e seu presidente em vários períodos. E também fui presidente do Conselho Executivo. Ao longo dos anos, em representação da escola, como docente e dirigente da escola, sem deixar de o ser participei em muitos projectos escolares e em muitas acções de que foram publicadas notícias. E fui dirigente sindical sem deixar de ser professor na escola, assim como fui candidato em campanhas políticas sem deixar as aulas e a actividade escolar. Publiquei opiniões em orgãos da escola e da comunidade, num sentido ou noutro (contraditórios tantas vezes) de acordo com a realidade que me visitava e não com uma ideia qualquer que a fixasse, a tocasse ou desfocasse. Contraditória tralha a minha, mais cheia de fraquezas e dúvidas que de força e certezas E é nestes factos que encontro razão para a escolha que os meus pares fizeram. Um deles, um entre outros, sem ter sido numa só acção que seja.
A escola da vida
A partir da escola, e escolhido pelos Conselhos Directivos e Pedagógicos das escolas de Aveiro, fui o primeiro director do Centro de Formação do conselho e fui escolhido, pelos Directores dos Centros de Formação da Região, para o Conselho Coordenador da Formação contínua de Professores. Nessa qualidade, promovi e ajudei a construir programas e projectos de formação contínua de professores. Nunca sozinho, comigo, por esta via, a receber o prémio, estão professores de todos os graus de ensino, directores regionais, sindicalistas, engenheiros, etc. Vejo os olhos da Lusitana Fonseca, na PT Inovação, para falar de um deles, ou do riso do José Alberto Correia, ou do José João Lucas...
O ensino da Matemática, A efervescência.
E se é verdade que a "tralha" acumulada a partir da escola e das escolas de Aveiro é das escolas no seu conjunto, a minha vida profissional é de professor de Matemática no meu tempo. Membro sem mérito da primeira Direcção Regional do Norte da Sociedade Portuguesa de Matemática, mas depois do 25 de Abril e mais tarde, na Direcção Nacional, fui responsável pela organização do Encontro Nacional de Aveiro, de homenagem a Sebastião e Silva, participante activo, ingénuo e contraditório em todas as propostas de reforma do ensino de Matemática. Muita da “tralha” acumulada em volta do ensino da matemática só pode ser compreendida como parte de um movimento poderoso. A Sociedade Portuguesa de Matemática e, ainda mais fortemente, a Associação de Professores de Matemática e os seus encontros constituíram impulso e razão para grande parte da intervenção (também ela contraditória e em mudança ao longo do tempo, marcada também por falhanços e sucessão de maus juízos que a vida é). Mas se há fortes razões ligadas ao ensino de Matemática na atribuição do Prémio, ele foi atribuído à vitalidade da discussão no movimento dos professores de Matemática, e atribuído muito especialmente a professores do ensino secundário - Graziela Fonseca, como nome que é o meu sendo o de muitos outros - , a professores do ensino superior - Jaime Carvalho e Silva como nome próprio do activista pedagógico interminável ou Domingos Fernandes. E de todos os que discutiram sem reservas os seus pontos de vista e influenciaram ideias e práticas docentes, mesmo não estando vivos - José Pereira Tavares, ou mesmo que não deram por isso - Aurélio Fernandes, Teresa Caldeira de Sousa, Luís Sanchez, Manuel Arala Chaves, Eduardo Veloso,… Defendi tantos pontos de vista e tão acerrimamente até, de cada um, herdar a certeza de que todos escondem alguma virtude e mostraram como defeitos perniciosos quando se quiseram únicos ou melhores.
Prémio
A minha sábia avó marcou o meu destino, esforçadamente medíocre, quando decidiu que eu devia agradecer, com uma caminhada a pé, a conclusão do Curso Geral dos Liceus à Nossa Senhora. Ela sempre soube que sozinho eu não conseguiria atingir um objectivo pequeno que fosse e até a caminhada a pé precisou de ser guiada pela minha mãe. Costumo dizer que sou um professor tornado viável pela irmã mais velha que me criou e pelo 25 de Abril de 1974. Habituei-me a pensar que sou um entre outros, que as minhas iniciativas e acções infinitesimais só ganharam sentido como parte do movimento geral, este sim, forte. O Prémio Nacional de Professores foi-me atribuído por um Júri que deu por isso e pelo serviço que, nas últimas décadas, os práticos (mais ou menos reflexivos, mais ou menos voluntariosas e voluntariosos) prestaram ao sistema educativo. Foi-me atribuído o Prémio que uma dada expressão de vitalidade do movimento docente merecia. E eu aceitei-o. Por momentos, nesse momento do Prémio, senti-me muito sozinho. Nem aí estive sozinho, sei-o agora.
© Arsélio Martins
Suplemento de APMinformação #87. Janeiro de 2008.
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