pela via dos outros



1.
Viemos pelas ruas de lama
até

aqui

chegados

pendurámos os casacos
no mesmo gancho
em que pendurámos

os passados


2.

Tínhamos tomado a forma
das pessoas
e seguíamos rigorosamente
a norma
de rotinas da outra gente
tal qual
como víamos.

Saíamos de casa
manhã cedo
e voltávamos imitando
até o medo
que não tínhamos.

3.
A pessoa mais popular
do bairro produzia sons
que desagradavam
a quem ao falar
docemente
dizia bom dia
como a cantar

hesitámos em imitar
em escolher os desagradáveis
mas populares
ou os que trauteavam bom dia senhor

até descobrirmos que havia
quem nada nos dizia

4.
Também fingíamos ler
os livros da biblioteca local
onde chegámos seguindo outros

até que alguém de tanto ler connosco
fez a pergunta natural

está a gostar?
ainda não aprenderamos
as perguntas sem resposta
e olhámos um para o outro
saindo ao mesmo tempo.


5.
O mesmo acontecia com o resto
das coisas que fazíamos
como os outros
faziam repetidamente

até pensarmos que isso era o normal
fazer.

E à medida que fomos ficando parecidos
com a outra gente do bairro

sossegámos e baixámos a guarda.

Afinal éramos como toda a gente

até deixarmos de saber quem éramos

ou quem somos
afinal.

Sem comentários:

as caras mais a cara do burro feliz