É como se nada do que vimos acontecer tenha acontecido. Os debates sucedem-se por força do que acontece, mas metade dos participantes aceita a chamada ao debate como se nada tivesse acontecido que o motivasse. Pensamos mesmo que eles e elas aceitaram o tempo presente como matéria de que é feita a eternidade. E todos se fecham numa concha de coerência e moral que são matérias estranhas e exteriores à composição química dos políticos no poder.
As formas governamentais de descentralização e reorganização do território são uma novidade? Permitem aos municípios iniciativas conjuntas por sua conta e risco. Já não era assim? Não se mantêm todos os actuais entraves ao desenvolvimento local e regional? Algumas das concretizações só podem classificar-se na categoria de pesadelos. A contiguidade territorial já fez com que Castelo de Paiva passe a estar no Vale do Sousa. Alguém sabe que unidade é uma área metropolitana? Quem sabia, vai deixar cair o conceito para poder aceitar as designações de novas realidades (ainda que virtuais) portuguesas. A haver alguma área metropolitana por aqui perto ela já existe e atrai os municípios do norte do distrito.
A educação e o ensino não tem quaisquer problemas e tudo o que se fez e faz vai no bom sentido. Dizem-nos que todos podem ver que há coragem e capacidade de decisão e que finalmente as escolas vão poder cumprir o seu papel. Porque é que trabalhadores da educação, sindicatos e uniões, associações de estudantes e confederação de pais ou mesmo as ligas católicas apelam a uma marcha pela educação marcada para a próxima sexta feira?
Todos são a favor da necessidade de uma reforma na administração pública. Mas parece que a reforma proposta pelo governo não é afinal a resposta a esse desejo profundo. Que consequências terá o congelamento dos salários da função pública pelo segundo ano consecutivo? Nenhuma? As greves marcadas são motivadas pelo egoísmo feroz?
Não há mulheres a serem julgadas por um crime catalogado em lei e que ninguém quer ver mais castigadas do que já foram pelas suas próprias vidas? Não é verdade que há muitas dezenas de milhares de portugueses a assinar petições para pôr fim a esta ignomínia?
Os pesadelos são da mesma matéria dos sonhos? E o poder é surdo e cego? Para que é o espanto? Eu quero estar enganado.
Nunca me lembro do que sonho, mas sei que os meus sonhos não moram nestes tempos.
[o aveiro; 22/1/2004]
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