O paraíso da tragédia

Até ao momento em que escrevemos, contam-se cerca de 60 mil vítimas mortais de um maremoto no Índico. Nas primeiras horas, a busca dos europeus em férias fez passar para segundo plano a tragédia dos milhares de mortos e dos milhões de desalojados asiáticos. As imagens são devastadoras e sucedem-se os números da destruição em vidas humanas, casas e carros, seguidos dos números da ajuda humanitária internacional. Os meios de comunicação colocam-nos no centro da tragédia, como se lá estivéssemos na vizinha Ásia, sofredores e impotentes.
E é então que começamos a prestar atenção a outros dados que vão sendo lançados.
Parece que a ocorrência de maremotos e ?tsunami? é muito mais rara no Índico que no Pacífico. E se os sistemas de aviso do Pacífico para os maremotos, ondas e marés invulgares estivessem montados no Índico? Haveria menos vítimas! - é o que dizem os cientistas, já que passaram horas entre o maremoto e a chegada das ondas às costas da Ásia. Os meios de comunicação existem para comunicar e mostrar a tragédia a todo o mundo em tempo real. Porque não funcionam para os alertas que antecedem e podem evitar parte da tragédia? Parte desta tragédia é a denúncia do drama que o modelo de globalização encerra.
E dizem os cientistas que o modelo de desenvolvimento é responsável pela dimensão da tragédia, já que provocou alterações profundas dos eco-sistemas marinhos e das orlas marítimas do continente asiático. Desde a destruição dos recifes de corais para a cultura intensiva de algumas espécies e a substituição das espécies arbóreas tradicionais das orlas costeiras até à concentração de populações humanas na beira do oceano, dele tradicionalmente afastadas.
Todos estes problemas estão estudados e contra os modelos de desenvolvimento, seguidos na maioria dos países atingidos pela tragédia, os cientistas e as organizações internacionais sempre lançaram alertas.
Estamos agora a assistir à maior operação de ajuda humanitária de sempre e rezando para que a contaminação das águas e as doenças não dupliquem o número de mortos da tragédia. Afogados no combate à tragédia, esquecemos a lição da verdade sobre os negócios do paraíso ... e as vantagens dos modelos de salvação. Que 2005 seja um ano de boa memória!

[o aveiro; 30/12/2004]

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