Há duas semanas, o céu dos Açores desabou. Não posso dizer que tenha sido apanhado de surpresa. Até recebi a pancada de água com algum prazer. De certo modo, senti algum conforto ao receber por lá a água de que sentia a falta por cá. As máquinas que me acompanharam na descida daquela rua de Angra é que não gostaram. Mais tarde conheci o desagrado das máquinas, ao ver como elas se despediam do emprego alegando justa e húmida causa.
Habituei-me a esperar as estações do ano como me lembro delas e custa-me ver quando elas se aproximam de nós a fazer-se passar pelas outras.
Por isso, quando chegou a manhã de segunda feira, mal levantado do chão da noite onde tinha adormecido, agradeci ao manda chuva aquele escuro céu de mágoa. Quando saí de casa, já me apoiava à bengala que, quando não suporta o peso dos meus passos, se abre ao peso da água que cai. Sem precisar do guarda-chuva, cheguei à escola com todos os sentidos em alerta para não perder o instante da água. O vento não nos roubara o céu escuro e o cheiro do ar dizia-nos que a água do alto ansiava juntar-se à terra de água. E aquela mágoa feita dor finíssima, descendo do ombro até ao dedo que apavorado adormece, anuncia aos quatro ventos a tempestade.
Não me valeu de grande coisa a intenção da atenção. Não dei por ela quando ela começou a cair. Quando ela chegou, estava eu a prestar atenção às pessoas que aparecem em cada dia e em todos os dias, aparentemente as mesmas e sempre diferentes a reclamar a parte que lhes cabe na vida dos outros.
Saí mais tarde para a rua, o chapéu aberto contra o céu fundente. Para sentir o bafo húmido do dia, para molhar as mãos no ar, para ouvir o céu pingar e resvalar até às pontas das varetas do (ex)guarda-sol. Gosto de sentir a água na cara, de a saber a andar por aí em volta a dar peso à poeira que, ainda no último domingo, levitava à luz como se fosse poalha de ouro.
Sem corantes, sabores ou cheiros, de água simples se faz uma chuva de prazer e paz. De palavras de água, também. Mas também sei que de ácidos e ácidas palavras se formam nuvens e se fazem armas de chuva.
Não hão-de ser algumas gotas de chuva ácida a tirar-me o prazer do ar da minha rua.
[o aveiro; 22/11/2007]
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
GEOMETRIA : A curva do ingénuo revisitado (geogebra)
GEOMETRIA : A curva do ingénuo revisitado (geogebra) : Revisitamos "31 de Janeiro de 2005" de entrada ligada a texto de setembro ...
-
Nenhum de nós sabe quanto custa um abraço. Com gosto, pagamos todos os abraços solidários sem contarmos os tostões. Não regateamos o preço d...
-
eu bem me disse que estava a ser parvo por pensar que só com os meus dentes chegavam para morder até o futuro e n...
1 comentário:
não gosto de prémios, gosto de professores. divirta-se e faça-os divertirem-se.
nvgogol@hotmail.com
Enviar um comentário