um dia destes

um dia destes vou ver-te saltar à corda
os amigos servem para isso e pouco mais
admirar habilidades naturais como saltar
se tornam humanas nos nossos amigos

que treinam tão intensamente o salto
à corda como o salto à vara ou o assalto
à mão armada ou o assalto de consciência
ou a ciência aplicada ao amor e às relações

sociais também são os sócios no capital
os meus amigos do alheio sei lá eu qual
quase tudo o que vejo me é alheio agora

como o teu assalto à distância o remoto mergulho
em suor humano treinando o frio de cada músculo
por cada presente cruel  e do futuro como causa.

desenhar farrapos

mataram-me o passado de que valia a pena cuidar
como se cuidasse um porco com abóbora couve e farelo
sobra-me a memória da lâmina da faca de cabo amarelo
com restos de sangue seco de passado ido a sangrar

agora bem me levanto a puxar a cortina para ver que dantes
nada há que me lembre a não ser o gesto diário de lavar
os dentes que sei ter sido um gesto antes sem ser lembrar
mas como uma certeza sobre os maquinismos dos instantes

cruzam-se comigo todos os dias ou sou eu que hoje vos vejo
como um reflexo de cada dia anterior em meu liso espelho
de porta do guarda roupa que dá para a rua onde moro

ou sou eu que acordo para acenar  e soprar da mão o beijo
sem sair do quarto  embora me agite vida de besouro velho
desenhando farrapos de tempo sem ver porque neles  demoro.