A verdadeira mentira
Arsélio Martins

Para os políticos que nos governam quais são os modelos de virtudes, de sociedades, de política, de democracia, de governos? Pelo que eles nos dizem, os modelos que gostam de imitar e seguir são, em primeiro lugar, os dos Estados Unidos da América e do Reino Unido. Não são?

Acontece que, nos últimos tempos, os dirigentes desses governos têm vindo a prestar contas, sendo submetidos a inquéritos sobre as mentiras que serviram de justificação para a invasão e ocupação do Iraque. No Reino Unido, já houve vítimas políticas e até, lamentavelmente, uma vítima mortal. A mentira mata.

O nosso Primeiro Ministro afiançou publicamente ao nosso parlamento e ao nosso povo que tinha visto as provas da existência de armas de destruição maciça no Iraque prontas a ser utilizadas contra a humanidade. Só as pode ter visto pelas mãos de quem não tem sabido mostrá-las aos seus povos e parlamentos. Não mentiu? Pode ser que tenha só sido enganado. Mas não se sente obrigado a comparecer perante o seu parlamento e o seu povo pedindo desculpa?

Em democracia, podemos estar em desacordo total uns com os outros, e tomar decisões contrárias perante os mesmos verdadeiros factos. Mas não podemos criar factos falsos para justificar participações em guerras de invasão e ocupação à margem do direito internacional e contra a Organização das Nações Unidas. Um grave sintoma de doença de uma democracia é o desprezo pela honra e pela verdade. Desde há mais de um mês que desejo ardentemente ver um sinal sério de combate à doença por parte dos órgãos de soberania. E nada! Como eu gostava que, nestas questões, os nossos políticos fossem tão rápidos a seguir os seus modelos como na corrida em apoio das guerras que os seus modelos inventam.

George Bush imaginou e fez guerras contra povos e nações com alguns objectivos tão miseráveis como assassinar ditadores e terroristas e o controle da produção do petróleo. Osama e Sadam são tenebrosas criaturas e, à semelhança de outros, devem ser procurados pela comunidade internacional para serem julgados por crimes contra a humanidade. Inventor de guerras infinitas, Bush tem agora de pedir mais dinheiro, arranjar tropas e quer partilhar os riscos em vidas humanas e os custos da ocupação e reconstrução do Iraque. Procura mesmo convencer as Nações Unidas a participar até militarmente na sua ocupação. Ainda não o conseguiu. Mas já o nosso Ministro da Administração Interna declara que as tropas da nossa Guarda Nacional Republicana podem ir para o Iraque já que vão cumprir objectivos das Nações Unidas. As Nações Unidas não sabem ainda.

Quem me dera viver em paz num país de governantes honrados. Pior do que a vergonha dessa dúvida, é saber que portugueses podem partir para o Iraque e, às ordens de quem?, reprimir manifestações populares contra a ocupação. Em meu nome, não! Não é um chavão vazio: Um povo não é livre quando reprime outros povos. Pensava que nunca mais teria de o repetir.

Com quantas verdadeiras mentiras podemos viver?

[o aveiro, 11/09/2003]

Desenho 6




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