A Câmara Escura

No dia 25 de Março de 2003(!), a Cooperativa Chave entregou na Câmara um projecto de arquitectura para o lote 21, último na Urbanização Chave. Passou a ser o processo 110/2003, para os serviços da Câmara e para a Chave. Até ao fim de 2003, não há no dossier da Chave qualquer ofício ou papel da Câmara. Tem-se uma lista dos telefonemas à Câmara (ou para nada) feitos pelo arquitecto. No dia 26 de Janeiro de 2004, há um pedido de informação da Chave sobre o andamento do processo, com referencias aos Decretos-Lei 555/99 e 177/2001. A 30 de Janeiro de 2004, sem ter recebido qualquer resposta ou despacho, a Cooperativa vai enviar aos Serviços Municipalizados a especialização de água e esgotos, e, a 9 de Fevereiro, trata das aprovações do projecto de electricidade junto da EDP/CERTIEL, que, a 6 de Abril, entram na Câmara. Sem qualquer despacho sobre o processo da arquitectura, em 25 de Fevereiro, são entregues projectos das especialidades. No dia 20 de Março, o Presidente da Câmara participa no lançamento da primeira pedra deste empreendimento(?). Em 6 de Abril, a Cooperativa requer informação, o que volta a fazer no passado dia 21 de Maio. Também me disseram que a Comissão de Coordenação da Região Centro respondeu a um pedido de parecer sobre o processo e os prazos.
Passou mais de um ano e nem um papel a Câmara produziu sobre o processo 110/2003. Pelo menos, a Cooperativa não recebeu coisa alguma.

Há 25 anos, a Cooperativa aguentou anos e anos sem ter conseguido construir uma casa. Todos sabem que a existência da Cooperativa depende da vontade dos cooperadores e só nós, cooperadores, a podemos matar. Mas,... o processo de construção da Urbanização Chave exigiu que fosse levantada uma pequena empresa cooperativa. E sabemos, nós e o Presidente da Câmara, que a empresa cooperativa pode ser assassinada pela incúria impune dos serviços públicos. A falta de resposta e despacho asfixia a empresa cooperativa e, quem sabe?, algumas outras empresas. A favor de quem?

Não posso acreditar que tenhamos eleito a Câmara para isto. Não pedimos qualquer excepção; só pedimos razão para a nossa razão. E clemência! Nunca fui em futebóis, mas, se vier resposta, prometo ir ver um jogo de futebol. É obra!

[o aveiro, 27/05/2004]

Dormideira

Vestida de negro, uma avó embala o neto cantando baixinho: "o meu menino tem sono, ai, ai / tem sono o meu menino, ai, ai / ó, ó lhe vou cantando / até que ele perca o tino, ai, ai". Posso lembrar-me do tempo em que podia perder o tino, confiando a um colo protector a minha existência. Do outro lado da rua, ainda sobrevive uma leitaria ou um café que não destruiu as mesas e cadeiras antigas. Posso lembrar-me do tempo em que esperava a camioneta para voltar a uma aldeia protectora de onde não queria e queria sair. Do lado da paragem da camioneta, olhava as mesas redondas com cercaduras de metal e imaginava-me no degrau que separava as duas diferentes salas de estar da leitaria. Por alguma razão, conforta-me lembrar os lugares que dormem e sonham sem mudar de cara. Por alguma razão, conforta-me pensar nesse lugar do tempo em que podia perder o tino ao colo da minha mãe. Sei que fui criança a cabecear, no embalo da ladainha em latim da igreja da minha aldeia, embrulhado no xaile da minha mãe. Descanso.

Recebo, na minha caixa de correio, um panfleto de um 'comité por um Portugal livre - free Portugal' que reza assim: "Tem compaixão de Nossa Senhora. Com o teu voto não permitas que o Seu Filho seja posto fora da Europa" No verso, há um alerta. Diz-se que o Parlamento Europeu tomou a "inquietante decisão" de chumbar "uma proposta do PPE, na qual se pedia que se fizesse uma referencia explícita às raízes cristãs da Europa no texto da Constituição Europeia". E, a seguir à frase: "É triste ver como os da esquerda votaram contra", um quadro esclarece o sentido do voto de cada deputado português, sem esquecer de colar ao PSD e ao CDS a sigla da coligação para as europeias "Força Portugal". Eles (quem são eles?) não aceitam outras opiniões, outra fé ou falta dela, nem as raízes mais fundas. Estarão dispostos a uma cruzada? Fico para aqui a tremer de medo (tenho razões para isso) e a torcer-me de riso com o ridículo da grandeza de alma cristã dos euro-deputados do PSD e do CDS-PP. Oh, Cristo, vem cá abaixo ver isto! - diria a minha mãe.

Assim se estraga uma boa recordação da infância que me tinha embalado no fim de semana. Veio-me à memória o retrato do retardado fascista Américo de DEUS Rodrigues Thomaz exposto nas paredes interiores da igreja da minha infância.

Em liberdade, algumas almas penadas querem as nossas depenadas. E, por isso, não posso deixar-me embalar, adormecer e perder o tino. Confiar a minha alma a esta malta de capitalistas liberais maoístas e maus cristãos é condená-la às penas do inferno, seja o que isso for.

Como um Cristo (que sempre fui - é o que dizem!) e acordado, vou votar contra.


[o aveiro; 20/05/2004]

Trackback?

Tinha instalado o "trackback" ou lá o que é, na altura, das comemorações do 25 de Abril, para fazer ligações ao "Posto de Comando". E estava a preparar-me para desactivar a coisa. O companheiro d'O Prego no Sapato falou-me do Professorices e do artigo Como usar o "trackback".
O argumento a favor do "trackback" é bom. O professor é bom. Estou a experimentar. Caso funcione, aqui fica o agradecimento e a recomendação para uma visita a outro mundo. Esse blog e a página pessoal do autor constituem um bom ponto de partida para entrar no debate sobre o ensino superior em mudança.

Lei de Bases de barro.

N'O prego no sapato escreve-se sobre a "Lei de bases do sistema Educativo". Isto mesmo:


Passando pelos intervalos da chuva e praticamente sem discussão pública vai ser votada a lei de bases do ensino, apenas com os votos da maioria. Deve tratar-se da medida mais absurda e demagógica das muitas a que temos assistido na vigência deste governo. Choveram apelos à discussão, à busca de consenso, a alterações pontuais de aqui e dali, mas o governo não ouviu nada. Fossem elas vindas dos partidos da oposição ou de instituições de ensino, o governo preferiu manter-se no mais profundo autismo político e fazer aprovar uma coisa que terá a validade do executivo. Ou seja, nenhuma. Passaremos os próximos anos debaixo de uma avalanche diluviana de problemas até que se perceba que a lei de bases é para esquecer. E o pior disto tudo é que nesta enxurrada irá o que ela tem de bom e o que tem de mau, sendo previsível que para o ensino sobrará o caos que já é visível. Lamentável.



E eu estou de acordo.

a educação da vida

A violência das torturas nas prisões do Iraque e à sua volta e a instrução do caso Casa Pia ocupam os noticiários de toda a semana que passou. Mas, para mim, foi uma semana da educação.

Por um lado, uma bronca nos concursos de professores estalou e, com ela, o delírio politico e o cheiro a irresponsabilidade vieram para a boca de cena e tomaram conta de tudo. Já não bastavam os problemas de fundo da educação. O Ministério decidiu acrescentar desgraças várias à colocação dos professores que, para além do problema técnico, pode significar insegurança persistente. Já não é a primeira desgraça. Certas medidas do Ministério, que exigiriam prova de competência técnica e bom senso, têm cheirado a incompetência e deixam marcas negativas. Foi assim, no passado recente, com a imprudência da ingerência no sistema de exames e é agora com as mudanças desastradas nos sistema de concurso dos professores. Lá se foram alguns louros que, no campo da educação, o governo procurara ganhar com a campanha politica da luta contra o abandono escolar.

A semana da educação, da iniciativa do Presidente da República, pode ter sido prejudicada por estas provas dadas pelo Ministério. Mesmo assim, sempre se escreveu alguma coisa sobre o estado da educação e sobre as mudanças necessárias. Para alem das visitas a instituições escolares de vários níveis e um pouco por todo o pais, o Presidente da República promoveu algumas sessões em que especialistas europeus puderam falar do problema da educação nos países da Europa comunitária, apresentaram e discutiram possíveis caminhos das politicas de educação. Portugal tem atrasos relativamente aos restantes países da Europa comunitária que parecem mais graves na Europa dos 25.

A escola pública é, nestas alturas, centro de atenções. Todos esperam da escola pública que ela seja a garantia da educação e ensino para todos e, com tais condições e qualidade de serviço, que ninguém a queira abandonar e onde todos queiram aprender e ficar motivados para estudar ao longo de toda a vida. A escola pública é escola de massas e, apesar disso ou por isso mesmo, tem de ser uma escola exigente para pessoas exigentes. Desenvolver valores da educação e o interesse pela aprendizagem junto das famílias em todos os sectores da população é fundamental para a escola pública.

A escola pública não pode ser um reduto assistencial, disse um especialista espanhol. E tem de ser escola para todos e garantindo que todos adquiram as competências básicas necessárias ao mesmo nível, disse um especialista francês. Eduquemo-nos para acreditar nisso até que seja realizado, estudando cada dia da vida enquanto nos aproximamos do futuro. Sem medo.


[o aveiro; 13/05/2004]

Os ultra-sons(os) do apito.

A semana passada foi marcada pela crispação do primeiro ministro do nosso governo. Numa intervenção, decidiu desvalorizar os argumentos dos Verdes pondo em causa a sua existência como grupo parlamentar, na base de que nunca teriam concorrido sozinhos a eleições. Argumentar assim é a irracional reacção de quem não tem razão e sabe disso, mais ainda da parte de um dirigente de partido coligado. Noutra intervenção, perdeu as estribeiras quando questionado sobre um empréstimo do banco do estado a uma multinacional, em Portugal representada por um (?ex-)embaixador e(?ex-)membro do governo, para uma operação de privatização de capital da petrolífera nacional.
Porque é que estala o verniz (e com tanto estrondo) a este primeiro-ministro? Eu compreendo-o. Para este momento de glória, já sobrava, em estridência, o apito dourado que compromete altos responsáveis do partido do governo, autarcas e patrões do negócio do futebol. Alguns deles têm tantos cargos (no público e no privado) que devem baralhar tudo. Não há novidades especiais nos casos em disputa. O primeiro ministro diz que estas denúncias (sem provas) enfraquecem a democracia. Será?
É verdade que os cidadãos podem e devem ser livres de ter actividades em sectores de negócios e devem manter intactos todos os seus direitos e deveres políticos. Mas o centrão (ps e psd) da alternância tem vindo a demonstrar um apetite insaciável por ganhar no público a influência (e a competência?) que lhe falta para partilhar negócios privados. Suspeitamos que o que se está a passar é que a passagem pela política e, em particular, pelo governo ou pela administração de empresas públicas, se tornou um meio para atingir fins privados no privado. Em cada grande negócio de empresas de capitais públicos vimos sempre, do lado do privado interesse, alguém conhecido da politica. Em algumas destas personalidades não suspeitávamos especiais competências para a gestão e administração empresarial, mas parece que afinal não há gestores ou administradores nas sociedades privadas. Que dizer do antigo ministro da economia do ps que está à espera do fim de um prazo qualquer para assumir a administração de uma multinacional que ganhou uma candidatura numa privatização decidida no tempo em que era ministro e árbitro no negócio? Estes árbitros estão a passar-se. Quem defende os interesses do Estado?
O silêncio não defende a democracia.

[o aveiro; 6/5/2004]

Nasce! Grita comigo!

Nasce outra vez! Grita
comigo engole
todo o ar do meu mundo.

No rio de ar nascido
do teu choro de asfixia
morra eu ao teu primeiro segundo.

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