como se desenha um quadrado andando

sei bem como se forma um quadrado com pessoas
usei-as em quadrado como santo e condestável
usou em batalha contra os castelhanos sei bem

como podemos avançar, recuar ou rodar sem desfazer
o quadrado e basta-nos ajoelhar para não ser mais
que um cubo de escudos metálicos a brilhar ao sol

e como podemos parecer uma só carapaça sem cabeças

sei bem que o medo é impotente num combate travado
quando olhamos os inimigos de dentro do quadrado

cada um sentindo os nós que o prendem a outros dois
sentindo como é impossível qualquer debandada

que não seja uma pequena corrida para a morte

um mais um não são dois nem um


da varanda à nuvem, um passo

adormece

adormece, adormece, esquece quem quer que seja
não é preciso ouvir todos os ruídos da casa nem
avaliar o valor das jóias que não tiveste nem tens
nem rever o filme da tua vida nem há quem o reveja

tudo fizeste para que de ti nada sobrasse nem pó
que as cinza já as espalhaste em vida numa vinha
logo tu que já nem és nem deixas mulher sozinha
e não sendo de boa cepa nem queimado és o pó

da terra que não te quer e do ar que te não respira
só te resta adormecer sem querer saber ver ouvir
escutas de ti mesmo e só conjugas o verbo tossir
tens ainda presa em ti a morte quando a vida expira

para além do teu pesadelo inventado: vida e festa
de ti da tua morte da tua vida nada nem rasto resta

talvez ainda um dia alguém refugiado do inferno
te use sem saber de ti para aquecer-se no inverno