daqui a pouco é já amanhã


daqui a pouco é já amanhã
e nós não sabemos muito bem como lidar com isso
muito menos sabemos quando as informações que temos
não ajudam os que querem saber

será melhor eu decidir que a partir de amanhã
desista de querer saber
e mude de um dia para o outro
como quem dá um passo sem objetivo
nem balanço para o próximo

de venda posta e sem aparelho auditivo

antónio t


de vez em quando acontecem as mortes
mais simultâneas
que surpreendentes

por sabermos que... e que
as probabilidades não nos permitem
grandes denaveios

Ainda Tonino Guerra

n'o lado esquerdo de 2004, tonino guerra transcrito nas suas línguas

tonino guerra: a névoa


Às vezes a minha aldeia
fica presa dentro da néva
e os pássaros em silêncio sobre os ramos
olham o céu sujo
como o observas tu
dentro do teu carro.


Foi... como uma das histórias para uma noite de calmaria. Falei dele e li algumas das suas histórias em escolas. A primeira vez que li um poema dele foi num azulejo que os meus filhos me trouxeram como gravação física do encontro com Tonino Guerra, na sua aldeia. No azulejo estava escrito o poema "La farfalla". Aqui fica, prejudicado, em português
A Borboleta

Contente, mesmo contente
estive na vida muitas vezes
mas nunca como na Alemanha
quando me libertaram
e me pus a olhar uma borboleta
sem vontade de a comer.

os dias


ontem passaram por mim versos em bando
filigranas de letras unidas esvoaçando

e eu confesso que nem reparei como era bela
a moça de cabelos presos pelo poema
na tocaia de quem lhe soltasse os cabelos

e entrando dentro dos seus olhos à janela
pudesse ver-me assim distraído e triste poeta infeliz

que só pensa em formas eficazes de desentupir a sanita.

o homem sem qualidades

que aconteceu a 11 de março? de que ano? em 1975, acordámos estremunhados a 11 de março e fomos (eu e um amigo) fazer parte do dique entre os dois rios que se formaram em frente ao ralis(?). reconhecemos um amigo fardado e aparentemente envolvido ou surpreendido pela coisa. por ali ficámos, ouvindo, vendo e falando, até percebermos que quem ali estava sabia pouco das razões da sua presença dividida pelos dois rios paralelos e até tudo se transformar na cena fotografada e filmada e radiodifundida que a transforma noutra coisa. então passámos a ser os que saem de cena (drama-tragédia-comédia?). golpe? pelo sim, pelo não, optei por não voltar aos serviços cartográficos nos imprevisíveis dias seguintes. não sei se o meu amigo voltou à sua unidade na marinha. aproveitei para vir para norte, passando por uma reunião clandestinada na vergada tanto quanto me lembro e não me lembro se passei pela família a morar ali perto. quando dias mais tarde voltei aos serviços ninguém tinha dado pela minha falta ou ninguém me falou disso. como se nada se tivesse passado, a vida voltou ao que fora: técnico militar da cartografia do dia e político nos sonhos das ruas dos sonhos.
não me lembro ou pelo menos não guardo provas de termos sido cartofotografados.

perguntas soltas para meias revoltas

por estes dias corre a vida por uma economia paralela
a todas as ruas humanas permanentemente vigiadas
por matilhas tensas para um salto prodigioso

quantos são os lobos quantos são os ladrões verdadeiros
quantos são feras necrófagas quantos os oportunistas
quantos os que contam as ocasiões para a oportunidade
(que faz o ladrão)

quantas mantas de retalhos sobre os olhos fechados e a boca
quantas narinas abertas ao vento das palavras
quantas palavras sussurradas por pares de olhos fechados
(para não ver a dor dos outros)

quantos cheiros fazem uma vala comum
quantos delírios formam um país de navegadores
quantos submarinos em docas secas
(vales de lágrimas e dinheiro pingado e evaporado)

quantos são
quais cheiros são adocicados pelo terror
quais as ciências dos que enchem a boca de razão
(prática toda ela como se fosse pura)

quais são os crimes vitoriosos em palácios da justiça
quais são os frufrus dos novos palácios
quais são os derrotados quais são os vencedores

quais são as necessidades quais são os palácios da caridade
quais são as quadrilhas internacionais quais são os bandidos
quais são os viajantes entre países credos e raças quais são as vendas

quais são os sonhos que são pesadelos
de quem são os sonhos e quais  são pesadelos de outros quais são
que nomes usam dentro de portas que nomes fora de portas

que língua falam que palavras dizem que fardas usam para as guerras
quando as travam quando decidem as ordens de compra e venda
quais os mercados onde compram escravos que executam as ordens

quantos quais quem são e de onde

viajam de lugar nenhum para nenhures
habitam num real mercado virtual da economia global mundial virtual
verdadeiramente paralela à humanidade

cortam-nos ao meio de nós estão no meio de nós são donos da casa
andam a despejar o cheiro do fel para matar a fome e sede
de justiça e a fome e a sede verdadeiras

entre nós eles contam-se pelos dedos
cortam-nos os dedos pelos anéis
e para não podermos contá-los nem apontá-los a dedo

que é só disso que têm medo
de resto contam com a ideia do medo de todos nós
em cada um de nós afinal o que são dias um dia não são dias.

Passos foi a votos

Pediu e recebeu os votos do psd ou do ppd ou da troika. Em sonhos, não tinha lido  "Passos vai a votos" e antes "Passos vai e não volta", porque lhe tinham oferecido uma nova oportunidade e ele tinha ficado a estudar Filosofia pela Sorbonne, em boa companhia. Parece-me que Passos e Sócrates são muito parecidos: começaram a estudar na JSD para passar por universidades de conveniência (ou lojas de padrinhos) até chegarem ao governo, passando por conselhos de administração ou similares. Estudar só mais tarde.

Uma morte de uma estação, Antónia Pozzi

Messaggio

E tu, stella acta notturna
splendi ancora
se per il solco delle strade
grida la triste anima dei cani.

Sorgeranno colline d'erba magra
a coprirti:
ma nel mio buio conquistato
brillerai, fuoco bianco,
parlando ai vivi della mia morte.

(prefácio de José Carlos Soares, sel, e trad, de Inês Dias)

pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui