Os muros, as muralhas.

De O Púiblico de 27 de Novembro, não resistimos a recomendar a leitura de Siza em Lisboa de Miguel Sousa Tavares. Já antes tínhamos respigado um outro artigo de MST que referia o assunto.

O Aveirense também mostra a cara lavada.




Nem imaginam como é reconfortante sabermos que está ali, aberto para nos receber. Ainda não podemos saber o que vai ser. Mas já lá assisti a dois concertos. Num primeiro, apareceu-me Beethoven pouco vibrante (como se tivesse sido abafado) numa das últimas filas da plateia. Mas numa das primeiras filas, já senti toda a vibração da banda (BigBand) de GianLuigi Trovesi nas discussões entre trompetes, saxofones, trombones, … É um conforto saber que está ali, aberto.

A capitania é agora outra. Assim:



Sem tapumes nem andaimes, a antiga capitania aparece lavada e segura sobre as águas. Por trás dela, pode ver-se o pagode chinês que tentou afundá-la. Aproveitando os andaimes e a falta de vigilância ou segurança, uma criança carente e exibicionista subiu ao telhado para despejar uma assinatura como se vomitasse para chamar a atenção.

O problema palestiniano entre 1903 e 1948

António Aurélio Fernandes coligiu uma colecção de notícias a partir da obra
"Chronique du XXe. Siècle – Editions Chroniques". Vale a pena ler, agarrado ao fio do tempo.

1903/08/23 (pag.51)
O sexto congresso sionista e o Estado judaico
Teve início em Basileia ( Suíça) o sexto congresso sionista. O movimento sionista está dividido. Os "territorialistas" , com o escritor Zangwill à cabeça, consideram que, se não é possível a Palestina voltar a ser judaica, seria então necessário criar um Estado judeu num território deserto; a sua palavra de ordem é: "Uma terra sem povo para um povo sem terra". Max Nordau e Theodor Herzl continuam, porém, a defender a ideia de um Estado judeu na Palestina; as teses contidas em "O Estado judeu", de Herzl, obra publicada em 1896, constituem o seu programa.
"L' Alyah", a subida para Israel, começa: colónias judaicas foram fundadas; desde 1880, mais de 25000 judeus chegaram, elevando assim para 70000 o número de judeus vivendo na Terra Santa.

1904/07/03 (pag. 60)
Morreu Theodor Herzl
Theodor Herzl morreu em Edlach, na Áustria. Nascido em 1860, em Budapeste, começou por ser jornalista no "Die Neue Freie Presse" de Viena. Ferido pela raiva anti-semita da populaça quando do envio de Dreyfus para o degredo, Herzl considera absolutamente necessário o estabelecimento de um "abrigo permanente para o povo judaico", tese que ele expõem , em 1896, no seu livro "O Estado Judeu". Em 1897, Herzl confidenciava ao seu jornal: "Se eu quisesse resumir o Congresso sionista de Basileia a uma frase – que eu me resguardo de enunciar publicamente – diria: em Basileia, em 29 de Agosto de 1897, eu fundei o Estado judeu. Se o dissesse em voz alta, ouviria uma gargalhada geral. Mas em 5 anos, em 50 anos, estou seguro que todo o mundo concordará". Ele conseguiu entretanto expandir o movimento sionista.

1909/12/26 a 31 (pag. 120)
Congresso sionista em Hamburgo
Decorrem em Hamburgo o IX Congresso sionista. A assembleia , com 600 participantes, reafirma a sua fidelidade ao programa de Basileia, ou seja, a reivindicação de territórios jurídica e oficialmente garantidos aos judeus. Os membros do Congresso consideram como particularmente problemática e lamentável a interdição de imigração para a Palestina.

1910/09/11 (pag. 131)
100 000 marcos para a próxima colónia sionista
A colonização da Palestina é o tema central do XII congresso dos sionistas alemães. Existem já 32 colónias judaicas na Palestina. 56000 judeus fixaram-se em Jerusalém, 8600 na Tiberíade,. Os sionistas alemães põem a quantia de 100000 marcos à disposição da próxima cooperativa sionista que se estabeleça na Palestina.

1929/08/24 (pag. 400)
Confrontos em Jerusalém entre judeus e árabes
Desde há alguns dias, Jerusalém tem sido teatro de violentos confrontos entre Judeus e Árabes. Cerca de quinhentas pessoas terão sido mortas. A lei marcial foi proclamada na cidade e o alto-comissário solicitou do governo britânico o envio de dois vasos de guerra. Nos Estados Unidos, os círculos judeus pressionam o governo para que intervenham a favor das minorias judaicas da Palestina. É pouco provável a intervenção da Sociedade das Nações.

1930/11/17 (pag. 417)
Londres: debate sobre a Palestina
Paralelamente ao problema indiano, a questão da Palestina voltou este mês à ordem do dia na Grã-Bretanha. Abriu-se um debate nos Comuns a propósito do modo como o governo exerce o seu mandato sobre a Palestina. O primeiro ministro, James Ramsay MacDonald, apresentou um plano que prevê a reinstalação de 10000 famílias árabes que ficaram sem terras após as compras massiças efectuadas pelos colonos judeus. O plano prevê futuramente uma colonização da Palestina que equilibre as implantações judaicas e árabes.
Recordemos que em 1917, a declaração Balfour tinha previsto uma partilha equitativa entre Judeus e Árabes do território sob mandato inglês.

1933/10/28 (pag. 460)
Palestina: revolta dos árabes contra a quota de imigração dos judeus, considerado muito elevado.

1936/06/19 (pag. 495)
Perturbações na Palestina: judeus e árabes confrontam-se
O ministro britânico da colónias acaba de fazer uma comunicação aos Comuns a propósito da situação na Palestina, próxima de uma verdadeira guerra civil. Desde o início do ano, graves afrontamentos se verificam nas zonas sob mandato francês ou britânico da península árabe, provocados pelo afluxo cada vez mais intenso de colonos judeus, na maioria fugindo da Alemanha nazi. Só em 1935, 59000 chegaram à Palestina, facto que os árabes consideram ameaça aos seus interesses vitais. Desde o início do ano que eles se opõem pela força à chegada de novos imigrantes.

1938/07/06 a 12 (pag. 530)
Série de atentados sangrentos na Palestina
A Palestina, província retirada aos turcos em 1918 e confiada aos ingleses quatro anos mais tarde, foi teatro de afrontamentos entre dois nacionalismos entre os quais não parece haver qualquer hipótese de entendimento. Apesar das severas medidas de manutenção da ordem, tomadas pelo governo britânico, os incidentes multiplicam-se em toda a região. […]

1945/10/31 (pag. 676)
Os Árabes opõem-se a um "Estado judeu"
Cresce a tensão entre as comunidades judaica e árabe. A Liga Árabe levanta-se vivamente contra o prosseguimento da imigração judaica. Egipto, Síria, Líbano e Iraque advertem os EU pelas consequências nefastas para as relações internacionais que iria provocar o nascimento de Israel na Palestina, se os americanos persistem na sua criação. Todo este tempo, as actividades do movimento nacionalista judaico desenvolve-se no sentido de forçar os britânicos a deixar o pais.

1945/12/27 (pag. 679)
Vaga de terror na Palestina
Prossegue a vaga de atentados terroristas contra as instalações militares britânicas na Palestina: explodiram bombas em Jerusalém, em Tel Aviv e Haifa, fazendo dez vítimas. Uma vaga de prisões desencadeada pelo exército e policia britânicos leva à prisão 2000 judeus entre os 16 e os 40 anos. Três organizações são suspeitas quanto à origem dos atentados: 1 – A Hagana, exército secreto judeu, especialista na imigração clandestina; 2 – A organização militar Irgoun Zwai Leumi, dirigida por Menahem Begin; 3 – Os grupos nacionalistas "Stern", assim chamados após a morte do seu chefe, Abraham Stern (morto pela policia em 1942). O seu fim comum é a criação de um Estado judeu na Palestina, destinado a acolher os judeus europeus que sobreviveram aos massacres nazis. Os Britânicos, porém, consideram que é necessário ter em conta os interesses árabes.

1946/01/13 (pag. 682)
O governo britânico fixa a quota mensal de imigração judaica na Palestina em 10500 pessoas.

1946/02/26 (pag. 683)
Atentado no Monte Carmelo
Acabam de verificar-se atentados na Palestina contra uma estação de radar britânica no Monte Carmelo e os comissariados principais de Tel Asviv e Haifa. Quatro judeus mortos em Tel Aviv, quando do atentado, foram inumados perante uma multidão de 5000 pessoas. Após novos atentados contra aeródromos britânicos com a destruição de 22 aviões, foram presos 5000 judeus.

1946/08/12 (690)
A Grã- Bretanha ordena a suspensão da imigração judaica para a Palestina e encarcera em Chipre aqueles que a favorecem.

1946/10/04 (691)
O presidente americano Harry Truman pede ao primeiro ministro britânico Clement Attlee que autorize de novo a imigração judaica para a Palestina.

1947/02/06 (698)
O alto-comissário árabe declara na ONU a sua recusa absoluta relativamente à resolução que cria o Estado de Israel.

1947/03/01 (pag. 699)
Lei marcial em Jerusalém
Sucedem-se os confrontos na Palestina. Doze pessoas perderam a vida num atentado na messe dos oficiais britânicos em Jerusalém; vários outros ataques foram perpetrados contra as instalações e as unidades britânicas em Tel Aviv, para desviar a atenção da chegada de um navio clandestino carregado de imigrantes.
A proclamação do estado de sitio e as limitações impostas pelos britânicos à liberdade de circulação aumenta o desemprego e provoca uma animosidade crescente da população judaica.

1947/04/28 (pag. 699)
Nova Iorque: primeira assembleia extraordinária da ONU; a Palestina está na ordem do dia.

1947/05/18 (pag. 700)
Golpe de força do Irgoun na Palestina
A proposta que acaba de ser apresentada às Nações Unidas pela Liga Árabe, pede a retirada das tropas britânicas da Palestina, assim como a criação de um Estado palestiniano; não foi dado voto favorável pela organização. As Nações Unidas vão criar uma comissão cujo fim é fazer um inquérito sobre os acontecimentos na Palestina. As organizações secretas judaicas declararam que aceitavam suspender os seus atentados durante o inquérito, na condição que os britânicos empreendam nada pela sua parte.
No início do mês, um ataque à prisão de Saint-Jean-d'Acre permitiu à Irgoun Zwai Leumi libertar 189 dos seus compatriotas judeus aprisionados. Esta evasão espectacular foi possível após o Irgoun ter feito explodir um muro da prisão.

1947/07/18 (pag. 701)
A longa errância do "Êxodus"
Há oito dias, o navio "Presidente Warfield" tinha deixado o porto de Sete com 4530 judeus a bordo, refugiados da Alemanha. O barco dirigia-se à Palestina. Antes de chegar a Haifa, foi rebaptizado como "Exodus", em homenagem à marcha de Moisés e do seu povo para a terra prometida. No dia seguinte, as autoridades britânicas do porto de Haifa recusaram o desembarque dos passageiros. Reconduzido a Marselha sob escolta britânica, o barco chegou hoje; desta vez foram os judeus que recusaram o desembarque.. As autoridades inglesas mostram-se inflexíveis, alegando a qualidade de imigrantes clandestinos dos passageiros. De facto, trata-se de "pessoas deslocadas" da Europa central e oriental. Considera-se que devem ser reenviadas para a Alemanha. A situação provoca uma grande emoção em todo o mundo.
Defende-se que os judeus, já martirizados durante a guerra, merecem encontrar uma pátria. A única solução aceitável parece ser a constituição de um Estado judeu independente na Palestina. Mas o clima na Palestina degradou-se consideravelmente depois do atentado ao Hotel Rei David que custou a vida a 110 britânicos do quartel general; eles tinham recusado ser evacuados, apesar de um alerta telefónico. A opinião pública inglesa teme as agressões do exército secreto judeu Irgoun.

1947/08/22 (pag. 702)
Os passageiros do "Exodus" que recusaram desembarcar em França, foram conduzidos para Hamburgo onde terão de sair, a bem ou a mal.

1947/09/07 (pag. 703)
Os refugiados do "Exodus" desembarcaram à força em Hamburgo.

1947/09/20 (pag.703)
Início dos ataques sistemáticos da população árabe contra a população judaica.

1947/11 (pag. 704)
10. Os Estados Unidos dão o seu acordo ao fim do mandato britânico na Palestina em 31 de Maio de 1948.
16. As primeiras tropas britânicas abandonam a Palestina.
29. A ONU decide a partilha da Palestina em dois Estados, um árabe, outro judeu, reservando para si a administração de Jerusalém.
30. Síria: grande manifestação em Damasco contra Israel, a França e os Estados Unidos.

1948/04 (pag. 710)
09. Palestina: massacre dos habitantes da aldeia árabe de Deir Yassin.
22. As tropas judaicas tomam Haifa. A França pede urgência na tutela da ONU para proteger os Lugares santos.
26. Aman. a conferência dos chefes de estado árabes decide intensificar os atentados anti-sionistas.
28. A Legião árabe, apoiada pelos britânicos, toma Jericó.

1948/05/14 (pag. 711)
Nascimento do Estado de Israel
À meia-noite termina o mandato sobre a Palestina que a Sociedade das Nações havia confiado à Grã-Bretanha em 29 de Setembro de 1923. As tropas britânicas deverão ter evacuado totalmente o país até 1 de Agosto, no máximo. Em 15 de Maio, Sábado, o Conselho nacional judaico e o Congresso mundial sionista deram a conhecer, com um dia de avanço, a notícia da fundação do Estado de Israel.
O antigo Estado de Israel tinha desaparecido no ano 70, quando da destruição de Jerusalém pelas tropas romanas do imperador Tito; os judeus dispersaram-se por todo o mundo. O sionismo, nascido das perseguições aos judeus na Europa de Leste no fim do século XIX e no início do século XX, reivindica, por razões politicas e religiosas, o regresso dos judeus para a Palestina, lugar de refúgio e pátria. Esta reivindicação dos sionistas encontra um largo apoio na sequência dos crimes perpetrados pelos fascistas contra os judeus nos anos 30 e durante a segunda guerra mundial.
As comunidades judaica e árabe na Palestina afrontaram-se de modo sangrento no final do mandato britânico. Em 13 de Maio, a Liga árabe declarou guerra aos judeus da Palestina e atacou os seus locais de implantação. A Legião árabe da Transjordânia cerca a guarnição israelita de Jerusalém e força-a a render-se. O presidente do novo Estado de Israel, o químico Chaim Weizmann e o chefe do movimento sionista, David Ben Gourion, presidente do Conselho, anunciam que a Hagana, exército secreto judeu, será doravante o exército oficial do Estado de Israel. Os seus efectivos serão reforçados por imigrantes judeus, provenientes sobretudo dos campos de internamento de Chipre e da Europa; o exército israelita é composto por 85000 homens.
Cerca de 100000 árabes fogem, em Maio, das zonas sob controle israelita. Enquanto Haifa e Acre estão em mãos israelitas, travam-se duros combates na estrada para Jerusalém.
Apesar das suas divergências em vários pontos, os EUA e a URSS entendem-se para favorecer um cessar fogo na Palestina; os britânicos decidem apoiar os Árabes, até que, em 24/02/1949, a ONU declara ilegais as suas acções. (…)

1948/12 (pag. 722)
Reinício dos combates no Néguev
As negociações para o armistício entre Israel e os países árabes que deveriam iniciar-se na ilha de Rodes no princípio do próximo ano, estão a ser preparadas quer diplomaticamente, na ONU, quer militarmente no terreno. (…)
No fim do mês, o exército israelita tenta apoderar-se da margem costeira de Gaza, no sul, alcançando el-Arish, a meio caminho das suas fronteiras oficiais e do delta do Nilo. As advertências do Departamento de Estado americano e as ameaças britânicas obrigaram-no a retroceder. Pelo contrario, o Néguev meridional (…) é tenazmente mantido após uma operação com o significativo nome de "Facto consumado". Os israelitas garantem assim um acesso ao mar Vermelho; apoderaram-se assim de mil e trezentos quilómetros quadrados e de cento e doze aldeias inicialmente atribuídos à Palestina árabe, à custa de nove mil mortos e feridos.

A compaixão dos ricos.

A semana passada foi marcada pelo conhecimento público da derrapagem das contas da coisa pública. Ao contrario do que foi anunciado aos quatro ventos pelo governo, as politicas restritivas seguidas não garantem o controle do défice abaixo do tecto dos 3%. De facto, entusiasmados com a vitória contra o povo, os atletas da selecção da maioria mandaram ao ar os seus dirigentes e rompem o tecto, por este ser baixo demais e falso. Os tectos não podem ser obstáculo à ascensão dos patrióticos dirigentes. Onde é que eu já ouvi isto?

Resistindo a todas as cautelas, e recusando mesmo os caldos de galinha, o ministro Ferreira Leite mantém, nas palavras, a fasquia nos inultrapassáveis 3%. Bem podemos tentar imaginar o que pensa vender o governo nestes próximos 2 meses! Vender a um banco (detido por um “nobre” árabe) as dívidas ao fisco ou similares é prova de imaginação fabulosa.
Damos por nós a inventariar o património do estado, real e imaginário, que vai ser trocado por miúdos – por seis mil milhões de euros miúdos. E começamos a esconder os casacos menos coçados e até a temer que nos vendam o dia de amanhã, enquanto estivermos a dormir a noite de hoje.

A situação ainda não tinha chegado ao seu melhor. Finalmente, Durão Barroso anuncia que “Portugal compreende os problemas sentidos pela Alemanha e pela França, razão pela qual votou a favor da proposta da maioria dos ministros das Finanças da Zona Euro que iliba os dois países de serem penalizados pela Comissão Europeia por défices excessivos”. Li exactamente isto neste abençoado início de semana.

Não é o máximo? Já há muito tempo que não me sentia tão vaidoso de ser português. E há ainda quem ache que o ministro da informação de Saddam é que é bom! Já era! Em termos de paródia e contra-informação, é impossível competir connosco!



[o aveiro; 27/11/2003]

14-4=10

1. A insegurança no Iraque está a fazer vacilar os norte-americanos e alguns dos seus aliados. O governo filipino está a acompanhar a situação, abandonando as intenções de reforçar a sua presença e ponderando mesmo a possibilidade de fazer regressar a lugar seguro (onde é que isso é) os efectivos filipinos que se encontram no Iraque. Face aos últimos acontecimentos, o governo japonês cancelou o envio das suas tropas para o Iraque. São governos fracos a ceder perante o terrorismo internacional.
Felizmente que o governo português se mantém firme como governo de uma grande potencia aliada dos Estados Unidos e da Inglaterra e, cedo envia a GNR para mais tarde. A “grande partida” da GNR é grande notícia. Tal é o entusiasmo, que o governo oferece viagens a 14 ou 15 jornalistas acompanhantes da missão da GNR. Mal tentam entrar no Iraque atrás uns dos outros, os jornalistas e os seus bonitos carros tornam-se vítimas dos bandidos seguros por uma coligação de salvadores (acrescentada da indomável boa vontade de Durão). Uma jornalista é mesmo baleada e outro é raptado. Durante alguns dias, as reportagens incidem sobre as peripécias (que acabam menos mal) dos acompanhantes da GNR. Até chegar à cidade que a GNR vai patrulhar, os jornalistas dão-nos conta que não podem colher informações, agora tolhidos por razões de segurança. A ementa do jantar das tropas é notícia
A seguir ao macarrão, ficamos a saber que o governo e a GNR só garantem a segurança de 4 jornalistas. Figueiredo Lopes, nosso inefável ministro da administração, neste caso, externa, acompanhado pelo comando da GNR, garante que a estes jornalistas só prometeu a nocturna viagem ao Koweit. para que eles reportassem sobre o aéreo perfume do ânimo. No Iraque, os jornalistas que acompanham são instalados pelos italianos no hotel da cidade, antes de serem informados do abandono a que o governo vai votar 10 deles. O engano é a nova notícia?

2. De vez em quando a Matemática é notícia como escândalo de negativas. Estou em Santarém, a participar num encontro nacional da Associação de Professores de Matemática (ProfMat) em que mais de mil professores e investigadores procuram formas de melhorar o ensino da Matemática. Não é um escândalo de positivas? Será que vai ter cobertura informativa?



O que é notícia? 10 é a indiferença? 4 é a diferença? 14-10=4? Matemática?


[o aveiro; 20/11/2003]

Um dia em Santa Maria

Não se pode resistir a transcrever um artigo publicado n'O Público de hoje. António Aurélio Fernandes aconselhou-mo. E eu faço-o, com a devida vénia, na urgência da denúncia e em protesto (de solidariedade).

Um Dia em Santa Maria
Por JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
Terça-feira, 11 de Novembro de 2003



São 11h45 quando entro na Urgência do Hospital de Santa Maria, a acompanhar um familiar que sofreu uma queda. Mandam-nos para uma sala de espera e dizem-me que temos de esperar que nos chamem para ir à triagem. Um quadro branco afixado na parede tem escrito em cima "Tempo de espera". Na coluna da esquerda tem escritos os códigos que representam a gravidade de cada doente ou acidentado: "Vermelho", "Laranja", "Amarelo", "Verde", "Azul". À frente de cada cor, na coluna seguinte, está assinalado o tempo médio de espera. À frente de "Verde" está escrito "35 minutos", todas as outras cores têm um traço à frente. Pergunto o que significa o traço. Quer dizer que não há tempo de espera? Que não se sabe? Dizem-me que quer dizer que não há qualquer espera. Mas a sala de espera está cheia! A empregada no balcão de informações encolhe os ombros e volta-se para um recém-chegado.

As pessoas na sala de espera começam a desfiar as suas queixas para o ar. Uma delas espera há uma hora, outra quase há três. Volto ao balcão de informações e pergunto como se explica a diferença entre o quadro e a realidade. A funcionária finge que não me ouve mas um segurança explica-me que o tempo marcado na tabela é o tempo que leva um doente da triagem até ser visto pelo médico. O tempo que se espera até à triagem não é contabilizado. É excelente para as estatísticas! Tão bom como a maneira de contabilizar as listas de espera de cirurgia - só se contam os casos que se quer, da maneira que se quer, até se chegar a um número confortável.

Às 12h50 um enfermeiro vem actualizar o quadro. Apaga os 35 minutos que estavam na mesma linha que "Verde" e escreve um traço. Digo-lhe que estou à espera há uma hora e cinco minutos e que o seu quadro é uma fraude. Responde-me a mesma coisa que o segurança: o quadro mede o tempo desde a triagem até ao médico. Repito-lhe que o quadro induz os utentes em erro e que não passa de uma fraude. Responde-me que é enfermeiro, que não lhe compete ouvir a minha reclamação, que posso falar às funcionárias no balcão de atendimento.

Às 13h20 chamam o nome do meu familiar. Entramos na triagem. Um interrogatório sumário, uma medida de tensão, nenhuma observação. Regresso à sala de espera. Chamam-nos de novo passados quatro minutos. Uma hora e 40 minutos depois de ter visto escrito preto no branco que na Urgência de Santa Maria ninguém espera sequer um minuto para ser atendido, vemos à nossa frente o primeiro médico.

Interrogatório, exame, a papeleta começa a encher-se de pedidos de exames, de análises, de notas. Do médico passamos para uma sala de tratamentos. Às 14h00 o meu familiar é enviado para o Serviço de Observação, onde já não o posso acompanhar. Dizem-me para esperar no corredor, pois um médico virá falar comigo, para me pedir pormenores da história clínica. Espero meia hora, uma hora, duas horas. Ando de um lado para o outro frente ao guichet da enfermeira para que veja que estou por ali, de vez em quando pergunto quando poderei falar ao médico, peço informações. A dada altura a enfermeira, sempre delicada, explica-me que é mais urgente tratar os doentes que falar aos familiares. Claro que concordo, mas os dados da história clínica não serão necessários?

Às 17h30 vejo passar, numa maca, a pessoa que acompanho. Dizem-me que vai fazer uma ecografia e uma TAC. Posso acompanhá-la se quiser. Deixam-nos na sala de espera da Imagiologia. Um pouco depois das 19h00 faz a ecografia. Às 19h13 vai fazer a TAC.

Estamos no hospital há sete horas e meia mas a tabela afixada na urgência diz que o nosso tempo de espera é zero minutos. Nunca saberei quanto tempo demoraria todo o processo até ao diagnóstico porque a minha mãe morreu na mesa da TAC durante o exame.

A arte do tempo português

1.
Olho da janela larga para a rua estreita em frente. A rua estreita dá para um amplo parque de estacionamento. Vejo os carros a chegar. Raros são os carros que desaguam no parque de estacionamento gratuito; vão ficando por ali ao longo da rua, tornando-a ainda mais estreita. Chega um novo carro e fica mesmo em contramão na curva a menos de dois passos do primeiro lugar livre no parque. Finalmente chega um outro carro que toma o lugar atrás do anterior com o rabo para dentro da rua que se estrangula na curva à entrada do parque vazio. Dos carros, saem altíssimos jovens mais ou menos desportivos que dão passadas largas para o pavilhão ali ao lado. Penso eu: Vão atrasados! Mas olho para baixo e vejo-os por ali a conversar uns com os outros. Se tivessem cumprido as regras do estacionamento, demorariam um minuto mais a chegar à esquina. Não têm um minuto a perder e não podem prejudicar o aquecimento que antecede o treino.
2.
Chego à repartição pública. O acto está marcado para as 10 horas. Às 11h dizem-nos que falta pouco. Quando acaba o que fomos fazer em 10 minutos, passaram 3 horas sobre a hora marcada. Para quem é que o meu tempo não vale um chavo?
3.
Chego ao consultório médico privado à hora marcada. Vou para a sala de espera. Passa-se uma, duas horas. Finalmente, chamam-me para ser atendido. Sou despachado – o médico lê os resultados das análises que lhe entrego e escreve um resumo na ficha clínica que vai preenchendo. Devolve-me os papeis, passados dez minutos ou menos. O recibo garante-me que os dez minutos do médico valem 60 euros. Uma das suas horas vale 360 euros. Porque é que as duas horas de vida que me roubou não valem coisa alguma?
4.
Compro uma máquina. Quando passado tempo avaria, telefona-se para a oficina de reparações recomendada que garante valer a pena consertar a máquina que é uma boa máquina. Vão marcando horas para virem ver a máquina e repará-la. Substituem o painel electrónico depois de nos ocuparem horas da nossa vida. Cobram o painel e o tempo e o painel fica avariado. Levam o painel novo e recolocam o antigo. Vão prometendo. Hão-de vir. Ficam com o painel e o dinheiro. Ficam com o nosso tempo que, para eles, vale nada. Avaria definitivamente o painel. O distribuidor da marca recomenda outra oficina. E vem um novo artista. Substitui o painel que fica a ser testado quando ele sai depois de ter cobrado. O painel novo também não funciona. Telefonamos até nos afogarmos em tristeza. Ficam sempre espantados quando dizemos: “A essa hora não! Não posso faltar ao trabalho!.”

Porque é que o tempo é sempre tão precioso para todos aqueles que não dão qualquer valia ao tempo dos outros? Públicos e privados, são milhares os que assim olham para os outros. São portugueses e isso faz de nós tristes figuras, vítimas tanto da incompetência como da arrogância, vítimas da má-educação. O debate sobre o "português" é sempre um debate sobre o passado da educação como presente que damos ao futuro.

[o aveiro; 13/11/2003]

Outras ameaças: Siza

Miguel Sousa Tavares assina A Ameaça Nº 1 e Outras Ameaças no Público da passada 6ª feira. Recomendo vivamente a leitura. E não resisto a transcrever a última das suas outras ameaças:



Uma luta desencadeada por um grupo de cidadãos, do qual tive a honra de fazer parte, impediu, aqui há uns anos, que a administração do Porto de Lisboa emparedasse o rio, através de um plano denominado POZOR, que consistia numa barreira de edificios separando de vez o Tejo da cidade. Dessa vez, a luta foi ganha, mas estas coisas regressam sempre ciclicamente. Eis que surge agora novo plano para a zona de Alcântara, que prevê, entre não sei quantos hotéis e edifícios vários, três torres de 105 metros de altura cada, uma em forma de cilindro, a outra em forma de pirâmide e a terceira em forma de qualquer coisa de que já não me lembro - talvez em forma de supositório. Assina o projecto o inevitável Siza Vieira, o que significa que conta à partida com o apoio entusiástico do presidente da câmara que alguns de vocês elegeram e com todas as aprovações necessárias, venham ou não venham previstas no PDM. Desta vez, palpita-me que a luta está perdida ou é mesmo inútil: quem somos nós, simples passeantes, amantes e olhantes do Tejo, para nos opormos à terrível tentação que o monstro sagrado que é Siza Vieira sempre teve de ocultar as vistas, sejam elas quais forem e seja onde for? Que lhe importará a ele que milhares de pessoas deixem de ver ali o rio, se passam a ver antes as suas torres, que algures, em Baden-Baden ou em Phoenix, no Arizona, um júri que jamais viu o Tejo em Lisboa se encarregará de premiar como obra-prima da arquitectura contemporânea?

Levem-nos tudo: as florestas, os parques, a ria de Alvor e a ria Formosa, o litoral alentejano. Mas deixem-nos ao menos ver o Tejo em Lisboa e o Douro no Porto. Será pedir de mais?

auri-negro

o beira mar ganhou ao benfica: o vermelho dá o lugar ao preto enquanto o amarelo passa a ser ouro
foi isso?
fiquei minúsculo por ter ouvido dizer que isso foi importante para aveiro.
o que é aveiro?

outras vezes desenhamos uma escada no verso


às vezes faz as vezes da pintura o verso das coisas


(…)

cego de amor
por ter disposto
as pedras todas
dos meus olhos
no teu rosto.

(…)

em teu corpo
precedem sempre a obra
pequenas demolições
a que, na sombra,
só o coração assiste.

(…)



in AS IMAGENS DOMINANTES de luis miguel queirós

O desejo do eclipse

Na noite de sábado para domingo próximos, será visível em Portugal o segundo eclipse lunar total do ano. A Lua esconde-se atrás da Terra e deixa de ver o Sol durante três horas e trinta e dois minutos, mergulhada num cone de sombra. Já em Maio deste ano, a Lua se tinha escondido do Sol atrás da Terra. Quando isso acontece, dou comigo a olhar para o céu na esperança de não ver, na esperança desse momento mágico em que deixo de ver a Lua enquanto a Terra a esconde do Sol. Não espero outra coisa senão a escuridão onde antes via a Lua. Como se a Lua procurasse a minha sombra para se esconder de mim. Preparo-me para a cerimónia. Sem abrir o jogo, sem mostrar os detalhes do vestido dos meus olhos, me preparo para o momento da escuridão. Com a cabeça na lua.

Há momentos em que pedimos a Lua como refúgio. Outras, como ponto de observação. Já imaginaram o sossego de quem tenta ver e ouvir, a partir da Lua, o debate sobre o Orçamento de Estado no nosso parlamento? Nem víamos o parlamento por mais que nos esforçássemos, nem ouvíamos o que por obrigação (e um pouco de temor, porque não dizê-lo?) temos de ouvir. Muito menos víamos ou ouvíamos o governo. Já imaginaram? Tão longe disto tudo, até podíamos fingir que o orçamento não nos afectava. Claro que perdíamos aquelas fases delirantes das trocas de galhardetes entre os deputados da maioria e o governo a respeito das maravilhas que uns produzem e os outros nem imaginariam possíveis e, por isso, tão embasbacados agradecem aos seus maiores. Eu sei que há disfarces para o ridículo, como há formas de disfarçar as rugas ou as brancas. Não me passava pela cabeça que os deputados da maioria no poder, no seu esforço de agradar ao governo, tivessem tanto orgulho em dar voz à vénia apatetada. Assumem-se no seu ridículo como outros se assumem para outras coisas. Há muito tempo que não misturava a vontade de rir com a piedade por essa humanidade bajulante. Se calhar sempre andou por aí nestes debates mais formais em que o governo jura que há chuva no nabal e sol na eira e eu é que me tenho dispensado de ouvir em pormenor.

Cada governo foi (antes de o ser) governo sombra de outro. Chegam mesmo a fazer sombra uns aos outros. Crescem à sombra uns dos outros. Tentam discursos brilhantes para iluminar o pais. Só que onde há luz, há sombra. Alguns ficam inundados de luz. Ao povo sobra sombra.
A Lua vai viver um eclipse aos meus olhos. O governo diz que não vai sofrer qualquer eclipse nos próximos tempos. Que pena! Um eclipse total de governo teria o seu encanto.

[o aveiro; 6/11/2003]