do desalento e do desabafo

Os primeiros dias desta semana deixaram-me na memória impressões de acidentes brutais, da estranha e meio encapotada violência dos membros de claque e notícias de variadas reuniões sobre avaliação de professores, marcações de protestos e greves, ...
Devo confessar que admiro a resistência das pessoas que vão de uma reunião para outra, ouvindo opiniões e falando sobre saídas e soluções. Claro que são igualmente admiráveis todos os que, de reunião em reunião, sem dar mostras de cansaço, se exaltam em bloqueios às saídas para as mesmas situações. Fico cansado só de imaginar essas vidas, enquanto vagueio pelas reuniões que me cabem em sorte. Mais cansado ainda me sinto quando tenho de viajar entre Aveiro e Lisboa para olhar reuniões. Começo a sentir-me um estranho nas participações por dever de ofício. De certo modo, é como se não estivesse nos lugares onde estou e não fosse eu a falar quando falo ou não fosse eu que estivesse a ouvir. Muitas vezes, penso que não sou eu quem pensa da forma que penso e, ... quem me dera estar noutro lugar e noutro tempo.

Mais estranho ainda me sinto em algumas sessões sobre Matemática e ensino de Matemática. Há conferências em que todos quantos se debruçam sobre o ensino não superior raramente caem nele; personalidades e professores do ensino superior olham-nos como se olhassem para baixo, de um varandim. Muitas intervenções cheiram a já visto; outras cheiram a piada interessante; algumas opiniões são a alta voz do senso comum ou da falta de senso que são coisas de boa e má educação. Sinto-me sempre um pouco insecto preso no fio de ouro dos discursos simultaneamente projectados e lidos. Claro que, em cada sessão, há sempre quem nos ensine e nos lembre alguma coisa.

Sinto-me tão enfadado como tentado a promover uma conferência sobre o ensino superior em que os oradores sejam todos professores do ensino não superior. À semelhança de conferências a que assisti, os conferencistas não teriam mais que dar um exemplo ou outro de algum erro grosseiro ou aspecto mais ridículo de aulas de professores do ensino superior (que, sendo difícil tarefa, não é missão impossível).

Em acto de contrição, a comissão organizadora da conferência sobre as questões e soluções para o ensino superior de matemática assumiria a responsabilidade pela parte da formação dos professores do ensino superior que coube a professores do ensino não superior. Só para marcar uma diferença.

Ninguém tem culpa da incompreensão que me ataca. Sopro para este saco de papel e suspendo a respiração. Até voltar à vida de sempre.


[o aveiro; 20/11/2008]

8 comentários:

Marília disse...

Não, não é culpa tua. Além disso, parece-me ser um bom começo. Digo eu...
Quanto à ideia da conferência, é do melhor que tenho ouvido nos últimos tempos. De fazer e já.

tsiwari disse...

Amei a ideia da conferência.

Bute a organizar...

Tanto que podiam aprender!

Abç

ECA disse...

Caro Arsélio
Acho incrivel, que mo momento de caos que vivemos nas escolas, ainda possas pensar em confreências.
Quanto a reuniões, a ultima que conheço do CCAD é de 7 de Julho. estou certo?
Abel Eça

Maria José Vitorino disse...

se quiseres apoio na organização, conta comigo

o enjoo é geral
os sacos de papel vão ter muito a que acudir

Anónimo disse...

Subscrevo... e concordo que aprendemos SEMPRE. Mas também já tenho idade, experiência e currículo q.b. para não ter mais pachorra. Quanto à conferência, vai ter fila de voluntários para a organizar - e pode já contar comigo para ajudar no que for preciso! A sério, organize-a. Estamos a necessitar urgentemente de desenvolver a capacidade de nos olharmos e rirmos de nós próprios.

Anónimo disse...

Pois eu, de tanta parvoíce ter ouvido com esta coisa absurda em que se transformou a avaliação de professores, deixei de admirar os sábios do nosso país. Envolve-me um sentimento parecido com o que emergiu em mim quando descobri que o pai natal não existe. Afinal, aquela gente que sabe tudo, muitas das vezes nem sabe do que fala. Mas fala, fala e deixa-nos intimidados com tanto saber.O Rosseau também escreveu livros sobre educação e pôs os filhos na roda.Já não acredito em ninguém.

Anónimo disse...

porque não te demites do CCAP e vais dar conferências sobre matemática?

saltapocinhas disse...

já tive algumas formações com professores do superior e realmente eles andam a anos luz do que se passa realmente nas escolas!
daí que o que se aproveita daquilo que eles dizem ou propõem é tão pouco que não compensa andar lá meses a ouvi-los!

em relação a tanta reunião, acho que devia pôr um ponto (quase) final nisso e dedicar-se aos seus alunos e aos seus formandos que gostam imenso de si, e deixar de vez essas reuniões que a si o enfastiam e que incomodam todos os outros!