A eternidade.

Saio da escola para a manhã de vento. Inclinado para a frente, contra o vento procuro uma parede ao sol. Nos últimos dias, o vento mais forte mudou-se para Aveiro. Ouvimos as suas zangas dentro e fora de casa. Acabamos por nos habituar à sua presença intrometida em todos os lados da nossa vida.
Antes de alcançar a salvação da parede do Museu, ouço o meu nome. Viro-me para trás. Uma cara sorridente começa a dizer: - Claro que não se lembra de mim! E eu ensaio uma das minhas saídas de velho: - És o …! Ele corrige-me na primeira parte do nome já que eu tinha acertado na terminação. Também nunca consegui melhor em qualquer dos sistemas de apostas mútuas autorizadas e mesmo a terminação é rara.
A conversa não vai durar mais que uns momentos.
- Também não admira que não se lembre. Quando fui seu aluno, tinha 16 anos e agora tenho 38. Já lá vão 22 anos.
- E que fazes agora?
- Agora trabalho numa ETAR. E comecei a fazer trabalhos em madeira. Tirei um curso de carpintaria.
- A última vez que te vi, trabalhavas aqui perto no balcão da …
- Essa foi à falência há muito tempo! Depois disso, já andei 5 anos embarcado. Mas não era pescador. Trabalhava na copa.
- Estás muito mais magro.
- Estive doente. No mar, as condições das pessoas que lá trabalham são más e, quando o corpo estava mais fraco, apanhei-a. Fiquei parado e quis fazer uma grande dieta.
Depois de mais umas palavras para a troca, sobre a minha vida de sempre sem mudanças nestes 22 anos que passaram, despedimo-nos. Sigo até á parede do Museu que me esperava. Não chega e vou ter de me sentar encostado ao vidro da janela do café para poder ser acariciado pelo calor do sol.

Comecei a pensar nas notícias terríveis sobre a miséria em Portugal, que não pára de crescer nestes tempos de politicas promotoras do desemprego do presente em nome do emprego do futuro.

É então que fico a saber que Ariel Sharon assassinou o velho Ahmed Yassin, paralítico chefe espiritual do Hamas. Nem o velho Ahmed, sempre a contar o tempo em eternidades de vinganças, tinha conseguido fazer tanto pela guerra. Há dezenas de anos que Ahmed ansiava, sem o conseguir até agora, tornar-se um mártir da causa palestiniana. Uma rajada fria de estupidez criminosa varre as ruas do mundo, enquanto regresso à escola.

E o vento de Aveiro continua a soprar, mas já não presto a mínima atenção a qualquer das suas brincadeiras. Preciso que voltem a chamar-me pelo nome.

[o aveiro; 25/3/2004]

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