Volto a Aveiro por um bocadinho.
Eu vivo em Aveiro, entre Santiago e Santo André. De vez em quando, salto até terras de Santo Amaro que por lá tenho irmãe. Também visito S. Cristôvão a acompanhar uma sua devota que comigo partilha a chave de uma casa.Visito os lugares e nunca os seus santos. Visito árvores. Visito estátuas. Visito bibliotecas.
Quando me dá para visitar o lugar onde vivo sobe-me o sangue à cabeça. E rogo aos meus santos que, em podendo, filmem com seus olhos de ver a deus as ruas mais e menos esburacadas e para os passeios que não existem e para os passeios que existem. E munidos das mais belas imagens da minha vida, projectem em face de autarcas a memória do que viram.
Ouçam como gritam no seu júbilo: Vimos, ouvimos e lemos. E não podemos ignorar o milagre! Como foi possível nunca termos visto tão magníficos buracos nas nossas ruas? E ouçam as suas promessas: Se nunca por essa ruas passámos, até elas vamos! E gritaremos, como grita a neta deste santo, ao ritmo caótico dos saltos pneumáticos do carro: Estrada maluca carro maroto! E saltem e soltem as suas gargalhadas tais como as infantis gargalhadas da santa joana quando viaja entre a chave e o mário sacramento.
Gostar de viver em Aveiro não nos faz esquecer que somos governados localmente por planeadores e chefes infantis que acreditam em milagres e só abrem os olhos por milagre e se comprazem com os buracos e a sua opacidade entres os mais opacos.
De qualquer modo, tenho de congratular o tino e as crianças que brincam nas câmaras de ar pelo calcetamento de um passeio sem par na rua que homenageia um autarca enquanto descemos para um hotel de luxo que dá para uma lagoa abandonada à sua sorte de criada pelo deus da extração de barro de há cem anos. Tudo ali mesmo ao pé da Câmara, do Centro Cultural, etc ... Ajoelhei-me a rogar a Santa Luzia que os ajude a ver através dos opacos vidros fumados e das pálpebras coladas pelo rimel e pela ramela. Talvez baste abrir janelas. Sei lá.
O ano foi salvo pelas pedrinhas de um bocadinho do meu caminho daqui até à estação dos caminhos de ferro. Qualquer que seja o caminho que tome, imaginar o que devia ser o caminho… até dói. Está melhor, mas só um bocadinho.
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