os dias que contam

Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço de cada escola que construímos, de cada encontro com o conhecimento, de cada momento de cultura, de cada momento de criação. Porque pagamos um alto preço quando falhamos uma (re)construção cultural, quando falhamos um encontro com a ciência ou com a literatura, quando falhamos a festa do cidadão em construção.

Vem tudo isto a propósito da festa que é o Campeonato de Jogos Matemáticos, cuja final se realizou este mês na Covilhã. Milhares de jovens e professores das escolas do país envolvem-se no estudo dos jogos e na competição entre jovens que se mantêm atentos por saberem que tudo depende da atenção presa a cada passo de uma estratégia ganhadora. Não se trata de jogos de azar ou de sorte e é preciso não cometer erros de estratégia, nem erros de raciocínio combinatório e manter uma grande disciplina de espírito temperada pela criatividade que desequilibra. Milhares de jovens, muitos milhares de jovens portugueses revelam-nos o interesse mágico da matemática, uma outra vida. Começa a ser claro que a matemática da escola já vai muito para além da matemática das aulas tal como nós a pensamos e que, para muitos jovens, essa é a matemática que importa, essa é a matemática em que revelam competências insuspeitadas. No tabuleiro e nos movimentos das peças com vista a um objectivo preciso há intuição e matemática da melhor, cujos pedaços vão sendo organizados ao longo da vida escolar mesmo quando não parece, ainda que a teoria não faça o jogador.

Pela primeira vez, este ano, participaram jogadores cegos no campeonato nacional dos Jogos Matemáticos, com jogos matemáticos construídos expressamente para serem jogados por cegos. As peças e os tabuleiros podem ser diferentes, mas a matemática em jogo é a mesma. Assisti à festa e estive na entrega dos prémios a campeões, sabendo que ao lado de cada jovem que sobe ao pódio há um animador e professor que recebe o prémio e o percebe de um outro modo. Ganhei o dia. Ganhei um dia glorioso por, sem mérito algum, ter entregue o prémio a um jovem campeão cego com a consciência de que, naquele tabuleiro, ele sabe muito mais matemática que eu.

Os dias que contam contam-se pelos dedos das mãos.

[o aveiro; 27/03/2009]

6 comentários:

clara disse...

Sabemos sim o que custa um abraço, às vezes a alma.
As etiquetas que nos colocam agarram-se à pele e ai de quem queira pensar pela sua cabeça.
O provincianismo é a origem de todas as violências!

Um abraço (sem preço).

adealmeida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
adealmeida disse...

Gosto de ser abraçado. E dou tão poucos abraços. Devia procurar tantos abraços de receber como de dar.
Abraço
te


A

Marília disse...

Considera-te abraçado.
É de longe, o abraço, mas é o que se pode arranjar. Por hoje.

adealmeida disse...

Gosto de ser abraçado mesmo de longe. Lembro-me dos abraços salvíficos do homem borracha que se esticava em todas as direcções.

Ainda bem que tu te esticaste para este lado.

Marília disse...

Por onde andas, que não nos escreves?