é tão lenta a entrada neste mundo por este telefone de aldeia que melhor teria sido nem tentar.
o mais provável é que não volte a entrar por aqui.
o mais provável é que desapareça.
as grades
caminho pela manhã da avenida 25 de abril. habitualmente passo pelas grades do fechado portão central da escola e sigo em frente para entrar dois catetos adiante pelo portão lateral. ao passar, sinto-me preso na avenida. depois de entrar, sinto-me preso na escola. breves instantes estes em que sou preso dentro e fora.
mas hoje, há uma porta aberta no portão central da escola e eu esgueiro-me livre. e, por momentos, sinto-me e sento-me livre. sob a grande copa que me abrigava da chuva, vejo as baforadas do meu cachimbo de um tempo antigo em que estranho estranho era não dar esses sinais de fumo antes de entrar.
mas hoje, há uma porta aberta no portão central da escola e eu esgueiro-me livre. e, por momentos, sinto-me e sento-me livre. sob a grande copa que me abrigava da chuva, vejo as baforadas do meu cachimbo de um tempo antigo em que estranho estranho era não dar esses sinais de fumo antes de entrar.
a guerra pela janela
Pela rasgada janela da televisão, os olhos abertos de um cadáver parecem fixar-me. Nada do que o morto possa ser me aflige. O que me aflige é o vivo que ele foi ontem sem saber que ia morrer. Contra ele se levantaram os que quiseram matá-lo sem quererem saber quem ele era e sem cuidarem de saber quem ele viria a ser. O soldado que disparou a morte vai morrer algum tempo depois e não pode saber se matou uma esperança de paz duradoura. Não pode saber se quem acaba de matar não seria aquele que amaria perdidamente por toda a vida e já lhe falta. E pensa, para acalmar a culpa e remorsos de não saber, que o mais natural é ser um dano colateral acrescentado a tantos outros de que já não há conta nem medida. Os mortos não me incomodam.
Na última década, as guerras mataram milhões de crianças. É o que dizemos para fingirmos que não foram homens, tão civilizados e industrializados fabricantes e vendedores de armamento, os que assassinaram as crianças e as esperanças que elas podiam ser. Mais no Líbano que em Israel, crianças jazem destroçadas. Os assassinados não me comovem.
Comove-me a pergunta, a dúvida que leio nos lábios fechados do soldado que ainda vive. Sem saber quando vai morrer, sabe da sua fé na vida além da morte e sabe da mesma fé no coração do corpo abatido pela fúria do seu disparo. Ainda vivo, o jovem soldado treme por acreditar que do lado de lá vai ser apresentado aos que matou sem conhecer e sem odiar. Do outro lado do tempo, em que acreditam encontrar-se todos perante quem tudo sabe, no julgamento em que comparecem todas as vítimas olhando os carrascos nos olhos. O soldado já prepara a sua defesa e clamará então que não fez mais que cumprir ordens. Se lhe disserem então que matou o seu messias ainda este era uma criança a experimentar a sua humanidade, ele dirá um silêncio espantado. De outra das suas vítimas, a que era mulher destinada a amá-lo, após o dia do juízo, o crente soldado vê-a sem ser visto e sabe que foi ele quem a cegou.
Não me incomodam os mortos nem os lugares onde jazem mortos. Incomodam-me os destroços vivos, os agentes da morte, os fabricantes de destroços capazes de imaginarem a sua própria vitória sobre a vida.
[o aveiro; 27/07/2006]
Na última década, as guerras mataram milhões de crianças. É o que dizemos para fingirmos que não foram homens, tão civilizados e industrializados fabricantes e vendedores de armamento, os que assassinaram as crianças e as esperanças que elas podiam ser. Mais no Líbano que em Israel, crianças jazem destroçadas. Os assassinados não me comovem.
Comove-me a pergunta, a dúvida que leio nos lábios fechados do soldado que ainda vive. Sem saber quando vai morrer, sabe da sua fé na vida além da morte e sabe da mesma fé no coração do corpo abatido pela fúria do seu disparo. Ainda vivo, o jovem soldado treme por acreditar que do lado de lá vai ser apresentado aos que matou sem conhecer e sem odiar. Do outro lado do tempo, em que acreditam encontrar-se todos perante quem tudo sabe, no julgamento em que comparecem todas as vítimas olhando os carrascos nos olhos. O soldado já prepara a sua defesa e clamará então que não fez mais que cumprir ordens. Se lhe disserem então que matou o seu messias ainda este era uma criança a experimentar a sua humanidade, ele dirá um silêncio espantado. De outra das suas vítimas, a que era mulher destinada a amá-lo, após o dia do juízo, o crente soldado vê-a sem ser visto e sabe que foi ele quem a cegou.
Não me incomodam os mortos nem os lugares onde jazem mortos. Incomodam-me os destroços vivos, os agentes da morte, os fabricantes de destroços capazes de imaginarem a sua própria vitória sobre a vida.
[o aveiro; 27/07/2006]
sentidos
eles passavam por mim e eu passava por eles
em sentidos contrários
enquanto procurávamos o mesmo sentido
e sabendo que nunca nos reconheceremos
se acaso algum dia nos encontrarmos no lugar certo
por acaso
ao compasso marcado
pelo rufar de um tambor continuamos em frente
até nos perdermos de vista
amanhã
Em tempo de guerra, há frases soltas que deflagram como bombas à minha volta.
Estamos a fazer todos os esforços para evitar baixas civis. Todos sabemos como é difícil bombardear áreas densamente povoadas. Acabar com os bombardeamentos é o objectivo da diplomacia. Os terroristas aproveitaram um incidente em território palestino para provocar o estado de Israel e os israelitas aproveitaram o momento para cortar as vias libanesas usadas pelos terroristas, bem como para destruir todos os incómodos que vivem no Líbano.
Ouço e parecem-me de outro mundo cada palavra e cada sorriso dos diplomatas, em suas reuniões cercadas por escombros e mortos.
Em tempo de guerra, olho para todas as vítimas e fico à espera de ver os poderosos a olhar pelas pessoas todas e, de tal modo, que lhes seja inaceitável que qualquer pessoa passe a vítima pela via do terror e da guerra. Vejo-os carregar com seus dois pesos e suas duas medidas sem nunca sagrarem cada vida humana. Eles olham os mortos nos olhos fazendo deles nós de um bordado quando tecem considerações sobre o conflito regional, ou quando anunciam subidas e descidas do preço do barril de petróleo nas grandes praças do mundo civilizado dos banqueiros. Em tempo de guerra, olho-os mais pelo prisma do veto que do voto e algumas referências da democracia deixam de ser referências. Os poderosos que vetam resoluções das nações unidas e apelam à contenção reúnem-se aos que usam o poder para aperaltar biquinhos transatlânticos em convívios mais ou menos (g)astronómicas no nosso mundo em guerra. Os poderosos andam feitos e em festa uns com os outros. Já nem percebem que os seus jogos de salão fazem estremecer o salão. E ouço as traças que mastigam os fatos dos poderosos quando eles fazem de traças do mundo.
E ouço generais que parecem comentadores e comentadores que parecem marechais a falar de mortos como peças de um xadrez qualquer. Pensam eles que sempre que aumenta o número de mortos, diminui a probabilidade de lhes caber a morte em sorte. E descuidam as defesas contra a estupidez que tudo come e consome.
Parece-me que todas as partes conspiram para evitar a paz. Uma diplomata israelita disse que quando salvamos uma alma, salvamos o mundo. Há alguém a pensar em salvar uma alma?
[o aveiro; 20/07/2006]
Estamos a fazer todos os esforços para evitar baixas civis. Todos sabemos como é difícil bombardear áreas densamente povoadas. Acabar com os bombardeamentos é o objectivo da diplomacia. Os terroristas aproveitaram um incidente em território palestino para provocar o estado de Israel e os israelitas aproveitaram o momento para cortar as vias libanesas usadas pelos terroristas, bem como para destruir todos os incómodos que vivem no Líbano.
Ouço e parecem-me de outro mundo cada palavra e cada sorriso dos diplomatas, em suas reuniões cercadas por escombros e mortos.
Em tempo de guerra, olho para todas as vítimas e fico à espera de ver os poderosos a olhar pelas pessoas todas e, de tal modo, que lhes seja inaceitável que qualquer pessoa passe a vítima pela via do terror e da guerra. Vejo-os carregar com seus dois pesos e suas duas medidas sem nunca sagrarem cada vida humana. Eles olham os mortos nos olhos fazendo deles nós de um bordado quando tecem considerações sobre o conflito regional, ou quando anunciam subidas e descidas do preço do barril de petróleo nas grandes praças do mundo civilizado dos banqueiros. Em tempo de guerra, olho-os mais pelo prisma do veto que do voto e algumas referências da democracia deixam de ser referências. Os poderosos que vetam resoluções das nações unidas e apelam à contenção reúnem-se aos que usam o poder para aperaltar biquinhos transatlânticos em convívios mais ou menos (g)astronómicas no nosso mundo em guerra. Os poderosos andam feitos e em festa uns com os outros. Já nem percebem que os seus jogos de salão fazem estremecer o salão. E ouço as traças que mastigam os fatos dos poderosos quando eles fazem de traças do mundo.
E ouço generais que parecem comentadores e comentadores que parecem marechais a falar de mortos como peças de um xadrez qualquer. Pensam eles que sempre que aumenta o número de mortos, diminui a probabilidade de lhes caber a morte em sorte. E descuidam as defesas contra a estupidez que tudo come e consome.
Parece-me que todas as partes conspiram para evitar a paz. Uma diplomata israelita disse que quando salvamos uma alma, salvamos o mundo. Há alguém a pensar em salvar uma alma?
[o aveiro; 20/07/2006]
futebol brasileiro
Um time de futebol ganhou 8 jogos mais do que perdeu e empatou 3 jogos menos do que ganhou, em 31 partidas jogadas. Quantas partidas o time venceu?
O futebol brasileiro tem destas coisas: até aparece na olimpíadas brasileiras de matemática. Quem pode não gostar?
O futebol brasileiro tem destas coisas: até aparece na olimpíadas brasileiras de matemática. Quem pode não gostar?
conselho
da última reunião do conselho pedagógico, o último postal:
um último conselho pedagógico? não dou.
devoto
faz o sinal da cruz
na areia da praia
como regos por onde a água brinque,
faz o sinal da cruz
na testa
e sente-o como festa do amante,
faz o sinal da cruz
coa naifa na tua mão esquerda
pra ser estigma chato com'á merda,
faz o sinal da cruz
no teu peito
para compensar a foice e o martelo tatuados nas costas,
faz o sinal da cruz
nas tuas calças
para seres uma viola no enterro,
faz o sinal da cruz
branca na t-shirt preta
e pequeníssima para que te paguem o salário de padre,
faz o sinal da cruz
no elástico das cuecas
para as poderes reclamar por um bom motivo.
faz o sinal da cruz
sobre a boca
para ninguém te ouvir dizer que estás vivo,
faz o sinal da cruz
na toalha do restaurante
enquanto esperas o bife,
faz o sinal da cruz
no céu azul
com as asas do desejo enquanto voas,
faz o sinal da cruz
em todos os lugares
do labirinto em que te queres perder
faz o sinal da cruz
para lembrar à tua mãe
que te sabes benzer,
faz o sinal da cruz
como parte de penitência
sobre o pecado que mais queres,
faz o sinal da cruz
porque te vais arrepender
amanhã do bem que te soube hoje,
(...)
faz o sinal da cruz
no boletim de voto.
na areia da praia
como regos por onde a água brinque,
faz o sinal da cruz
na testa
e sente-o como festa do amante,
faz o sinal da cruz
coa naifa na tua mão esquerda
pra ser estigma chato com'á merda,
faz o sinal da cruz
no teu peito
para compensar a foice e o martelo tatuados nas costas,
faz o sinal da cruz
nas tuas calças
para seres uma viola no enterro,
faz o sinal da cruz
branca na t-shirt preta
e pequeníssima para que te paguem o salário de padre,
faz o sinal da cruz
no elástico das cuecas
para as poderes reclamar por um bom motivo.
faz o sinal da cruz
sobre a boca
para ninguém te ouvir dizer que estás vivo,
faz o sinal da cruz
na toalha do restaurante
enquanto esperas o bife,
faz o sinal da cruz
no céu azul
com as asas do desejo enquanto voas,
faz o sinal da cruz
em todos os lugares
do labirinto em que te queres perder
faz o sinal da cruz
para lembrar à tua mãe
que te sabes benzer,
faz o sinal da cruz
como parte de penitência
sobre o pecado que mais queres,
faz o sinal da cruz
porque te vais arrepender
amanhã do bem que te soube hoje,
(...)
faz o sinal da cruz
no boletim de voto.
apeadeiro
sem que eu dê por isso
tu levantas-te da sombra
fingindo que és uma sombra
uma pálida sombra do que és
dizes que vais buscar-me
onde eu estiver
e eu fico aqui sem jeito
para ficar
partindo sem partir
tu levantas-te da sombra
fingindo que és uma sombra
uma pálida sombra do que és
dizes que vais buscar-me
onde eu estiver
e eu fico aqui sem jeito
para ficar
partindo sem partir
S. D.
Não deixo que mais ninguém dispute estas lágrimas
Sei que morreste mas não reconheço a tua morte
Para mim não caíste nem foste para o hospital
Apenas flutuas a meio das escadas como num sonho
São apenas minhas estas silenciosas lágrimas
Que o meu inglês não traduz nem consegue traduzir
Fico com os discos e fotocopio os teus poemas
Para serem discutidos na aula e é tudo
É uma liturgia muito banal mas é minha
Não tenho outra maneira de te dizer adeus
Agora que enches de música outros territórios
Agora que alimentas uma grande saudade.
[J. Carmo Francisco; Iniciais. 1980]
o milagre de antón fernán
Antón Fernán vem a Portugal duas vezes por ano. O resto dos dias passa-os por cá, mas é como se cá não morasse. Nos celebrados momentos da visita de Antón Fernán ao nosso país, ouvimos uma frase de circunstância que ele prepara antecipadamente para ser comida como entrada. Embora possamos jurar que ouvimos as palavras de Antón Fernán, a verdade é que elas nunca foram ditas. Não por serem impronunciáveis ou indizíveis, mas por serem inaudíveis acima do silêncio sobre a visita de Antón Fernán, infinitamente mais sossegada que a visita de qualquer outro português que dê à costa.
Também é verdade que ninguém sabe muito sobre a nacionalidade de Antón e há mesmo alguma confusão a respeito da atribuição desta ou daquela nacionalidade a um cidadão da Península Ibérica. Se há quem diga que ele é catalão, outros dizem que descende de um vilão fenício dado à costa durante uma viagem marítima efectuada entre os dois pólos que, por culpa dos achatamentos polares, ficou menos celebrada que o extraordinário cruzeiro de Fernán de Magalhães, essa outra celebridade entre os ibero-mundanos.
Há mesmo quem insista que Antón é galego, talvez mesmo português. Quem tal pensa, não sabe explicar porquê. Muitos pormenores de todos os dias aumentam para o dobro a dificuldade em aceitá-lo como português. Numa das suas últimas visitas a Portugal, país de onde raramente saiu, hesitámos em propor-lhe que aceitasse a nacionalidade portuguesa honorária. A hesitação acabou por vencer e salvámo-nos da vergonha de o ver sujeito a responder sobre a linha sucessória dos vice-reis da Índia e dos cognomes atribuídos aos infantes da nossa sétima dinastia constitucional e à vergonha de não conhecer os nomes de família dos heróis que, no regresso das batalhas entre os teutões, muito justamente se batem pela isenção do imposto sobre os prémios, condecorações e lucros da venda de bandeiras.
Para cada trabalho de verificação patriótica, havia um juíz a preparar-se para o pior e para o melhor. Conta-se mesmo à boca pequena que havia quem estivesse a decorar os versos da septuagésima estrofe da Portuguesa para atirar à cara de Antón Fernán, quando ele, reconhecendo humildemente a falta dos saberes requeridos, se dissesse pronto a recitar a tabuada, uma estrofe d'Os Lusíadas ou d'Os 12 de Inglaterra.
E nem um pontapé? Inaceitável! - disseram-lhe. Na gramática? Posso tentar? - perguntou ele.
[o aveiro;13/07/2006]
Também é verdade que ninguém sabe muito sobre a nacionalidade de Antón e há mesmo alguma confusão a respeito da atribuição desta ou daquela nacionalidade a um cidadão da Península Ibérica. Se há quem diga que ele é catalão, outros dizem que descende de um vilão fenício dado à costa durante uma viagem marítima efectuada entre os dois pólos que, por culpa dos achatamentos polares, ficou menos celebrada que o extraordinário cruzeiro de Fernán de Magalhães, essa outra celebridade entre os ibero-mundanos.
Há mesmo quem insista que Antón é galego, talvez mesmo português. Quem tal pensa, não sabe explicar porquê. Muitos pormenores de todos os dias aumentam para o dobro a dificuldade em aceitá-lo como português. Numa das suas últimas visitas a Portugal, país de onde raramente saiu, hesitámos em propor-lhe que aceitasse a nacionalidade portuguesa honorária. A hesitação acabou por vencer e salvámo-nos da vergonha de o ver sujeito a responder sobre a linha sucessória dos vice-reis da Índia e dos cognomes atribuídos aos infantes da nossa sétima dinastia constitucional e à vergonha de não conhecer os nomes de família dos heróis que, no regresso das batalhas entre os teutões, muito justamente se batem pela isenção do imposto sobre os prémios, condecorações e lucros da venda de bandeiras.
Para cada trabalho de verificação patriótica, havia um juíz a preparar-se para o pior e para o melhor. Conta-se mesmo à boca pequena que havia quem estivesse a decorar os versos da septuagésima estrofe da Portuguesa para atirar à cara de Antón Fernán, quando ele, reconhecendo humildemente a falta dos saberes requeridos, se dissesse pronto a recitar a tabuada, uma estrofe d'Os Lusíadas ou d'Os 12 de Inglaterra.
E nem um pontapé? Inaceitável! - disseram-lhe. Na gramática? Posso tentar? - perguntou ele.
[o aveiro;13/07/2006]
desenharam, logo existe
os estudantes desenham e eu não me canso de lembrar como desenham bem.
© Escola José Estêvão
todos os dias
abro a caixa de correio
e dói tanto
não encontrar as tuas linhas
das mãos que ninguém sabe quanto
as quero minhas
mas está bem assim que já receio
encontrar o meu desejo
despedido com um bocejo
ou pior ainda... com um beijo
e dói tanto
não encontrar as tuas linhas
das mãos que ninguém sabe quanto
as quero minhas
mas está bem assim que já receio
encontrar o meu desejo
despedido com um bocejo
ou pior ainda... com um beijo
a pegada
14
O buraco destrói-se é branco
ou sal
Nos joelhos da rua me aconchego
Esqueço-me e digo: a pele é um vestido
macio manhã cedo
Maria Alberta Menéres; A pegada do yeti
O buraco destrói-se é branco
ou sal
Nos joelhos da rua me aconchego
Esqueço-me e digo: a pele é um vestido
macio manhã cedo
Maria Alberta Menéres; A pegada do yeti
as portas da solidão
se desisto, as emoções saem comigo pela porta
que dá para a noite de um abismo... aberto para o lugar oco
com asas roubadas, as minhas!, tu voas para longe
dentro de mim, por mim adentro
sei que sou eu o que parti sem olhar-te no vidro:
a ausência ao espelho que já nem magoa por não haver volta a dar
que dá para a noite de um abismo... aberto para o lugar oco
com asas roubadas, as minhas!, tu voas para longe
dentro de mim, por mim adentro
sei que sou eu o que parti sem olhar-te no vidro:
a ausência ao espelho que já nem magoa por não haver volta a dar
um pouco mais de azul
1. Temos o direito de comentar todas as decisões e comportamentos das figuras públicas, mais ainda quando as suas acções influenciam directamente a vida colectiva. Não achei descabidos os comentários sobre actos de Freitas do Amaral enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros. Nem achei desproporcionadas as reprovações feitas em alguns momentos e os pedidos de remodelação ministerial a partir de algumas declarações do Ministro ou deste ou daquele acto.
Mas não posso concordar com a exploração que foi feita sobre a figura de Freitas do Amaral quando foi consumada a sua substituição objectivamente por razões de saúde. Acrescentar desnecessariamente cansaços políticos ao cansaço físico ao momento da exoneração, para além de rumores, é baixa política a roçar a baixa vingança sobre a diferença de opinião. Temos de reconhecer que, a partir do momento em que é clara a doença e se consuma a substituição, as fotografias da debilidade e os comentários oportunistas servem para diminuir os jornais que aceitam brincar sobre a glória dos vencidos... pela doença. Para mostrar força e estabilidade do governo e apesar da doença de Freitas do Amaral, Sócrates insistiu em mantê-lo como Ministro? Se isso tiver acontecido, Sócrates merece as mais duras críticas, como merecem as mais duras críticas todos aqueles que insistem em aproveitar estes acontecimentos para vender papel e alma.
2. Descalcei os sapatos do inverno para olhar e escutar o vaivém das ondas uma a uma, uma depois de outra depois de outra. O verão aparece-me como uma borda que separa a luz da sombra, o calor do frio, a areia da água,... Muitas vezes dou por mim a pensar que o verão me aparece de noite. Imagino-me a descalçar os sapatos do inverno numa noite escura e estrelada, Ainda sinto por dentro dos pés a água gelada, mas sinto que passei para o meu verão. Nada disto me acontece. Nada disto me acontece, mas falo disto como se pudesse ter acontecido.
Posso fazer a passagem de uma estação para outra em S. Jacinto, onde a bandeira azul se agita. Damos a cara à brisa salgada e, à queda da estrela cadente, acrescentamos um desejo à boa sorte que a bandeira azul é. Que a bandeira azul não apague as estrelas que precisam da escuridão para se acenderem lá no alto. Se perdermos a visão dos luzeiros no céu, o que nos resta?
[o aveiro; 6/7/2006]
Mas não posso concordar com a exploração que foi feita sobre a figura de Freitas do Amaral quando foi consumada a sua substituição objectivamente por razões de saúde. Acrescentar desnecessariamente cansaços políticos ao cansaço físico ao momento da exoneração, para além de rumores, é baixa política a roçar a baixa vingança sobre a diferença de opinião. Temos de reconhecer que, a partir do momento em que é clara a doença e se consuma a substituição, as fotografias da debilidade e os comentários oportunistas servem para diminuir os jornais que aceitam brincar sobre a glória dos vencidos... pela doença. Para mostrar força e estabilidade do governo e apesar da doença de Freitas do Amaral, Sócrates insistiu em mantê-lo como Ministro? Se isso tiver acontecido, Sócrates merece as mais duras críticas, como merecem as mais duras críticas todos aqueles que insistem em aproveitar estes acontecimentos para vender papel e alma.
2. Descalcei os sapatos do inverno para olhar e escutar o vaivém das ondas uma a uma, uma depois de outra depois de outra. O verão aparece-me como uma borda que separa a luz da sombra, o calor do frio, a areia da água,... Muitas vezes dou por mim a pensar que o verão me aparece de noite. Imagino-me a descalçar os sapatos do inverno numa noite escura e estrelada, Ainda sinto por dentro dos pés a água gelada, mas sinto que passei para o meu verão. Nada disto me acontece. Nada disto me acontece, mas falo disto como se pudesse ter acontecido.
Posso fazer a passagem de uma estação para outra em S. Jacinto, onde a bandeira azul se agita. Damos a cara à brisa salgada e, à queda da estrela cadente, acrescentamos um desejo à boa sorte que a bandeira azul é. Que a bandeira azul não apague as estrelas que precisam da escuridão para se acenderem lá no alto. Se perdermos a visão dos luzeiros no céu, o que nos resta?
[o aveiro; 6/7/2006]
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Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
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eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...