ontem

ontem foi o dia da manuela. a meio da manhã, partimos para lisboa e acampámos na suprema, no vá-vá, para um lado e para outro, avenida de roma, alvalade, ... por ali para estarmos perto da manuela. de vez em quando íamos tocar à campaínha da casa da manuela. não, não era importante que ela nos respondesse ou que abrisse a porta. só precisávamos de estar por ali. não precisávamos de ser vistos nem achados. ontem foi o dia da manuela.

a sorte pequena

1. As boas notícias chegaram à câmara da capital. Uma barraca foi montada na capital da capital até ser pública e notória. Provavelmente, o acampamento está lá montado desde há muito e ninguém nos mostrava a fotografia. Finalmente, diários e semanários estão a informar-nos dos pormenores na fotografia do acampamento. Há mesmo indicações sobre quem finge nunca ter aparecido na fotografia.

E tudo se torna tão ridículo até nos tornarmos uma meia nação ridícula. Alguns actores destas corruptelas do filme da corrupção corriqueira nacional puseram-se em bicos de pés para serem arautos de uma nova era livre de toda a corrupção. Alguns actores que são também malabaristas aproveitaram a oportunidade para cavalgar uma oportunidade de poder. Quando é desvendada ou é mostrada à luz do dia, a corrupção transforma-se em circo. Os espectadores começam a seguir as peripécias das cenas que se sucedem vertiginosas na arena do circo até esquecerem o cheiro nauseabundo das traseiras onde se alimentam os felinos - corruptores e corruptos.

Já tínhamos visto algumas cenas do tipo noutras câmaras e vimos como se transforma a claridade em embrulhada.

2. As boas notícias chegam ao parlamento. Um deputado socialista prepara um pacote legislativo contra a corrupção. Os anúncios feitos sobre a produção da coisa, transformam a coisa em finalidade vital para quem propõe... Depois tudo se precipita quando o autor do pacote é convidado para um alto cargo no banco europeu para a recuperação e desenvolvimento. O deputado procura consenso em volta das suas propostas. Sobre o consenso (im)possível sai ao terreiro do parlamento o nosso primeiro e canta o que pensa sobre as propostas do deputado a caminho do cargo europeu. A maneira como o nosso primeiro solta a língua na câmara é considerada muito deselegante, mais ainda por não resistir a adjectivos que um governo não pode colar a quem vai para um cargo onde todos os adjectivos contam.

Porque será que o nosso primeiro pensou que precisava de diminuir quem estava na linha de partida? Porque será que tinha de diminuir tão claramente a bancada que o apoia e ainda mais o inefável chefe da dita?

O deputado parte com a consciência do dever contido. E a protecção dos rabos de palha não é descurada. Mantém-se a reserva. Se a corrupção está em todas as bocas, o combate à corrupção é só bocas, da boca para fora.

[o aveiro; 1/2/2007]

red albinos

Na revista jazz.pt, rui eduardo paes coloca

tables of mutations and polymorphismes
red albinos
let's go to war


entre os melhores discos nacionais do ano findo.

Podem ver:


gostei.

uma flor de frio

Muitas vezes, ouço-me a dizer "Antes morrer!" reagindo a alguma oferta de apoio ou de ajuda. Isso acontece quando não quero incomodar os outros que teriam de mudar algum momento da sua vida para um apoio imprevisto a mim, o outro, o estranho. Ou acontece porque eu tenho de provar todos os dias que não precisa de ajuda e que se precisasse mais valia morrer? Antes a morte que tal sorte!

Muitas vezes, ouço-me dizer "Porquê?" em resposta a cumprimentos de bom dia ou boa tarde. Não sei porque digo essas coisas que nem sempre são bem entendidas por quem faz e refaz os cumprimentos, tecendo a sua manta de relações. Quando a iniciativa é minha lá vou dizendo "Boa tarde vos dê o Senhor já que eu não tenho competência para tanto" como quem não dá valor a votos embrulhados na circunstância dos cumprimentos. De facto, só me dou ao luxo de desvalorizar os votos que eu mesmo faço. Os votos dos outros preocupam-me porque não quero vir a responsabilizar quem me desejou a boa tarde sem garantias.

Há, de facto, alguma tentativa de sinceridade nas palavras que acrescento às palavras ou em vez das palavras que uma rotina nos cola na boca como quem cola etiqueta. Já me aconteceu queixar-me do sorriso afivelado em empregados desta ou daquela empresa por técnicas grotescas de boas maneiras que aprendemos e importamos como técnicas de venda e como mercadoria. Importamos tiques, sorrisos, expressões e até as formas de andar de manequins, modelos e esqueletos que devem andar como ninguém anda e devem vestir ou despir-se ao arrepio da mudança das estações. Costumo dizer "Não, não me importo!" para acrescentar "Nem me exporto!" no sentido que não sou coisa completamente importada nem é saudável ser exportado. Expulso-me deste mundo que tende a querer tudo igual ou muito parecido para que seja garantida a venda desta ou daquela mercadoria, desta ou daquela ideia, desta ou daquela guerra.

Quem só dá valor à vida depois da morte, fala da vida pelos cotovelos. Virando os altifalantes para o céu, acotovelam todos os deuses de maculada e humana concepção. Cambaleantes modelos sem peso voam pelas catedrais da moda com uma flor de frio presa entre os lábios roxos. Animados pelo voo da voz, mostram penas de gelo a quem passa a caminho da vida tal qual é e vale antes da morte.


[o aveiro;25/01/2007]

planos da fé

1. "A Página da Educação" de Janeiro incluía artigos com vista sobre o "Plano de Acção para a Matemática Básica" da iniciativa do Ministério da Educação. Jaime Carvalho e Silva lembrou um outro plano de acompanhamento da Matemática, morto prematuramente por uma mudança de ministro. No ensino secundário, nenhum plano foi prematuro em seu parto e quase todos têm morte prematura já que raramente resistem a mais que um ministro. Quem se preocupa com estas coisas do ensino, não pode deixar de se preocupar com a doença que ataca tudo quanto mexe. Tudo o que mexe é obra de um governo e, por isso, morre às mãos do ministro que se segue.

Cada novo plano para o ensino nos vem lembrar isto. Tudo o que é nacional é bom para quem colhe louros no jardim do poder. E é por isso que morre, mesmo que seja para ressuscitar sob outro nome mais adiante.

2. O que é verdade é que muitas notícias sobre o ensino da matemática são fabricadas sob tutela centralista, genérica e... fatalista. Escrevemos pouco sobre as iniciativas locais ou talvez nem haja iniciativas locais ou específicas dignas de ser notícia. De certo modo, os governos aparecem como donos da iniciativa e isso tanto dá para a vida como para a morte. Os governos são donos da vida e da morte dos sistemas de ensino. Não porque a maioria dos serviços de educação e do ensino são prestados pelo Estado (por instituições públicas ou privadas sob tutela), mas porque os governos reservaram para si toda a iniciativa. De tal modo e tão concertados agiram, ao longo de décadas, que atrofiaram as autonomias e criaram um sistema globalmente ingovernável e localmente deficiente. Nenhuma autonomia local sobrou da montanha de letra morta que foi crescendo a cada nova lei escrita sobre a autonomia que devia ser tanto mais potente nas palavras quanto mais impotente fosse em actos.

Não podemos deixar de louvar as iniciativas centrais viradas para melhorar o ensino. Mesmo que elas sejam a prova provada da incapacidade local, a falta de capacidade para iniciar o que verdadeiramente conta. As escolas e os professores reagem com vigor a todas as iniciativas centrais porque tudo lhes falta ou porque é preciso agradar em entusiasmo e dar mostras de interesse e optimismo. Neste sistema de passa culpas é fácil condenar cada elo localizado e frágil, porque é um sistema onde ninguém tem desculpa.

3. No território onde vivem os factos, a crença de alguns actores e organizações está virada para avivar o esplendor de alguma ocasião que possa ligar-se ainda que artificialmente com a iniciativa. Outros não deixam de gritar a quem passa o desconforto do desacerto dos prazos desde a candidatura de papel à execução embrulhada na rigidez cadavérica das normas, do desacerto entre a candidatura da instituição de papel, os professores do papel da candidatura e as escolas ou professores que vivem a realidade de cada circunstância sem saber do tempo necessário a verdadeiras mudanças no território. Professores autores? Só actores ou não mais que factores, cobradores de bilhete numa viagem que a todos é recomendada e a poucos aproveita.

É verdade que quem quer fazer as coisas andar, sabe encontrar os meios necessários. E que quem não quer fazer coisa alguma, saberá encontrar as desculpas certas. Ou de outro modo: Não perguntem o que pode o governo fazer; interroguem-se sobre o que pode cada um de vocês fazer pelo vosso país. Também há quem se tenha interrogado e tenha vivido para a experiência de ser tolhido e atropelado por quem pode, louva e trava ao sabor dos ciclos de governação. Quem pode? Os grandes poderes são pequenos, mesquinhos e mal-educados muitas vezes. Os pequenos poderes armaram-se até aos dentes ou até parecerem grandes e mal-educados.

4. Os planos de acção reclamam da acção que os salve. Declarações de fé não produzem resultados em educação republicana. Digo eu... a quem sabe.


[a página da educação; 02/2007]

há   50 anos

Há 50 anos estava a frequentar a 4ª classe da escola primária e ainda estava longe de imaginar que passados uns meses iria entrar num liceu de uma cidade onde iria pela primeira vez. .

Depois de ler alguma coisa que eu escrevera, a minha primeira professora de português avisou-me que não podia ser tratada da mesma forma que uma mulher a dias era tratada por ela e por isso devia regressar para o meu tempo e para o meu lugar que lhe parecia que eu não era de cidade nem de vila e talvez nem de aldeia. O meu primeiro professor de desenho disse que eu devia cavar batatas nas terras de minha mãe e que não podia desenhar bem, talvez porque as almas de artista não se davam bem com os ares do campo ou porque os desenhos dos camponeses não sobreviviam aos ares da cidade. De que me lembro mais? Não lembro outros gestos de professores, nem caras de professores desse tempo. Lembro corridas num pátio interior cercado de paredes altas com quatro portões fechados, ocupado por rapazes pequenos a correr enquanto fugiam uns dos outros. Lembro uma marcha qualquer a meio de uma semana e de uma farda a que faltava sempre qualquer coisa. Diziam-me que eu fazia parte da mocidade portuguesa e eu achava que, aos dez anos, era pequeno demais e era novo demais... para ser moço. Havia outra escola para as raparigas. Lembro a miha irmã mais velha que estava a acabar o liceu e me protegia de todo o mal nesse primeiro ano de cidade e que ao segundo ano já não estava por perto e eu tinha de esconder o medo que sentia em tudo quanto era esquina.

Não lembro qualquer associação de estudantes. Não lembro o jornal dos estudanes. Soube mais tarde que não podia lembrar, porque me perguntavam pelo que não existia. Nem havia liberdade de expressão, nem havia liberdade de associação. Nem liberdade.

Onde estava há 50 anos? Talvez a chegar a esta escola.


[o estêvão; 01/2007,
da associação de estudantes
da escola josé estêvão]

fiama

nunca aprendi a desenhar embora tenha tentado desenhar
como os meus heróis desenhavam.
nunca me passou pela cabeça culpar durher, leonardo, picasso ou dali
por não os ter imitado bem nos desenhos das cabeças
da santa, do homem e do touro.

nunca aprendi o poema que ainda me falta escrever embora tenha copiado laboriosamente os poetas porque pensava que além de os ouvir ao ler precisava de conviver com eles, precisava de os acariciar,
de te acariciar.

sei desde então e até agora na hora da tua morte que não é culpa tua
eu não ter conseguido ou ter esquecido as duas linhas que eu sei que já li no ar lavado e ainda brincam às escondidas

porque eu não sei se as palavras estão perdidas ou ainda esperam som a som ou letra a letra a fala da minha mão.

Santo do dia

Como qualquer outra coisa do dia, há também o santo do dia. Não aconselho vivamente, mas não queero que lhe falte o santo quando dele precisar.
Por exemplo, o santo do dia diz-me que hoje é dia do mártir S. Sebastião- o mártir, que aparece nas igrejas atado a um tronco de oliveira (?) e crivado de setas.

São Sebastião, segundo Santo Ambrósio, nasceu em Milão. Era um valoroso capitão do exército romano, pertencente à primeira corte da guarda pretoriana. Sofreu o martírio sob o reinado de Diocleciano. Cristão convicto e ativo, tudo fazia para ajudar os irmãos na fé e trazer, ao Deus verdadeiro, soldados e prisioneiros. O próprio governador de Roma, Cromácio, e seu filho, Tibúrcio, foram por ele convertidos e confessaram a fé mediante o martírio. Denunciado como cristão, São Sebastião foi levado perante o imperador para justificar tal procedimento. E confessou publicamente a sua fé. Acusado de traição à pátria, foi condenado à morte. Amarrado a um tronco, foi varado por flechas, na presença de guarda pretoriana. São Sebastião conseguiu sobreviver, e corajosamente se apresenta perante o imperador, censurando-o pelas injustiças cometidas contra os cristãos, acusando-os de inimigos do Estado. Incitou o imperador para que os deixasse em paz. Diocleciano, entretanto, permaneceu surdo a seus apelos, mandou açoitá-lo até a morte e lançou o seu corpo em uma cloaca. Era por volta do ano 284.

No mesmo lugar, também lhe dão a oração apropriada para pedir graças e agradecer ao santo do dia. Não hesite em recorrer ao seu santo. Hoje leia e reflicta sobre uma tal prece da libertaçãos dos ídolos . Quem diria!

Pode obter a lista de santos, procurar pelo nome e até por tipologia. Não se pode pedir mais.

Há mesmo alguns santos que pensávamos nunca terem obtido tal favor de qualquer papado - Santa Joana, filha de Afonso V, a quem pode pode dirigir a oração do amor incondicional

a arte da bicha

Muitas pessoas da minha geração acreditam piamente que aprenderam tudo o que era realmente importante e lamentam profundamente que os jovens desprezem a possibilidade de aprender esse essencial. Chegam a desprezar os novos saberes e competências que se tornaram necessárias por via do desenvolvimento científico e tecnológico, literário ou artístico. O estado moderno, em contra-corrente, não pode deixar de, apesar disso, introduzir os temas que são vitais ao futuro da comunidade embora a ignorância popular tenda a recusá-los. O estado paga este serviço e obriga até as escolas privadas a ensinar esses temas. A minha geração ensina e promove a leitura, a audição e a visualização de filmes e peças teatrais ou obras literárias, musicais, pictóricas e escultóricas que não tinham sentido há 50 anos.

Verdade seja dita que a minha geração está na idade do poder, político, económico e cultural, nos governos regionais e locais, nos jornais, nas instituições todas. E só muito contrariada tem de acalmar o seu desfavor contra o que não conhece e nem pode adivinhar. Alguém esqueceu que teve de lutar pela música eléctrica, pela poesia que não rimava ou pela literatura de Almada a negar Dantas, pela arte de Amadeo, pela liberdade de ir ou não ir para as bichas.

O acontecimento cultural das bichas para a exposição de Amadeo Souza-Cardoso serviu a um editorialista para reclamar contra apoios e subsídios aos agentes culturais que não conseguem merecer a companhia de uma bicha de povo. Diz ele que estas bichas são a prova de que não é preciso criar públicos e que o "nosso problema é responder a solicitações dos públicos que existem e que só não aparecem porque muito do que lhes é oferecido pura e simplesmente não tem qualidade"(?).

Eu não sei adivinhar o futuro de uma coisa ou de outra, mas acho que o ensino e a criação artística são bons usos para os impostos. E sei que uma bicha ou uma procissão de consagração do que está estabelecido não é a estrada real para o futuro. Amadeo não se faz fundamental para a cultura por ser motivo desta bicha gulbenkiana. Amadeo é fundamental por ter continuado persistente a fazer caminho depois de ter sobrevivido às agressões dos ofendidos visitantes da sua primeira exposição de há 90 anos. E é fácil imaginar, ameaçador e de bengala em riste contra o Amadeo de então, um editorialista capaz de louvar as bichas culturais do seu tempo.

[o aveiro; 18/01/2007]

ainda os muros

Ainda há muros altos protegidos dos salt(e)adores por uma mão de cacos dos vidros dos óculos partidos a quem abriu as asas e voou para entrar e ver.
Os que entraram, não conseguiram ver porque lhes partiram os óculos. Os outros foram abatidos pela barragem da aritlharia anti-aérea que sopra metralha às ordens da desconfiança dos sensores apontados a todo o comprimento e para o alto das muralhas.
Os sábados juntaram-se todos para falar disso e da necessidade de uma conferência do desarmamento de ambos os lados do muro, bem como da proibição de levantar voo e violar o espaço aéreo do muro que se transformou num país registado.
Não vimos qualquer interesse na cartografia dos países. E nos mapas só as fronteiras contam: 1, 2, 3, 4, 5, ...

missa cantada

Hoje levantei-me cedo como em todos os outros dias.

Gosto de ver aparecer a aurora quando ela quer aparecer e não só quando a minha imaginação a convoca por precisar dela. A claridade rósea que antecede e anuncia o nascer do sol dá-me a luz que me levanta e anuncia-me a luz que me guia os passos até ao dia claro.

E lembra-me alvoradas estremunhadas, o pé adolescente a explorar a nesga fria aberta entre a enxerga e a coberta pelo clarim da minha mãe, a hesitação da cara a aproximar-se do espelho do tanque de água para onde as enérgicas camponesas da minha vida lançavam em golfadas a água puxada do mais íntimo do poço.

Em cada dia, repito o arrepio estremunhado de quem acorda como quem nasce para sobreviver. Em cada dia da semana, domingo incluído, ouço os mesmos ruídos para me refazer até ao dia em que vivo. Como se eu fosse uma memória que se refaz infatigavelmente, um novo dia que é novo porque é feito de todos os dias que o antecederam. Se não ouvia a requinta da boca da minha mãe ou de alguém por ela, já ouvia o sino quebrado sobrepondo-se à neblina espessada na tentação do silêncio. Chamando o povo para a missa da alva, chamando-me para os braços da aurora, reclamando o furor da gente da terra até tudo se desfazer no falsete da alegria que é prova de vida da aldeia e vingança do tempo sobre o dia de ontem.

Algumas raparigas apressavam-se e, ainda antes da missa, já se confessavam das noites mal dormidas. Logo depois, mal refeitas da penitência e das juras de não repetir pecados confessados, mas agradecidas pela absolvição dada a todo o bem que lhes soubera, langorosas piscavam os olhos ao dia claro, aos namorados, aos amantes, ao desejo. Para que a vida se repetisse e dela sobrasse sinal de vida. Desta corrida dos dias, destas alvas estremunhadas, muitas memórias são esbatidas fotografias antigas, adivinhações, o que não se fala e o que se cala, o que se desmancha, o que é sem ser, o que foi confessado e absolvido para não mais ser visto nem achado e até o que foi morto e enterrado como uma pena ou um anjo antes de ser a alma. Se nos distraíssemos, ecoava na nave desses dias passados o sermão que contava a história inteira na voz do padre a encenar cobrança do perdão.

Fui mais poupado aos sermões da aldeia que aos sermões da televisão de hoje. Ainda ontem nem sabia que existiam e hoje há claustros de igreja que são notícia e alerta geral ao que dizem pelo que dizem sobre o aborto. E nem uma palavra sobre a absolvição, a misericórdia divina ou a misericórdia do estado!

Hoje levantei-me para mudar de país ou foi sempre assim?

[o aveiro; 11/01/2007]

a história

para eu não me preocupar com o que a história vai dizer sobre os nossos tempos,
sussuraram-me que
a história vai ser escrita sobre o que for publicado nos jornais
e que cada jornalista escreve sempre a quatro mãos
e piscaram-me o olho enquanto me perguntavam se eu sabia
de quem eram as outras mãos do jornalista

e eu não sabia

a coisa estranha

Não dei pela passagem dos dias. Amanhã, que é quarta feira, recomeçam as aulas e eu estive bem desperto para isso. Para todos os efeitos da escola, hoje foi claramente a terça feira. Para tudo o resto não foi terça feira. Só me resta pedir desculpa a quem esperava que fosse terça feira para mim. Nem sempre sei os ordinais dos dias que passam. Que coisa estranha esta! Há muitas maneiras de nos perdermos.

para começar, a bátega

durante o dia, copiei laboriosamente os poemas que o josé carlos soares reuniu e publicou sob o título Bátega. Para publicar na escrivaninha

pelos olhos dos dedos

já não sei há quantos anos estava eu em Elvas e aceitei mais um que fui