Quanto mais poético, mais verdadeiro

Declaro que, no próximo domingo, votarei em Manuel Alegre.

Amanhã, sexta, vou ao Pavilhão Académico onde não entro há muitos anos. Há pelo menos dois comícios que me fazem lembrar o Pavilhão Académico da Costa Cabral e ambos foram comícios infelizes que eu bem queria que não tivessem acontecido: um contra o assassinato do Padre Max e da minha ex-aluna Maria de Lurdes e outro contra o assassinato de dirigentes comunistas do Brasil. Em ambos participei activamente,  engolindo em seco as palavras que me senti obrigado a escrever e a dizer, porque não há palavras que nos devolvam a vida que nos tiram.  Foram manifestações exaltantes de unidade de homens e mulheres de esquerda que se recusam a aceitar crimes, de um modo geral, e muito  especialmente aqueles que são praticados contra a liberdade das ideias e a coragem de as defender. Lembro-me de poetas, músicos  e cantores. Lembro-me de José Mário Branco que então  acompanhei enquanto fazia germinar  - O sangue em flor - como hino contra a repressão no Brasil de então. Não tenho saudades do sofrimento. Só tenho saudades de amigos, sendo eles o que quiseram ser depois. Esses comícios lembram-me também Ruy Luis Gomes, Eugénio de Andrade e um professor brasileiro, Bayard Boiteaux (isso ou parecido) que então conheci, porque me lembro da bondade com que aceitaram conviver com um jovem esquerdista, então professor estagiário. E lembro-me de como se envelhece bruscamente.

Espero do comício de hoje outra forma de participar na vida política: a comunhão simples de pessoas livres. Uma verdadeira festa. Que bem merecemos. Eu também mereço a festa que me faz falta, e  a eleição de um poeta pode ser a festa que me falta, aquela que eu quis esperar.

Arsélio Martins, professor de Matemática.

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