Marina - nome, pronome, pormenor.










A Administração do Porto de Aveiro, SA abriu concurso público para atribuição de uma concessão em regime de serviço público com vista à concepção, construção e exploração de uma marina. Ganhou o concurso a empresa “Sociedade de Desenvolvimento e Exploração da Marina da Barra, SA “ que tem o objectivo de rentabilizar um investimento. Assim, o projecto posto à discussão só tem a ver com a especulação imobiliária e a marina não é mais que uma justificação paralela para a ocupação da zona protegida.
Ao longo dos tempos, sucederam-se os alertas sobre as formações das línguas de água e areia e o historial da luta nem sempre vitoriosa do engenho humano contra as dinâmicas naturais em tudo o que respeita à ria no seu conjunto, aos seus braços e especialmente ao controle da foz. A memória do desnivelamento da ponte da Gafanha alimenta inquietações sobre a dinâmica das correntes na ria. A obra projectada implica um estreitamento brutal de um dos braços da ria mais perto do mar. Os estudos a longo prazo sobre as consequências do aquecimento global colocam em risco todo o cordão dunar e é certo que, todos os investimentos feitos (como concessão ou não) em construção civil sobre as dunas e sobre as águas são uma forma de pressão para novas construções para defesa do património construído e do investimento financeiro, na lógica de substituir o natural por margens de betão.
Nenhum estudo de impacte ambiental pode ser justo e razoável se não considerar um futuro alargado e não estabelecer seriamente a realidade futura que almeja o tipo de desenvolvimento em que assentam projectos como o da Marina(?). O estudo que foi apresentado à discussão pública não esconde o que se destrói definitivamente em termos do ecossistema (da água ocupada, lodosa) no que ele representa de extinção para muitas espécies piscícolas que nele crescem e se desenvolvem, antes da idade adulta. Mas não lhe atribui importância, considerando mesmo que a zona estaria degradada (de que ponto de vista? para que fins?) mesmo quando realça estar ela a cumprir uma função primordial no conjunto da ria e da entrada da barra. De resto, o estudo não faz mais do que esconder os impactes negativos da obra projectada sob um rol de pormenores com que os interessados respondem às criticas e dúvidas de todos os que se preocupam mais com o futuro da barra e menos com a promoção da exploração imobiliária combinada com turismo consistente com “desenvolvimento” e “progresso” discutíveis.
Para melhor fazer esquecer as consequências para a ria e as espécies piscícolas, algumas delas de impossível regeneração mesmo a longo prazo, o estudo de impacte esforça-se por alinhar pormenores de futuras intervenções que podem melhorar ou mesmo criar ambientes favoráveis para algumas espécies de aves e para ocupações artesanais marginais ao projecto.
Finalmente, o estudo de impacte ambiental espraia-se em considerações sobre as vantagens de desenvolvimento económico, com a criação de empregos na construção, ou de empregos nos serviços futuros. Não estamos em desacordo com o aumento da densidade populacional ou da oferta turística no concelho de Ílhavo. Mas só podemos achar deprimente que isso se faça sobre pressão na Barra. O número de lugares de estacionamento por habitação e por serviço fornece indicações seguras sobre o que se pretende. E a construção de passagens desniveladas no corpo da Barra não é seguramente motivo para qualquer alivio, se nos lembrarmos dos congestionamentos diários na IP5 nos acessos à cidade de Aveiro. Os fins de semana e os dias de verão são uma outra história triste que garante a indigência do planeamento intermunicipal para as redes viárias e os transportes.
Para a Barra, podemos aprovar infra-estruturas para actividades náuticas, integradas em “cadeia de apoios” ao longo da costa. Não podemos estar de acordo com um projecto que faz sombra à marina e a torna num insignificante pormenor ou nome de pesadelo.

Quantos anos tem o futuro?


[o aveiro; 16/10/2003]


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