o estendal

Vejo poucos estendais quando passo nas ruas de Aveiro, como se a roupa lavada desta aldeia tenha sido escondida em vãos de escada, ou quem sabe, em tambores de milhares de máquinas de lavar e de secar roupas. O número de máquinas é prova de desenvolvimento e progresso da cidade? Ver poucos estendais nesta cidade de vento à solta é prova de parolice de novos-ricos e isso nada tem a ver com desenvolvimento e progresso. Tem a ver com compra e venda de um bem escasso, de energia eléctrica num país doentiamente dependente do estrangeiro, e incapaz de criar formas alternativas para a produção de energia eléctrica.

Não me parece que a esta situação sejam alheias decisões políticas, urbanísticas. E não me admiraria muito que entre os entusiastas das varandas livres de roupas voadoras estejam alguns dos que falam a favor da energia eólica, da poupança da energia e de outras coisas que o actual senso comum não dispensa.

Não me chega que os responsáveis se mostrem politicamente correctos em geral (e são-no muitas vezes ao mostrarem-se favoráveis a políticas de que não são decisores) enquanto tomam decisões erradas e contraditórias com a necessidade da poupança de energia e de favorecer a produção alternativa de energia ou, ainda mais simplesmente, a utilização de energias renováveis para a … secagem de roupa, por exemplo.

Vejo poucos estendais na cidade de Aveiro. Vejo poucas pistas cicláveis fora da cidade e ainda menos caminhos exclusivamente pedonais, cuidados e sinalizados, para os aveirenses que, quotidianamente, passam marchando esforçadamente. Procuro carreiros que levem os caminhantes por aí fora, atraídos por bosques e parques, pela beira-rio, pelas beiras dos braços da ria. Mas se não vejo carreiros, nem quem reze por sua intenção, vejo quem seja capaz de lhes encomendar a alma falando de futuras estradas onde elas estão.

Algumas medidas importantes para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos de Aveiro não custam fortunas nem são impopulares. O que lhes falta para atrair a acção dos responsáveis?

Dêem-me carreiros e estendais, passeios em volta e roupa ao vento. Poupem-me o retrocesso à idade da idolatria das máquinas.


[o aveiro; 15/11/2007]

28 comentários:

JP disse...

boa noite, desta vez não podia deixar de comentar para lhe dar os parabéns pelo prémio, um exemplo de que vale a pena gostar daquilo que se faz aquele abraço de um Grande Amigo!

Anónimo disse...

Arsélio:
Devolvo-te um texto teu, renovando os parabéns:

"Em círculo de cegos quem tem um olho é rei. Dizem-me.
Possivelmente é verdade, mas no meu círculo de cegos verdadeiros, que encontrei na faculdade, na vida, na política, nas esquinas polidas do mundo, na profissão de professor, senti-me muitas vezes o maior cego e nunca me senti rei e muito menos bis-rei, apesar de ter os dois olhos bem abertos."
(Arsélio Martins, In "Círculo Virtuoso" - "edição definitiva" do autor, Aveiro, Janeiro-Julho de 1990)

Anónimo disse...

Apenas para deixar um abraço.
Não conheço melhor escolha para Professor do ano

Unknown disse...

PARABÉNS ARSÉLIO. Por uma vez eles tinham de acertar nalguma coisa.

José Paulo Vasconcelos disse...

Entrei no blog para lhe deixar os parabéns, mas tropecei num recanto de magia e encantamento... Não sei o que gostei mais: se do prémio de "Professor do ano", se da frase "Dêem-me carreiros e estendais, passeios em volta e roupa ao vento." Não sei!

Parabéns Arsélio!

De um ex-professor da "José Estevão", agora a "perseguir infiéis" em Tomar.

José Paulo Vasconcelos

Anónimo disse...

Parabens. Pelo menos que haja um a quem é reconhecido o trabalho.

João Norte

intro.vertido.weblog.com

Anónimo disse...

Ao ler a notícia no Público Online acerca do prémio que lhe foi atribuído, não deixei de ficar surpreendido ao constatar que foi dirigente da Fenprof. Digo isto porque perante o ataque à classe docente levado a cabo por este ministério da educação, o que se exigia era a recusa do prémio, ou no minimo uma crítica à política «educativa» economicista e com fins estatísticos deste governo. Até porque o melhor prémio que um professor pode receber é verificar que os seus alunos aprendem e se mostram interessados nas aulas e na aprendizagem.
Perante a crescente degradação e desvalorização da profissão de professor a aceitação do prémio acaba, assim, por expressar uma concordância com a via seguida por esta ministra, que insulta e despreza os professores para ganhar a população - como ela diz.
Ao mesmo tempo que elimina a possibilidade dos professores evoluirem na carreira, e de os contratados poderem ser professores (que para ela são meros diplomados), a ministra inventa estes prémios e estas campanhas de marketing e publicidade para transmitir a ideia de que a profissão até é valorizada. Ora, isto é um insulto a todos os professores, e é, por isso, que me admiro de ver alguém que tem (ou teve) ligações aos sindicatos (à fenprof, ainda por cima) concorrer e aceitar este prémio, quando o espírito anti-sindical deste governo é por demais evidente.
Depois é natural que muitos digam que não vale a pena fazer greves. É que chega-se à conclusão de que se anda a fazer o papel de idiota útil.
Parabéns pelo prémio, mas tenho pena que o tenha aceite.

Anónimo disse...

teste

Porfirio Silva disse...

Não sei se se lembra de mim: interagimos na comunidade do ensino secundário em Aveiro, eu como suspostamente "representante dos alunos", o Arsélio como supostamente "representante dos professores", vai para mais de 20 anos. Nunca fui seu aluno de matemática (talvez infelizmente, talvez a minha matemática fosse melhor hoje em dia), mas lembro-me de um professor com uma característica sem a qual nada vale a pena, sem a qual nada tem qualidade: humanidade. Lembro-me do Professor Arsélio como uma pessoa de uma extraordinária humanidade e sensibilidade. Sei que há mais "professores Arsélios" neste país, mas este foi aquele que me deu a grande alegria do dia de hoje, quando li a notícia do seu prémio dos jornais. Apesar da distância (apenas interagimos na blogosfera há uns anos quando eu tinha o blogue Turing Machine), o seu prémio deu-me contentamento por um dia. O que já é tanto! Parabéns!

Anónimo disse...

Vim aqui para lhe deixar um abraço de parabens pelo prémio mais que merecido. Uma colega da sua escola falou-me bem de si e, por um amigo de Paramos, soube do seu blogue. Octávio Lima (ondas3.blogs.sapo.pt)

Anónimo disse...

Parabéns pelo prémio!
Muito merecido!
1 ab
Hermínia
cfpagueda.blogspot.com

joshua disse...

Parabéns pelo prémio e pelo blogue parabéns.

joshua (um amigo do lado)

Rui Fonseca disse...

Chego aqui por portas travessas e percebo que recebeu um prémio. Os meus parabéns. Se recebeu, presumo que mereceu.

Já quanto aos seus estendais perdoe-me a franqueza mas o seu sentido estético não andará afinado pelos tempos que correm.

Porque se os velhos tempos da roupa a corar ao sol lhe fazem encher o peito de saudades suponho que também lhe chegue a nostalgia com a lembrança das estrumeiras ao pé da porta. E não se ofenda: os suíços, que não vivem como na idade da pedra lascada, vivem bastante bem com o cheiro a estrume pelos campos fora.

Quanto aos estendais, caro professor, podemos aproveitar bem o Sol que a natureza graciosamente nos fornece, e dispensar as máquinas, sem ter que mostrar à vizinhança as cores das cuecas: basta que os projectos de arquitectura passem a contemplar zona adequada para o efeito.

Cá em casa, e já habitámos várias, é sempre assim: não temos máquina mas temos estendal privado.

Até porque esta do estendal faz-me sempre lembrar aquela do Villaret:

Oh sua descaradona
Tire a roupa da janela
Que a sua roupa sem dona
Lembra-me a roupa sem ela.

Anónimo disse...

Curiosa esta sua maneira de ser. Veio de um momento mágico, talvez único (nunca se sabe o dia de amanhã, tantos são os prémios que bem merece ganhar) e o que faz o meu amigo? Continua a ser como era e coloca um texto seu que vai ser publicado num órgão de comunicação social.

Esta é a maneira de ser de um homem que sempre admirei. Premiado? Foi, é bem verdade, mas jamais deixa de ser o mesmo ser humano que tem sido.

Curiosa esta sua maneira de ser? Talvez não! Talvez me tenha enganado. É mesmo a maneira de ser deste eterno... amigo, companheiro, presidente e tanto mais.

Sérgio Loureiro

NB1: apreciei bastante o texto colocado pela dra. Alice. Feliz o moemnto em que o escolheu e aqui colou.

NB2: permitam-me que felicite o conselho executivo da nossa escola secundária José Estêvão, na pessoa do dr. Alcino Carvalho, por ter contribuído para o (justo) galardão atribuído ao dr. Arsélio.

Anónimo disse...

Prof. Arsélio
Já todos disseram tudo por isso parabéns, é merecido como professor e como exemplo de cidadão, até breve

Manuel Prior

Krithinas disse...

Tenho uma questão:
A professora Maria Alice que aparece aqui em cima a comentar é a professora Maria Alice Pinho, de Português/Inglês, que me deu aulas de Português A entre 1993 e 1996?

Se for, gostava de lhe dar uma palavrinha.

Anónimo disse...

Boa noite, Professor. Vi um grande cartaz no portão da minha antiga escola com o seu nome em letras grandes... a dizer que tinha ganho um tal prémio de Melhor Professor a nível Nacional...=P Resolvi passar aqui e deixar os meus Parabéns para um Grande Professor que sempre soube que um dia viria a ser finalmente reconhecido como tal. Espero que continue sempre a dar aulas, e acima de tudo a ser a pessoa de valor que era quando me deu aulas (e que suponho ainda ser, uma vez que as pessoas não costumam desvalorizar com os anos...)

Cumprimentos, e até uma próxima vez.

Anónimo disse...

Um excelente exemplo para muitos professores. Os "representantes" dos professores deviam conhecer a sua postura. A sociedade aveirense deve estar-lhe grata.
Cumps

Anónimo disse...

Simplesmente, um abraço de parabéns para o professor, mas também para o homem, que assume a sua vida como um permanente combate em prol do desenvolvimento do Homem

Unknown disse...

Eu cheguei aqui através deste post do Maraddona:

"Através do Daniel Oliveira chego ao blogue do homem que ganhou o prémio de professor do ano. Estas coisas costumam ser melhores que o Pacheco Pereira quando fala sobre o seu Abrupto. Este professor de Aveiro diz-nos logo no primeiro post que lhe li que tem saudades dos estendais, nas sua proprias palavras, da "roupa ao vento". Um excerto:



"Vejo poucos estendais quando passo nas ruas de Aveiro, como se a roupa lavada desta aldeia tenha sido escondida em vãos de escada, ou quem sabe, em tambores de milhares de máquinas de lavar e de secar roupas. O número de máquinas é prova de desenvolvimento e progresso da cidade? Ver poucos estendais nesta cidade de vento à solta é prova de parolice de novos-ricos e isso nada tem a ver com desenvolvimento e progresso. Tem a ver com compra e venda de um bem escasso, de energia eléctrica num país doentiamente dependente do estrangeiro, e incapaz de criar formas alternativas para a produção de energia eléctrica."



A "máquina de lavar e de secar" como sinal de "parolice de novos ricos", um afastamento do verdadeiro "desenvolvimento e progresso". Isto é a parte fausto. Depois vem o anti-capitalismo: o horror da "compra e venda de um bem escasso", a perene fobia de estar "dependente do estrangeiro", num sinal claro que Salazar não morre, que [segue-se poesia] o verdadeiro e indestrutivel museu de Santa Comba Dão está em cada um de nós, e não sei se não mais à esquerda que à direita.



Depois vem a pérola em cima do colar rubis e diamantes: "Não me parece que a esta situação sejam alheias decisões políticas, urbanísticas." Temos portanto aqui um professor do ensino secundário, o nosso melhor professor do ensino secundário segundo não sei quem, a pensar o Estado como instrumento para evitar a "parolice" dos "novos ricos". Dá ideia que não se passou nada nos últimos 50 anos.



Carreguei no link do Daniel Oliveira no intuito de me divertir. Vim de lá preocupado [pequena demagogiazinha, coisa pouca, só para terminar o post em pose de Estado]."

Fim de citação.

Não duvido que o Prof seja um bom professor de Matemática.
Tenho fundadas dúvidas de que seja "o melhor", a não ser no sentido em que os filhos dizem que o seu pai é o melhor do mundo.

Mas a eventual excelência na profissão, não disfarça a superficialidade filosófica que salta à vista nas entrelinhas do discurso do professor.
É normal que a cultura filosófica média dos "especialistas" tenda a ser pobre e fechada.
Picasso pintava bem, mas tecia loas à Coreia do Norte.

É natural que as opiniões de uma certa geração sejam geralmente marcadas por simplistas visões marxistas, assentes em moralismos de pacotilha.
Como escrevi há tempos, gente assim é facilmente influenciável por narrativas simplificadoras, o que se comprova com a notável percentagem de universitários arrebanhados por seitas como a Aun Shinrikyo, ou seduzidos por religiões seculares e pelas diversas teorias da conspiração que “explicam” tudo, incluindo o profetismo marxista.

O professor berra contra a tecnologia, mas ele mesmo a usa...este seu blogue não seria possível sem computadores, servidores, internet, cabos, electricidade, satélites, etc.

Mas é sempre mais fácil esvaziar o prato ao mesmo tempo que se protesta contra a ementa.

Nórdico disse...

Concordo em pleno ... Apesar de não ser de Aveiro ... Sou de Braga, denoto na minha cidade tambem todos esses sintomas de relaxamento e despreocupação por um mei ambiente que de dia para dia se detiora sem que nada façamos para o evitar ... e ás vezes bastam aquelas pequenas coisas ...

Nórdico disse...

concordo plenamente com tudo ... tambem vivo numa cidad que constantemente se esquece do meio ambiente que a rodeia ... e que se deteora de dia para dia ... e ás vezes só aquelas pequenas coisas já bastam

© Maria Manuel disse...

(em aparte: tem um pequeno desafio no meu sítio, caso queira dar-lhe continuidade...)

Abraço grande!

Anónimo disse...

aceitem vender-se por 30 dinheiros ao serviço da ministra da boa (?) educação tecnológica.


... Nestes tempos de comunicações rápidas, para uma parte dos nossos políticos, até a participação (que não se puder dispensar) pode ser representada por figurantes recrutados entre velhinhos da província que aceitem pagar uma excursão à capital com uma hora de bandeirinha em campanha de autarquia de costa ou entre jovens que, bonitos, empenhados e bem comportados pela mão de uma agência de modelos, aceitem vender-se por 30 dinheiros ao serviço da ministra da boa (?) educação tecnológica. A ministra acha que isso é nada quando comparado com o anúncio tecnológico. Mau exemplo, má educação democrática são pequenos nadas, sendo tudo. Ainda que tenham bom aproveitamento como eficazes figurões tecnocratas, nunca lhes perdoaremos o mau comportamento como democratas.



Palavras de quem aceitou, sem nenhum pudor, um prémio desta ME...

Factor X disse...

Olá
Hoje vi a sua foto na capa do jornal e depois li a sua entrevista...e gostei! Sempre simples e bem disposto:)

Parabéns.
Atenciosamente,

Anónimo disse...

Parabéns Professor Arsélio!
Gostei de o ver no CCB, gostei de o ouvir, a si e ao Dr. Daniel Sampaio...
Um bom ano de trabalho e tudo de bom!

Daniela Reis

Anónimo disse...

Venho também dar-lhe os meus parabéns. Se for tão bom professor, como escreve, os seus alunos são sem dúvida uns sortudos!

Unknown disse...

Eu cá do prémio não sei nada. Mas gostei muito do post sobre os estendais. Assino em baixo!